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quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Psicanálise e Psicologia: o que as define?

 

Interessante vídeo do Prof. Dunker, ao qual não pude deixar de fazer algumas considerações, sem a pretensão de grandes aprofundamentos teóricos ou compromissos com a forma discursiva acadêmica, como é próprio deste espaço de diálogo, mais no sentido de acrescentar do que de contestar algo. Convido você, caro leitor, a assistir ao vídeo e ler a pequena elucubração a seguir.




De forma geral, toda área de conhecimento pode lançar mão da mesma justificativa dada para a Psicanálise: "a graduação não permite um conhecimento profundo da MINHA ÁREA de especialização, pois ela, a graduação, se ocupa de explanar, em amplitude e não em profundidade, as diferentes vertentes do campo profissional ao qual está ligada. Assim, perde de perspectiva o acúmulo histórico de conhecimentos acumulados por MINHA ÁREA, que exigem maior tempo de dedicação e estudo para serem apropriados, permitindo um domínio profundo da literatura e suas práticas". Se pensarmos dessa forma, todas as vertentes da Psicologia podem se posicionar da mesma maneira.

No meu entender, a diferença não deveria ser focada na contraposição entre Psicologia e Psicanálise como cursos de formação, pois, visivelmente, a primeira estará em uma hierarquia inferior, pelo próprio propósito da graduação em relação à pós-graduação Lato ou Stricto sensu, assim como o seria Farmácia e Farmacologia, p. ex, entre tantos outros exemplos. Onde estaria a diferença primordial, então? Para além da contraposição como cursos de formação, que denuncia uma diferença de grau, poderíamos evocar o que foi dito no início do vídeo e que explicita uma diferença de natureza e origem, ainda que esta pareça ter se perdido ao longo do tempo: Psicologia como campo de estudo acadêmico, que busca a compreensão dos processos mentais, proposta por Wundt, em meados do século XIX, e Psicanálise como aplicação do conhecimento sobre os processos mentais, com fins na terapia, como proposta por Freud, em meados dos anos 90, do século XIX.

No primeiro caso, a sofisticação do conhecimento se daria pela pesquisa experimental e a reflexão filosófica acerca de um objeto, a mente, sem um compromisso terapêutico, no segundo caso, pela aplicação prática do conhecimento à pessoa, com o objetivo de solucionar um problema, eminentemente, existencial humano, por meio da terapia, ambas com aportes da Filosofia e do método científico positivista, este em franco desenvolvimento, à época. Seria impossível evitar que as duas áreas se tocassem, colidissem ou mesmo se fundissem como campos de estudo, em algum momento, definidas as especificidades metodológicas próprias de cada uma, e disputassem mercado, a partir da formação de seus profissionais, como é comum às diferentes áreas do conhecimento, inclusas as diferentes linhas da Psicologia (ou Psicanálise), entre si, as quais se diferenciam, ainda, pelo grau de formação de seus egressos.

Nesse sentido, acho difícil abordar essa questão me referindo a ambas no singular, como se existisse uma unidade teórico-metodológica e paradigmática para cada uma. No meu entender, é mais prudente e parcimoniosa a abordagem como "Psicologias" e "Psicanálises", ainda que pontos comuns existam entre as diferentes linhas no interior de cada uma, o que nos permite abordá-las, conjuntamente, como campo de estudo com um mesmo objeto, no singular. Para apimentar, ainda mais, o debate, eu diria que isso se assemelha à polêmica do pseudo-monoteísmo cristão, quando olhamos a concepção de Deus no interior de cada vertente dogmático-religiosa apoiada na Bíblia, monoteísmo que se sustenta, somente, pela negação das muitas diferenças em favor das menores semelhanças acerca desse conceito. Ao contrário da Religião, que sobrevive pela manutenção (às vzs, violenta) da tradição, à custa de uma retórica viciada e contraditória, na Ciência, precisamos reconhecer a diversidade no seio da unidade, renovando práticas e discursos, para que o conhecimento evolua, mude, ainda que tal reconhecimento exija a cisão dessa unidade.

E você? O que pensa a respeito?! Deixe sua opinião nos comentários, ainda que divirja, diametralmente, da minha.

domingo, 28 de fevereiro de 2021

Um ano de Covid-19 e permanecemos no mesmo lugar: estamos olhando para a direção certa?

 




Ainda que as morbidades sobre a saúde individual, decorrentes de uma crise econômica, apenas se manifestem frente a um descaso do Governo com medidas de mitigação das carência sociais e do Sistema de Saúde [1, 2], é difícil fechar os olhos para a possibilidade de que elas surjam, em contextos como o Brasil, como resultado da crise econômica que se avizinha derivada da crise sanitária, pela qual estamos passando, e seus protocolos erráticos, como aponta o vídeo [3]. Realizada essa consideração e excetuando-se a crítica descontextualizada que o vídeo [3] faz de uma fala de Stalin, sou forçado a concordar com ele, sendo, inclusive, muito de sua argumentação parte do artigo que publiquei [4] no início da pandemia, antes mesmo da maioria dos argumentos contrários surgirem na mídia científica ou leiga...*e eu sou de ESQUERDA!!!*.

Reafirmo, aqui, a minha "esquerdisse", para deixar claro de onde estou falando, pois, apesar de o vídeo [3] afirmar que deixou de lado questões políticas e que se ateve a uma visão técnica do assunto, ele é aberto com uma declaração, de seu autor, como conservador e com uma crítica a Stalin e se encerra, também, criticando Stalin, numa clara oposição entre Direita e Esquerda, como se o apoio ou oposição aos métodos de contenção da Covid fossem derivados da orientação política de quem fala. Se queremos superar a insanidade na qual o mundo imergiu, é preciso ter claro que esse não é o ponto de inflexão da curva. O posicionamento pró ou contra protocolos radicais de contenção tem muito mais relação com interesses político-econômicos (e não ideológico-partidários) de grupos sociais e com o desconhecimento generalizado, assim como com uma personalidade passiva, adesista e idólatra, de um lado, em oposição a uma personalidade combativa, negacionista e cética, de outro, extremos entre os quais a maioria de nós se posiciona, uns mais para um lado, outros mais para o outro.

É interessante notar que o vídeo [3] menciona a taxa de letalidade (e não de mortalidade, pois essa tende a ser até menor) por infecção (IFR), que é relativa ao nr de óbitos por nr de indivíduos infectados (mesmo os assintomáticos), uma taxa mais realista da importância do vírus. Em discursos mais sensacionalistas, é comum mencionar-se a taxa de letalidade por casos clínicos (CFR), que é o número de óbitos por doentes confirmados e que deixa de lado os casos assintomáticos, leves ou que não procuraram hospitais e postos de Saúde, o que torna o valor da taxa muito maior, mais variável e pouco confiável no que concerne à importância real do problema para a tomada de decisões pela Adm. Pública. Associado a isso, temos a omissão do debate político, midiático e científico sobre a necessária estratificação dos casos, conforme seu perfil epidemiológico, sócio-econômico, demográfico e geográfico, para a tomada de decisões técnicas. Tal negligência encaminha as decisões no sentido de ações generalizantes, que desconsideram idade, sexo, raça, condições prévias de saúde, contexto social e outras variáveis importantes na determinação das taxas de mortalidade e letalidade, subestimando ou superestimando dados de incidência e prevalência em grupos específicos, tratando uns pelos outros [4].

O Sistema de Saúde (privado, assistencial ou público, em uma sequência histórica de seu surgimento) surgiu como forma de atender as demandas da população e não o contrário. Há poucos dias circulou nas mídias uma reportagem com um médico dizendo "Os hospitais estão cheios, porque as ruas estão cheias...as pessoas precisam ficar em casa...". Oras, os hospitais, os profissionais e o Sistema de Saúde, existem, precisamente, para que possamos ter a tranquilidade necessária para viver. Sua existência apenas se justifica como instrumentos para a possibilidade de socialização e trabalho, dois elementos fulcrais para a constituição do processo civilizatório, que nos trouxe até aqui. Discussões filosóficas à parte, sobre se nosso status civilizatório está ou não adequado, nos dizer que devemos suprimir nossa convivência social, indefinidamente (pois é isso que está acontecendo e irá continuar, se não nos levantarmos em oposição), sem qualquer comprovação razoável de que isso é eficaz e efetivo [6], em um eterno ensaio-e-erro, representa negar a racionalidade e a dinâmica pela qual nos tornamos quem somos como civilização, sem apresentar alternativa melhor e negligenciando dados que já estão à nossa disposição. Ainda que existam casos de sucesso relatados sobre o lockdown [6], os indicadores para sua avaliação são, absurdamente, obscuros e os resultados contraditórios.

Tivemos tempo e, hoje, possuímos dados para o planejamento adequado da mitigação da pandemia, no entanto, continuamos no mesmo ponto de há um ano, em termos de ações sociais. Isso acaba por colocar a sociedade a serviço do Sistema de Saúde, invertendo valores e a relação, em razão da incompetência ou má índole não apenas de nossos gestores públicos e políticos, mas também dos próprios sistemas de Saúde e da Ciência, tanto no que diz respeito à gestão de recursos financeiros, humanos e materiais, quanto no que se refere à produção de conhecimentos, sistematização e análise de dados e desenvolvimento de protocolos. Diante disso, é difícil concordar, passivamente, com a forma pela qual o problema da Covid vem sendo atacado, apesar de concordar com o mérito da questão, qual seja: a Covid é uma questão de (s)Saúde (p)Pública (com letras maiúsculas e minúsculas) grave e, como tal, precisa ser mitigada, como qualquer outra doença infecciosa, mas não à custa da vida (social e biológica) do próprio hospedeiro, pois a melhor maneira de se erradicar um doença é eliminando os doentes, mas um remédio não pode ser mais danoso à vida que o mal que ele combate! Todos estamos, aparentemente, escorados em uma histórica zona de conforto paralisante, "montando quebra-cabeças", como diria Thomas Kuhn. Para finalizar, acrescento um interessante ditado popular "Está tudo tão de cabeça pra baixo que, daqui a pouco, tem poste fazendo xixi em cachorro e todo mundo achando normal!". Após um ano, temos apenas mais do mesmo!


Para aprofundar no assunto:

[1] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52330852

[2] https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2214109X19304097

[3] https://youtu.be/tu1dT0fPLkw

[4] https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/sustinere/article/view/50902/34331

[5] https://revistapesquisa.fapesp.br/o-enigma-da-letalidade/

[6] https://exame.com/ciencia/lockdown-e-perda-de-tempo-e-pode-matar-mais-diz-cientista-de-stanford/

sexta-feira, 13 de março de 2020

Novo Corona Vírus: apenas mais do mesmo, uma prestação de contas às elites e um pânico desnecessário [1]

Walner Mamede
Farmacologista
Mestre em Biologia
Doutor em Psicologia e Ensino na Saúde



Em pleno século XXI, ainda, sofremos com males semelhantes aos que nos achacaram durante toda a história da humanidade e agimos, ressalvadas as distâncias técnico-científicas, de forma igualmente semelhante aos nossos antepassado mais remotos, quando se deparavam com algo desconhecido e, aparentemente, ameaçador: esbugalhamos os olhos e corremos assustados para o escuro aconchegante de nossas cavernas, sem uma resposta à altura, porque não fomos capazes de prever os acontecimentos e planejar medidas racionais adequadas. A história sanitária no Brasil não foge a essa regra. Há, aproximadamente, 200 anos, D. Pedro II iniciou um projeto sanitário que se incumbiu de realizar o calçamento de ruas, a limpeza do lixo urbano, a iluminação de vias públicas, entre outras medidas, que identificavam na pobreza a origem das doenças, expulsando as pessoas de classe inferior do centro urbano para as periferias da cidade do Rio de Janeiro, onde se processaram as medidas mais veementes, por ser sede do Império, em proteção à corte e às classes mais ricas. Quase 100 anos depois, em novembro de 1904, vivenciamos a Revolta da Vacina, catalisada por interesses políticos anti-oligarquistas e protagonizada pelo povo brasileiro contra as medidas de Oswaldo Cruz, que motivou a aprovação da lei que previa multas e restringia direitos sociais (trabalho, escola, casamento, viagens, hospedagem...) a quem não se vacinasse contra a varíola, sentimento agravado por outras medidas sanitárias que previam a invasão de domicílios para desinfecção e extermínio de vetores da febre amarela e da peste bubônica, o que incluía, por vezes, a queima de pertences pessoais (Fonte: Portal FioCruz).
A falta de informação pelo Governo, a forma truculenta da campanha, os boatos de deformação facial pela vacina (cara-de-vaca), uma repulsa à origem da vacina (pústulas bovinas) e valores morais (exposição do corpo na aplicação) estavam entre os principais motivos de resistência. Associado a isso, sob o comando de Pereira Passos, uma revitalização urbana, com alargamento de vias e derrubada de cortiços e casebres, foi posta em andamento. As medidas adotadas, por suas características, atingiam muito mais as classes mais pobres, cujos integrantes eram considerados os vetores de doenças para as classes mais ricas. Estas, por sua vez, se sentiram aviltadas pela invasão de suas casas pelas equipes sanitárias. A Revolta levou ao cancelamento das medidas sanitárias truculentas e de obrigatoriedade da vacinação e a um decréscimo da adesão à vacina, que vinha sofrendo um aumento gradual desde 1837, gerando a proliferação do surto. Em 1908, no auge da mais violenta epidemia de varíola do Rio de Janeiro, em um comportamento de desespero, houve uma corrida popular para se submeter à vacinação (Fonte: Portal FioCruz).
Entre várias reedições dessa história, passamos pelo século XX, chegamos ao século XXI e, em 2005, a gripe aviária (H5N1) foi manchete nos jornais e motivo de preocupações mundiais. Em 2007, as preocupações giravam em torno da fusão entre o vírus sazonal e o H5N1, o que aumentaria seu poder de contágio e tornaria o combate mais difícil, pois não havia vacina específica para essa mutação. Em 2008, tivemos a febre amarela como protagonista, mais uma vez, depois de ter sido erradicada no Brasil. Em 2009, era vez da gripe suína (H1N1), que matou 17 mil pessoas em um ano. Atualmente, estamos às voltas com um novo tipo de corona vírus, denominado SARS-CoV2, um vírus cuja mutação o torna imune às vacinas conhecidas e dificulta o combate à sua disseminação. Em geral, as mutações conhecidas da gripe comum não modificam o vírus a ponto de torna-lo imune às vacinas já existentes. Mutações muito drásticas e o surgimento de um vírus com um sequenciamento genômico muito diverso do já conhecido é o que produz preocupações da monta do novo corona vírus, trazido para o Brasil por representantes de estratos sociais superiores, suas primeiras vítimas e já mais protegidas que as camadas mais populares, herdeiras imediatas desse legado, em um verdadeiro apartheid sanitário, em termos de raça, classe e gênero (Fontes: The Intercept-Brasil; Brasil de Fato).
Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), o novo corona vírus matou 3,4% dos infectados. Essa letalidade da doença é considerada baixa em comparação a outras epidemias recentes, como a de gripe A (H1N1) e do ebola, por exemplo. Jean Gorinchteyn, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo, compara o atual corona vírus com a gripe comum e assegura que “O modo de precaução é absolutamente o mesmo...” (Fonte: r7-Saúde). Diante das preocupações e das medidas emergenciais, aparentemente, desproporcionais à estatura do problema, Jans Kluge, Diretor da OMS para a Europa, afirma que a gripe sazonal mata 60.000 pessoas por ano só no continente europeu (algo em torno de 500 mil, no mundo), apesar da existência da vacina, e que as vítimas fatais do SARS-CoV2 registradas na Itália, país que mais sofre com o novo vírus, em geral, têm baixa imunidade e mais de 65 anos de idade, pessoas que são, portanto igualmente, vulneráveis à gripe sazonal (Fonte: Jornal Estado de Minas Internacional).
O médico infectologista Oriol Mitjà, do Hospital Germans Trias i Pujol, de Badalona (Catalunha), observa que
“...o coronavírus ficará como um vírus sazonal, de maneira que no verão haverá uma transmissão muito reduzida. O contágio é através de gotas respiratórias que caem no ambiente. O vírus sobrevive 28 dias na gota se a temperatura for inferior a 10 graus, mas só suporta um dia quando faz mais de 30 graus...No momento em que as temperaturas caírem de novo o vírus voltará. Por isso é importante desenvolver vacinas e tratamentos que possamos usar nos anos vindouros” (Fonte: El País).
Para Mitjà, apesar de ser necessário combater o pânico que se instaurou, não devemos baixar a guarda.
Físico, médico, epidemiologista e professor catedrático da Escola de Matemática Aplicada da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, o Dr. Eduardo Massad, Ph.D., é especialista em modelos matemáticos para estimar o ônus de doenças infectocontagiosas. Em entrevista para o MedScape, ele afirma:
“...[o] novo coronavírus é uma doença relativamente branda e...hoje tem uma taxa de mortalidade que está entre 2% e 3%...Calculamos essa mortalidade dividindo número de pessoas que morreram pelo número de casos notificados, por isso tende a cair. Os dois últimos coronavírus, que foram causadores de SARS (do inglês, Severe Acute Respiratory Syndrome) e MERS (do inglês, Middle East Respiratory Syndrome) tinham taxa de mortalidade muito superior...Acontece que o número de casos notificados é a ponta do iceberg do total de casos de infecção. Um número muito grande de infecções passa despercebido ou é confundido com uma gripe normal e não entra na conta. Só entram na conta os casos graves, de pessoas que acabam sendo hospitalizadas. A taxa de mortalidade desse coronavírus deve ser cinquenta ou talvez cem vezes menor do que a que vem sendo propagada. A SARS teve letalidade em torno de 10%, chegando a 17% em alguns locais. A letalidade da MERS foi muito maior. Chegou a uma média de 35% ...Em alguns lugares, o H3N2 teve letalidade maior do que o próprio H1N1...Acredito que podemos ter um número considerável de mortalidade, mas ainda assim no final do dia a dengue terá feito estrago maior do que o novo coronavírus...A própria gripe comum pode levar a pneumonia grave. A situação ficará mais preocupante quando a temperatura começar a baixar, em cerca de um mês. Como os sintomas são muito parecidos, não vamos conseguir sequer diferenciar quem está com gripe por Influenza ou coronavírus...recomendo tomar as vacinas existentes para tudo aquilo que pode acometer o pulmão, como os pneumococos e o Influenza...o esquema de vacinação tem de estar sempre em dia. É a única esperança que a gente tem para escapar disso...A Organização Mundial da Saúde (OMS) também está escaldada. Em 2009, decretaram pandemia de H1N1 e todo mundo saiu comprando oseltamivir e máscaras, mas a situação não teve a dimensão prevista. Alguns anos depois, decretaram a epidemia de zika e ela arrefeceu. Acredito que devem esperar até o último momento para declarar pandemia, assim como foi com o vírus Ebola, em 2014...Tenho a impressão de que há uma tendência a supervalorizar a importância desse surto. Na minha opinião, estão faturando politicamente em cima desse vírus. Muita gente que não aparecia há muito tempo agora não sai dos meios de comunicação. Não sei se é uma estratégia política para desviar de outros assuntos, que são tão ou mais graves. Temos novamente crianças morrendo de sarampo e os casos da doença continuam aparecendo. É uma vergonha. Considerando que o pico da dengue acontece entre abril e maio, é muito preocupante a epidemia no Paraná, onde a situação está completamente descontrolada e há muitos casos graves em pessoas de todas as idades. Não estou dizendo que é para nos descuidarmos do novo coronavírus, mas é desproporcional essa manifestação dos órgãos oficiais em detrimento de outros problemas de saúde do país” (fonte: MedScape)

Andreas Kappes, professor da City University, em Londres, e especialista em psicologia e neurociência, estuda como a incerteza afeta nosso comportamento e conduziu um experimento onde uma "gripe africana" fictícia foi utilizada para avaliar o comportamento das pessoas em relação a decisões que poderiam colocar em risco a vida de outras pessoas. Para ele “...o pânico não começa de imediato...No começo, as pessoas acham que estão de alguma forma seguras...Podemos pensar: 'Não é provável que eu pegue o novo coronavírus, mas as outras pessoas, sim'”. Mas um momento de estresse, que pode ser ilustrado pela grande visibilidade do corona vírus nas mídias sociais, rompe essa bolha otimista e começamos a adotar atitudes valorativas em relação aos resultados estatísticos oficiais, desconfiando deles, identificando a nós e nossos entes queridos com as vítimas e os cenários projetados tornam-se os piores possíveis, condicionando nossas ações no chamado "efeito manada", puro pânico irracional. Segundo Steven Taylor, "As pessoas observam as outras para saber como devem responder, é mais instintivo do que racional”. Outro motivo para o pânico, segundo Taylor, é a falta de credibilidade que possuímos em soluções simples para problemas, aparentemente, complexos (Fonte: r7-Saúde).
Assim, se a nossa percepção para o problema, e não o problema em si, condena a solução como ineficaz, a desnecessidade do uso de máscaras e o simples ato de lavar bem as mãos, em lugar do álcool-gel, para se precaver contra a contaminação, não parece ser uma solução viável, na visão da população. A incredulidade nas ações e orientações dos especialistas, considerados distantes da “realidade do povo”, o excessivo apego a tradições e a necessidade de soluções especiais para problemas especiais produzem um círculo vicioso que compromete a eficiência das já intempestivas soluções planejadas pelos Governos. As soluções especiais e as opiniões dos “leigos especialistas” não tardam a chegar na forma de memes e Fake News veiculados nas redes sociais. Steven Taylor, autor do livro The Psychology of Pandemics (A Psicologia de Pandemias, em tradução) diz que "A diferença fundamental dessa pandemia para outras são as redes sociais e nossa interconexão. As pessoas são expostas a vários materiais, inclusive fotos e textos dramáticos. É uma 'infodemia'", afirma...” (Fonte: r7-Saúde).
Parece que não saímos do lugar quando olhamos para trás, pois a falta de (in)formação social, a proliferação de boatos, o estabelecimento de condutas pessoais fundadas em valores e não em fatos, a análise parcial do problema e a instituição de ações governamentais impulsionadas por interesses de grupos específicos, ainda continua com a mesma tônica de 200 anos atrás. Quando associamos isso a uma convocação tardia dos adequados hábitos de higiene, de uma ética sanitária pessoal baseada em interesses coletivos e dos procedimentos governamentais de educação, prevenção e contenção, apenas quando o protagonista de uma doença já se apresentou como ameaça à saúde pública, particularmente, das camadas mais ricas da sociedade, colocando em xeque as seguranças e economias nacionais, temos a dimensão do problema instaurado. Esse hábito, via de regra, abre espaço para os boatos e as falsas soluções, geram incredulidade e dúvidas sobre as medidas corretas, produz pânico generalizado e induz medidas desproporcionais intempestivas e desesperadas, que perturbam a ordem social e denunciam as mazelas do processo civilizatório, às vezes, causando mais mal do que bem, em uma iatrogenia nos moldes da Revolta da Vacina há mais de 100 anos. Isso nos ensina que o excessivo relaxamento, não só dos Governos, mas sobretudo dos cidadãos quanto às suas responsabilidades coletivas e privadas, no interregno entre um surto e outro, e que convocar a consciência coletiva, somente, nos momentos de crise, esquecendo-nos dela nos momentos de paz, em favor do individualismo característico das sociedades atuais, em um modelo necropolítico, é algo infrutífero e um erro que não pode continuar sendo reproduzido nos próximos 200 anos. E, nesse cenário, instituições como o SUS têm papel fundamental, pois surgem como representantes máximos da equidade social e do acesso à saúde à milhares de cidadãos, reafirmando-se a necessidade de seu fortalecimento e qualificação, contra a lógica neoliberal de seu esfacelamento em nome de uma monetização cruel e promotora da iniquidade sanitária no Brasil.

FONTES
https://www.estadao.com.br/noticias/geral,europa-enfrenta-temporada-de-gripe-com-virus-mais-forte,20070126p2354

[1] Por ser o SARS-CoV2 uma nova cepa e não haver dados científicos formalizados em periódicos e livros de Saúde sobre a atual epidemia, o presente texto recorreu à análise de fontes mais populares e contou com uma compilação da opinião de especialistas em diferentes veículos citados ao final dos parágrafos e períodos. Uma evolução do presente texto foi submetida em março de 2020 e publicada em julho do mesmo ano, pela UERJ, e pode ser conferida em https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/sustinere/article/view/50902


domingo, 14 de julho de 2019

HÁ REPRESENTATIVIDADE POLÍTICA NO BRASIL?

Walner Mamede

Neste video, a pedra foi cantada um ano antes das eleições de 2018. Nele, a Professora Carolina Pedroso já quase antecipa os resultados das eleições a partir de dados como: (1) um terço dos brasileiros não acreditam na democracia; (2) mais de 90% da população não se sente representado pelos políticos que elege (eu mesmo tenho um texto sobre esse tema em http://walnermamede.blogspot.com/2015/01/por-que-nao-ha-sentimento-de.html?m=1&hl=pt_BR); e (3) há um cenário propício à vitória de um outsider.

O discurso da Professora é, aparentemente, imparcial, mas, salvo engano, deixa transparecer uma pequena tendência a apoiar uma política de direita, especialmente, qdo afirma ser o sentimento de não representatividade política um advento recente, localizando-o, cronologicamente, a partir de 2013, e qdo analisamos suas afirmações sobre as relações políticas e econômicas internas e internacionais da Venezuela (conteúdo mais recente veiculado hj, 14/07/19, pela Band News).

A despeito da suspeita de parcialidade, este vídeo é bem interessante, considerando sua anterioridade às eleições de 2018.

domingo, 28 de abril de 2019

A falência anunciada da Educação e o fracasso sindical

Walner Mamede


No contexto brasileiro atual, vemos um desmonte de todo o processo histórico que qualificou, minimamente, a Educação a partir do processo de redemocratização nacional. A atual gestão do Ministério da Educação não reconhece o valor de políticas inclusivas ou distributivas como, por exemplo, o Fundef e seu herdeiro, o Fundeb, ameaçando sua existência por meio dos inúmeros cortes orçamentários prometidos para a Educação, sob o discurso de enxugamento das despesas do Estado. Fazer frente a isso é um papel, não exclusivo, mas sobretudo dos sindicatos. Contudo, existe força e legitimidade dessa instância de negociação, na atual conjuntura política brasileira?

No Brasil, os sindicatos, como instância de negociação, sofreram considerável redução de sua força desde os anos 80, particularmente de meados dos anos 90 em diante. Desde então, gradativamente, os sindicatos têm sido acusados de não serem mais representativos dos interesses da classe ou, mais recentemente, de terem sido cooptados pelas estruturas do Governo, em um ato de “peleguismo”. Isso compromete o poder de barganha próprio dos sindicatos e torna-os suscetíveis às pressões externas, enfraquecendo seu poder de veto aquilo que, em tese, vai contra os interesses da classe que representa. Durante as negociações do Fundef, essa característica foi fundamental para sua rápida aprovação, pois os sindicatos não se constituíram como oposição significativa, seja por sua adesão, seja por sua omissão velada, havendo poucas exceções, como foi o caso de São Paulo, onde houve articulações contrárias em decorrência do entendimento de que seria injusto redistribruir a verba de regiões mais ricas para as mais pobres, por caracterizar uma espécie de parasitismo destas em relação àquelas.

Contudo, ainda que tenha havido focos (esparsos, é verdade) de oposição sindical no Brasil, esta manifestação de poder está muito distante daquela encontrada em outros países latinos, como, por exemplo, no México, onde o sindicalismo possui forças para fazer frente às propostas do Governo Central. Esse enfraquecimento sindical no Brasil não sobreveio gratuitamente e desconexo de interesses. De forma geral a classe patronal possui particular interesse nesse aspecto. Além de ser algo desejável pela “flexibilização” das relações entre patrão e empregado, seu aspecto mais imediato e perceptível, possui o “benefício” de incentivar a instalação de multinacionais em território nacional, haja vista que o capital estrangeiro mantém maior interesse em mercados cujo controle das relações de emprego sejam mais frouxas.

Podemos perceber um paradoxo interessante quando da criação do Fundef: se, de um lado, a força sindical moderada é que preserva a qualidade das relações laborais para seus associados, tornando-as mais justas e exercendo pressões contrárias à exploração de mercado e ao atendimento de interesses particulares, por outro é justamente a crença de que seu enfraquecimento irá criar possibilidades de modernização, aquecimento econômico e expansão do estoque de vagas no mercado, pela redução de custos trabalhistas e pelo aporte de capital estrangeiro não-especulativo, que acabou contribuindo para a rápida aprovação de uma política de equidade (ainda que parcial, pela visão fragmentada da Educação) como foi o Fundef, pois a partir dessa crença foram engendradas estratégias insidiosas a priori que dilapidaram o poder sindical e este não pode fazer frente a pontos cruciais de uma proposta que não conseguia perceber a Educação de forma sistêmica, como caberia a uma política educacional mais equalizadora. A despeito disso, o tempo demonstrou a necessidade de se ampliar o escopo de tal política e o Fundeb foi instituído, abarcando toda a Educação Básica e mais somente o Fundamental.

Inobstantemente, em um momento em que se coloca em xeque a suficiência das fontes orçamentárias e estratégias necessárias para uma maior qualificação da Educação no Brasil, o Governo Federal se posiciona na contramão da evolução das discussões, que se processaram ao longo dos últimos 30 anos, retrocedendo quase meio século nas concepções que alavancaram a Educação no Brasil. O fundamento das oposições vigentes no nível Federal da Administração Pública e suportadas por uma maioria considerável de leigos no assunto, tanto no nível da gestão, quanto no da população, é o de oposição aos pressupostos freireanos, marxistas/comunistas que, segundo eles, "dominaram as escolas e impuseram um modelo de educação doutrinário-ideológico avesso ao seu real papel, que consistiria simplesmente em 'ensinar a ler, escrever e fazer conta'", sendo as disciplinas de humanidades, como Sociologia e Filosofia, desnecessárias e um entrave para tal intento.

Oras, primeiro é necessário se perguntar o que significa "ler" para esses ilustres senhores-leitores-de-Olavo-de-Carvalho, segundo, seria importante ensinar-lhes o que significa marxismo, comunismo e freirianismo (para além da reduzida e deturpada visão olavista), pois é evidente seu entendimento distorcido de tais conceitos, inclusive, é patente seu desconhecimento (ou negligência) da realidade das escolas brasileiras e de sua história, bem como de qualquer fundamento político, pedagógico e psicológico da aprendizagem. No entanto, são eles, com o apoio de 40% da sociedade mais ignorante no assunto e, por isso, seus eleitores, que estão ditando as normas de conduta social e política e, sobretudo, definindo o perfil educacional e profissional e a concepção de cidadania de nossos filhos, netos e bisnetos (quiçá sejam barrados por uma população mais sábia, no futuro, e parem por aí). Se os sindicatos perderam força e a população está completamente descrente acerca de sua própria força de mobilização, seja por sua fragmentação ideológica, seja pelo receio das represálias características dos regimes totalitários, fica a pergunta: como faremos frente a tamanha ignorância e aos estragos que seus portadores estão implementando no cenário nacional?! Os avanços de 30 anos serão jogados por terra em 4, e sua recuperação terá um custo social, político e econômico inimaginável!!!



quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

O Regime Militar e suas políticas: problemas negados pela retórica ufanista


Walner Mamede

O avanço da infraestrutura no período militar é inegável, mas os custos desse avanço foram monstruosos, se manifestaram apenas tardiamente, impactam o Brasil até os dias de hoje e exemplificam um modelo irresponsável e inconsequente de Administração Pública, produzindo aumento exponencial da dívida externa (em 20 anos, saiu de R$3,6 bi  para R$93 bi), preocupantes impactos ambientais, prejuízos sociais incalculáveis e absurda estagnação econômica. Em 1964, o Brasil era o 45o PIB do mundo, subindo para 10a posição durante o Governo Militar, contudo, mais uma vez, o custo foi imensurável. O próprio Presidente Garrastazu Médici reconheceu isso ao afirmar “O Brasil vai bem, mas o povo vai mal”, referindo-se ao aumento alarmante da desigualdade social e da pobreza, trazidos pelo intenso arrocho salarial (ao final do Regime, o salário reduziu para a metade), a invasão de capital estrangeiro, a remessa de divisas para o exterior e o acúmulo de riquezas em faixas específicas da sociedade, que reduziu a inflação na primeira metade do Regime, chegando a alarmantes 223% ao seu final e, iatrogenicamente, diminuiu o poder de compra da grande maioria da população (mais de 50% de perda ao longo de 20 anos), com uma consequente estagnação do mercado, que não se sustentava pelo alto consumo empreendido por uma pequena faixa social privilegiada.

Segundo Jairo Falcão[1], “O “milagre brasileiro” apoiou-se num tipo de crescimento econômico, priorizando a desigualdade econômica e social. O próprio Delfim Neto prognosticou ‘crescer o bolo para depois dividir’, e, por isso, o plano de desenvolvimento do grupo civil-militar no poder baseou-se no aumento das taxas de lucros, na redução de salários, na contenção do crédito, na redução da dívida pública e no encolhimento das importações para conter o déficit externo”. Nesse sentido, a Ponte Rio-Niterói, a usina de Anga, as hidrelétricas de Itaipu, Tucuruí, Balbina, Ilha Solteira e Jupiá, os metrôs e quilômetros de estrada construídos, o incremento da indústria siderúrgica, com o Projeto Grande Carajás, as empresas e órgãos estatais criados e as políticas energéticas mirabolantes, como o PróÁlcool e o enriquecimento de urânio, não conseguem justificar a conta social, econômica e ambiental gerada e deixada de herança para os Governos seguintes. Fazer obras e criar políticas é fácil quando a conta é paga por terceiros!

Em adição a isso, precisamos considerar os tropeços gerados pela megalomania inconsequente dos militares. As usinas de Angra (cuja terceira etapa nunca chegou a ser finalizada pelos militares, tendo sido um buraco sem fundo que consumiu muito dinheiro e retomada, apenas, em 2008) e a hidrelétrica de Balbina, entre outros, são monumentos à estupidez, que consumiram milhões e milhões de dólares, comprometeram extensas áreas florestais, como a inundação provocada pela hidrelétrica de Balbina, e não atendem minimamente as expectativas (Angra produz meros 1,57% da energia consumida no Brasil e Balbina produz irrisórios 250 megawatts). A hidrelétrica de Tucuruí foi foco de intensas críticas por ter desalojado várias comunidades e destruído a fauna e flora locais com a extensa inundação provocada. Associado a isso, existem os inúmeros escândalos de corrupção e prevaricação nos quais se envolveram Angra, Itaipu, Tucuruí e Balbina, além dos gastos com royalties compensatórios por perdas ambientais e uso dos recursos hídricos, que giram em torno de 15% de suas receitas. Para Guilherme de Azevedo Dantas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, “Tucuruí e Balbina são empreendimentos onde os interesses energéticos ‘atropelaram’ questões ambientais”. Para se ter uma ideia, segundo Robson Rodrigues[2], em estudo publicado pela Editora Abril, em 2017, “Itaipu custou US$ 16 bilhões, e sua dívida só será paga em 2023; Tucuruí alavancou US$ 3,7 bilhões; as usinas de Angra 1 e 2 custaram, segundo a Eletronuclear, R$ 1,468 bilhão e R$ 5,108 bilhões; a Ponte Rio-Niterói, US$ 400 milhões, sendo US$ 88 milhões de empréstimo externo com a condição de que o aço do vão central fosse comprado de empresas inglesas”. A conta de todo esse impropério administrativo desaguou nos anos 80, agravado pela crise do petróleo de 79, o que alimentou o desejo dos militares em sair do Governo e deixar a conta para seus sucessores, e se arrasta até hoje.

Podemos, ainda, lembrar da Transamazônica, cuja construção consumiu milhões de dólares, custou a vida de 8 mil índios e de um número desconhecido de trabalhadores e colonos, provocou intensas disputas agrárias, agrediu três ecossistemas (caatinga, cerrado e floresta), ofereceu condições precárias de trabalho, nunca atendeu ao que se propunha e nem teve seu último trecho construído, tudo isso por ausência de planejamento, de estudo de viabilidade econômica, de responsabilidade social e de declarações e propagandas ufanistas, exageradas e inconsequentes dos militares, que produziram situações complicadas e preocupantes, como migração descoordenada, disputa de terras, garimpos ilegais, problemas de saúde pública e insegurança social nas áreas de ocupação, o que, inclusive, levou à desmotivação de colonos para se fixarem na região. Para Delfin Neto, “A Transamazônica foi um erro produzido pela ignorância de imaginar que a Amazônia fosse um território rico”. A Transpantaneira e a Perimetral Norte não tiveram histórico diferente da Transamazônica e respondiam, conjuntamente a outros projetos de expansão da malha rodoviária e desmonte dos modais ferroviário, fluvial e marítimo, a um pressuposto básico trazido pela Escola Superior de Guerra, conforme Jairo Falcão[3]: “desenvolvimento de acumulação capitalista, baseado na indústria de bens duráveis, entre elas, a automobilística”, com o consequente aumento de incentivos e facilitações de crédito para a aquisição de caminhões e criação de transportadoras rodoviárias. Ainda segundo Falcão, as estradas de ferro, no ano de 1972, foram reduzidas em 7.419 km, do total de 10.795 km e a preocupação dos militares foi muito mais com a expansão do que com a recuperação e conservação da malha rodoviária já existente. O investimento nesse projeto foi de mais de 4% do PIB, enquanto que nos setores ferroviário e marítimo juntos orbitou em torno de meros 1%. Tal política produziu graves problemas com o disparo do preço do petróleo a partir de 74 e a exacerbação da crise a partir de 79, forçando o Governo a reduzir, drasticamente, o investimento na expansão rodoviária, sem investimento compensatório equivalente em outras modalidades de transporte, produzindo seu estrangulamento e encarecimento, e favorecendo empresas estrangeiras no setor marítimo, por meio de normas da SUNAMAM que privilegiavam o perfil dessas empresas, em detrimento de características próprias de empresas brasileiras, segundo a revista Portos e Navios, em janeiro de 79.

Se enveredarmos pelo campo da Educação (e nem falaremos do INAMPS e da Saúde aqui, cujo caos criava esperas intermináveis que obrigavam aos doentes dormirem nas longas filas, aguardando atendimento, e fomentavam a venda de lugares, sendo um sistema público restritivo, destinado apenas aos que possuíssem relações formais de emprego) a situação é mais preocupante. A afirmação mais comum, atualmente, é que a escola do passado ensinava melhor e que os professores eram respeitados pelos alunos. Se considerarmos que até meados dos anos 50 a escola era ambiente destinado a pessoas de classe média e alta, que as crianças possuíam já no lar as primeiras referências de um mundo letrado e instruído, pois seus pais possuíam esse nível de educação, que suas famílias eram bem estruturadas e possuíam mães presentes em tempo integral na vida da criança e que isso faz toda a diferença no desempenho escolar, pois a criança já chega na escola com um rico repertório educacional, é compreensível o equívoco da afirmação, que confunde causa com efeito. Na alfabetização, por exemplo, a criança precisa compreender que os traços que fazemos no papel representam sons, antes de começarem a decodificar a relação grafema-fonema, própria do método fônico e, se isso se dá a partir de contextos e objetos já conhecidos e de interesse da criança, a alfabetização é muito mais eficiente. Conforme Magda Becker Soares, professora da Universidade Federal de Minas Gerais, em entrevista à Nova Escola[4], nas famílias escolarizadas, essas etapas acabam ocorrendo espontaneamente antes mesmo de a criança entrar na escola e é isso que promove o equívoco comum de comparações esdrúxulas entre escolas elitizadas e aquelas que atendem alunos das camadas populares. As realidades prévias, os pontos de partida são muito desiguais e não permitem esse tipo simplista de comparação, seja entre presente e passado, seja dentro do presente.

Nos anos 60 e 70 a realidade das escolas públicas começou a mudar, mas foi com a Constituição de 88 que a universalização da Educação permitiu a entrada massiva de alunos das classes populares na escola e isso criou um desafio tanto social, quanto pedagógico e financeiro, pois o aumento explosivo do quantitativo não foi acompanhado pela qualificação de professores, pela teoria didática e pela infraestrutura, mas, em compensação, permitiu o acesso e permanência a milhares de pessoas que estavam fora da escola, dando-lhes chances, antes, inimagináveis e, com isso, todos os muitos problemas de desigualdade social tramitaram para dentro da escola pública, levando os filhos de famílias mais abastadas a migrarem para as escolas privadas. Então, referendar a realidade escolar do período militar como benchmark, momento em que a abertura da escola estava apenas se iniciando muito timidamente, é desconsiderar todo o contexto social e educacional da época equiparando-o ao atual. Equívoco semelhante se dá ao compararmos escolas públicas militarizadas atuais às civis. A aparente melhor eficiência das escolas militarizadas apenas ocorre porque elas realizam processos seletivos severos que privilegiam as camadas mais elitizadas e excluem as mais populares, “jogando a sujeira para baixo do tapete”, sem resolver o problema da baixa escolarização brasileira, que se arrasta desde de sempre, inclusive, no período militar, conforme o pesquisador Sérgio Costa Ribeiro. Na esteira de todos esses problemas encontramos o Mobral, que propagandeou muito mais que executou (a taxa de analfabetismo entre jovens em idade escolar bateu os 20%! E se incluirmos os adolescentes acima de 15 anos e os adulto, isso aumenta, escandalosamente), adotou uma referência pedagógica tecnicista ultra-tradicional de alfabetização e nem chegou perto de atender minimamente a demanda social com a qualidade necessária.
Precisamos reconhecer os esforços dos militares (assim como de todos os Governos que já vigeram no Brasil) no sentido de implementar mudanças que possibilitassem o desenvolvimento econômico do país. No entanto, como deixa claro o texto, estabelecer uma relação de idolatria com um passado mítico, desconsiderando todo o contexto da época e atual, em comparações espúrias, sem dar visibilidade aos inúmeros e graves problemas políticos, sociais, econômicos e ambientais que acompanharam esses esforços, em razão de um direcionamento ideológico comprometido mais com o empresariado do que com a população em geral é, no mínimo, ingênuo. Assim, afirmações saudosas em relação ao Regime Militar, como se este tivesse sido o paraíso em Terra e seu retorno representasse o novo Canaã, assim como sua irrestrita condenação, sem considerar os avanços conquistados, é ilustrativo de um completo desconhecimento histórico e da carência de uma abordagem crítica do tema.

Algumas referências (não-acadêmicas) para consulta das informações dadas:




[1]http://www.eeh2010.anpuh-rs.org.br/resources/anais/9/1279508786_ARQUIVO_ArtigoparaAnaisANPUH.pdf
[2] https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/obras-de-infraestrutura-do-brasil-na-ditadura/
[3]http://www.eeh2010.anpuh-rs.org.br/resources/anais/9/1279508786_ARQUIVO_ArtigoparaAnaisANPUH.pdf

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Cirurgia genital: mutilação ou direito cultural?




Por Walner Mamede 

O presente ensaio não realiza uma apologia acerca de posições contrárias ou favoráveis ao tema proposto. Tampouco é uma crítica à defesa do direito da mulher ou do homem a uma autonomia sobre seu próprio corpo. Antes, é um convite à reflexão sobre como tendemos a ser etnocêntricos e como convocamos a Ciência a nosso favor, em uma narrativa universalizante, quando assim é conveniente, ainda nos dias de hoje, sem nos darmos conta dos aspectos subjetivos e políticos que figuram como pano de fundo na determinação de teorias científicas, nem sempre isentas de interesses ou de interferências de fatores extracientíficos.

Cirurgias genitais, tanto masculinas quanto femininas, praticadas em regiões africanas como produto cultural e religioso têm sido alvo de grandes discussões, na atualidade, e adentraram o campo de debate sobre direitos humanos, sexismo, feminismo e violência contra a mulher e seu direito de decidir sobre seu próprio corpo e sexualidade. Contudo, conforme Shahvisi e Earp (2018), a Rede Consultiva de Políticas Públicas não-partidária sobre Cirurgias Genitais Femininas na África afirma que “a grande maioria das sociedades mundiais pode ser descrita como patriarcal e a maioria não modifica os órgãos genitais de qualquer sexo ou modifica apenas os genitais dos homens. Não há quase nenhuma sociedade patriarcal com cirurgias genitais habituais para mulheres apenas" (p.14). Ainda conforme os autores, a forma como as intervenções cirúrgicas genitais femininas vêm sendo apresentadas no Ocidente se mostram um tanto estereotipadas e descontextualizadas de sua raiz cultural. Assim, as mulheres originárias dessas culturas têm sido tratadas quase sempre como destituídas de capacidade de discernimento e vítimas ingênuas de um sistema patriarcal que controla sua sexualidade, não dando voz a um grande e dominante número de mulheres que veem nessa prática um costume a ser respeitado como construtor da identidade feminina e da ordem social em seus países.

Na esteira da descontextualização cultural das análises, desconsideram-se outros elementos como o fato de que, em alguns grupos sociais, a circuncisão masculina é reconhecida e realizada, explicitamente, como rito de passagem para ascensão ao status adulto e inclusão social entre os jovens e controle do comportamento sexual masculino, com um discurso higienista moral  que propugna a diminuição do desejo e do instinto sexual e que visa levar desde a inibição da masturbação à redução do número de coitos, passando pela busca de não propagação do HIV e outras doenças. Isso pode ser verificado em países tão distintos quanto Camarões e EUA, em grupos específicos, ou mesmo em campanhas internacionais, no Ocidente, favoráveis a essa prática. Além disso, existe uma aviso subliminar nos ritos de passagem masculinos que incluem a mutilação peniana (circuncisão, a sub-incisão, raspagem uretral, sangria, pique, piercings...): os mais velhos passam a mensagem aos noviços de que possuem o poder de castração em caso de uso inadequado do pênis, exercendo um controle sobre o comportamento sexual masculino, segundo padrões culturais ou religiosos. No entanto, as oposições morais dominantes no Ocidente se apresentam, apenas, contra o mutilação feminina, com o argumento de ser ela um ato sexista de dominação masculina sobre a sexualidade feminina, enquanto a circuncisão é vista como aceitável e sem consequências morais, físicas ou psicológicas. Ainda que motivos sexuais figurem como justificativa para mutilações genitais tanto femininas quanto masculinas em algumas comunidades, em outras não são eles os causadores do costume (Shahvisi e Earp, 2018). Tais evidências colocam em xeque a concepção de repressão sexual feminina por uma sociedade, eminentemente, machista ao apresentar indícios de que o costume da mutilação genital nem sempre é sexualmente condicionado e, quando o é, não é orientado pelo gênero da “vítima” e sim está disseminado nessas comunidades como uma tentativa de coação comportamental difusa em relação à sexualidade, em resposta a crenças e valores culturais ou religiosos, que atingem tanto homens, quanto mulheres.

De acordo com Shahvisi e Earp (2018), há indícios de que a aversão ocidental à mutilação feminina e a permissividade à mutilação masculina (assim como às cirurgias estéticas genitais femininas, que perseguem objetivos ideológicos muito próximos das ditas mutilações, mas gozam de prestígio entre mulheres ocidentais brancas) estejam em linha de diálogo direto com uma islãfobia e à identificação do Islã como uma sociedade patriarcal e misógina, cujas práticas, por força da religião, são sempre sexistas, ainda que possuam muito mais homens mutilados que mulheres entre eles. A disseminação dessa imagem do povo mulçumano permitiu a camuflagem do preconceito em relação a ele na forma da preocupação com o bem-estar da mulher, fortalecendo discursos, bandeiras e agendas da luta contra o sexismo pelo mundo e atendendo interesses políticos e econômicos de desqualificação desse povo perante a comunidade mundial. Ainda que exista legitimidade na luta contra o preconceito e a violência dirigidos à mulher, a retórica que utiliza o costume mulçumano como ilustração da existência de tal preconceito recorre ao sofisma para tal, em uma análise reducionista da cultura desse povo, o que produz um preconceito (contra o mulçumano) em busca de redução de outro (contra a mulher), em uma estratégia instrumentalista, onde os fins justificam os meios, sem qualquer preocupação com seus efeitos colaterais. A estrutura do raciocínio é simples: (1) A conseguiu se legitimar como bom (mito). (2) B é mau porque não atende as expectativas de A (autocentrismo). (3) Se B é mau, tudo o que faz é ruim (falácia da origem).  (4) Se x é produto de B, boa coisa não é. (5) A disse que a conduta y é má e deve ser coibida (apelo à autoridade). (6) Quem produz y é ruim, pois uma árvore se conhece por seus frutos (falácia da generalização). (7) As condutas x e y parecem idênticas. (8) A disse que x e y são a mesma coisa (reducionismo). (9) Então B produz também y, logo, B é muito mau e deve ser combatido. (10) Se B produz y, y é mesmo muito ruim e deve ser combatido (falácia da circularidade). Com esse raciocínio, produz-se uma associação espúria entre dois elementos distintos e um justifica o juízo de valor acerca do outro. Como o raciocínio é complexo e distanciado no tempo, as associações falaciosas não são percebidas. Aqui opera (a) uma percepção sensorial de dados do real; (b) uma elaboração de conceitos e concepções derivadas dos dados; (c) a produção de ideias e teorias derivadas dos conceitos e concepções. Essa é uma operação de fundo kantiano e é legítima, não fosse o fato de, no caso da equiparação entre sexismo e costume mulçumano, não ter se considerado as intenções por trás dos atos.




Em outras palavras, numa abordagem kantiana, a intenção é o que define a moralidade do ato e este deve se dar, independentemente, das consequências se a lei a priori que o motiva atende a um imperativo categórico, algo que seja socialmente aceito e comprometido com a harmonia social. Assim, antes de arbitrar pela classificação da amputação clitoriana como um ato sexista, há que se colocar as seguintes questões: o que, de fato, na cultura considerada, motiva o ato?; a motivação em um contexto possui as mesmas premissas morais, éticas, filosóficas, ideológicas, técnicas que em outro?. Colocar tais questões impede o passo (8), do reducionismo, e já minaria a possibilidade de associação espúria e circularidade, passo (10). No entanto, as conclusões (ideias) advindas desse (e de qualquer) raciocínio são produtos de reflexões lógico-racionais (passo (c)) e, como tais, carentes de lastro óbvio e direto com a realidade empírica, pois, apesar de parecer, não derivam da experiência e sim da intelecção sobre a experiência e, assim, passíveis de ambiguidades, obscuridades, vieses originados da subjetividade e da biografia de quem observa (passo(a)), julga (passo(b)) e conclui (passo (c)) e, portanto, permissivas à existência de antinomias, cuja verdade dos enunciados será apenas, arbitrariamente, decidida pelos agentes imersos em um campo social, cultural, científico ou qualquer outro, ou pelos atores interessados nos resultados a se obter. A arbitragem, para Bourdieu (2004 a, b), seria herdeira da estrutura e do habitus existente no campo em questão, sendo, no campo científico, a realidade empírica convocada a priori como árbitro da decisão, em um processo de verificação e refutação de hipóteses. Para Latour (2000; 2012), seria tributária das negociações de interesses intersubjetivas realizadas pelos atores em uma rede sociotécnica, havendo convocação da realidade empírica como legitimadora da decisão, apenas a posteriori de uma refutação política da hipótese perdedora. Em ambos os casos não existe isenção da interferência de interesses políticos e econômicos externos à Ciência na decisão chancelada.

Nesse contexto, acaba por existir um imperialismo cultural velado ocidental sobre as comunidades não-ocidentais que propugnam o direito à amputação clitoriana (ou outro procedimento “mutilatório” genital). Com isso, cria-se uma narrativa legitimadora de intervenções locais externas sob o discurso de preocupação com o bem-estar da população autóctone, assim como ocorreu na colonização do Brasil (Gomes e Novais, 2013), quando os colonizadores, na figura dos jesuítas, utilizaram a conduta sexual “depravada” (inclusa, e principalmente, a prática do homossexualismo) dos indígenas como elemento legitimador de sua catequização, a fim de que suas almas fossem salvas e, a partir disso, toda sorte de atrocidades contra os indígenas passaram a ser compreendidas como em seu próprio benefício, pois eram ignorantes e não possuíam discernimento sobre o que lhes era ou não benéfico. Guardadas as devidas ressalvas entre um e outro caso, a estrutura do pensamento é a mesma e a história já mostrou, no caso brasileiro, o quanto as atitudes colonialistas foram violentas e inadequadas. Tendo em conta essas questões, porque considerar que as intervenções do Ocidentes sobre as culturas não-ocidentais que praticam intervenções cirúrgicas genitais como forma de construção de identidades masculinas ou femininas, seja em resposta a critérios culturais, seja em atendimento a exigências religiosas, estejam erradas ou sejam más? Apenas porque possuímos, hoje, a chancela da Ciência e dos pretensos consensos das convenções que editaram os direitos Humanos Universais? Tais entidades ou instituições sociais modernas diferem em que medida, em termos de critérios lógico-racionais, das instituições que deram causa às chacinas e opressões aos nossos indígenas durante a colonização? Ao considerarmos a Ciência, como arauto do conhecimento verdadeiro, como explicar que uma teoria passada foi, cientificamente, elaborada e, hoje, é considerada obsoleta ou absurda? Podemos dizer que ela foi menos científica do que a teoria que a substituiu e, por esse motivo, as ações embasadas na teoria atual possuem mais chances de sucesso? Não existiria a possibilidade de uma teoria futura nos mostrar o quão equivocados estávamos e nos fazer arrepender das decisões tomadas, quando poderiam ter sido diferentes se incluíssemos, em seu cálculo, a percepção e opinião dos sujeitos para os quais nossas ações estão sendo dirigidas? Essas são questões que precisam ser discutidas antes do estabelecimento de normas universais que visem a homogenização de condutas e valores entre culturas que não compartilham das mesmas crenças e necessidades, ainda que a Ciência surja como a grande legitimadora das decisões, pois, como bem trás Annemarrie Mol, em sua Política Ontológica, a realidade é, mais que plural, múltipla e demanda a participação de seus múltiplos atores, munidos das muitas performances pertencentes ao objeto em análise para que ele seja, minimamente, compreendido em sua complexidade, aceitando-se sua multiplicidade ontológica, subjetiva, temporal e espacialmente, determinada (Mol, 1999).

Bibliografia

Bourdieu, Pierre. 2004a. Os usos sociais da Ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Unesp.

Bourdieu, Pierre. 2004b. Para uma sociologia da Ciência. Lisboa: Edições 70.

Gomes, Aguinaldo Rodrigues; Novais, Sandra Nara da Silva. 2013. Práticas Sexuais e Homossexualidade entre os Indígenas Brasileiros. Caderno Espaço Feminino - Uberlândia-MG - v. 26, n. 2. Disponível em http://www.seer.ufu.br/index.php/neguem/article/viewFile/24666/13726.

Latour, B. 2000. Ciência em ação. São Paulo, São Paulo: Unesp.

Latour,  B.  2012.  Reagregando  o  Social:  Uma  introdução  à  Teoria  do  Ator-Rede. Salvador/Ba-Bauru/SP: EDUFBA/EDUSC.

Mol, Annemarie. 1999. Ontological Politics: a word and some questions. In J. Law & J. Hassard (Org.). Actor Network Theory and After. Oxford: Blackwell Publishers (The Sociological Review, p. 74-89). Disponível em http://dx.doi.org/10.1111/j.1467-954X.1999.tb03483.x.

Shahvisi, A., & Earp, B. D. (in press). 2018. The law and ethics of female genital cutting. In S. Creighton & L.-M. Liao (Eds.) Female Genital Cosmetic Surgery: Interdisciplinary Analysis & Solution. Cambridge: Cambridge University Press. Disponível em https://midwivesofcolor.wordpress.com/2018/01/14/the-law-and-ethics-of-female-genital-cutting/.