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domingo, 26 de abril de 2009

Na sala de aula com Aristóteles e Kant?

Walner Mamede Júnior
Introdução
Podemos circunscrever a um microcosmo, a sala de aula, a definição de “agentes morais conscientes”, utilizando-nos de saberes éticos e políticos para compreender a conduta de alunos e professores? Ainda que a definição convencional de moral e ética esteja relacionada com uma realidade social ampla, podemos realizar um pequeno esforço teórico na consecução desse objetivo.
A conduta humana faz parte do escopo da ética, sendo esta um subconjunto da política. Definiremos ética (ethos/êthos) como sendo o hábito (ou exercício prático) de ser e agir (ou não-agir, já que a ausência de ação pode, no extremo, ser considerada como uma espécie de ação) em determinado contexto (ou morada) individual e política como o hábito (ou exercício prático) de ser e agir (ou não-agir) em um contexto (ou morada) social (ou comunitário). Os princípios que regem as ações denominaremos verdades éticas ou políticas e as disciplinas que buscam compreender tais hábitos em sua relação com suas verdades, como Ciência Ética e Ciência Política, respectivamente, mesmo reconhecendo que os próprios termos sem a anteposição da expressão Ciência poderia servir ao mesmo propósito. Contudo, essa decisão arbitrária visa a prevenção de confusões conceituais e se prestará bem ao uso que lhe daremos se adotarmos um conceito de ciência desprovido da exigência de quantificação, controle, previsão e comprovação, bem ao sabor das Ciências Sócio-Humanas não-positivistas.
Sendo a ética indissociável da política e a escola – seja básica ou superior – um locus político por excelência, a discussão acerca de seu verdadeiro papel social, sua real função (do Gr., ergon) enquanto ente social deve, necessariamente, passar pelo âmbito da Ciência Ética e Política. Da constatação desta função depende a definição da conduta e do fazer de professores e alunos. A fundamentação de tal assertiva está no fato de que uma conduta racional qualquer se dá com base naquilo que o indivíduo acredita ser correto ou, dito de outra forma, com base em uma verdade estabelecida como origem ou destino de sua ação, seja por querer, seja por dever. Ao conjunto de verdades socialmente estabelecidas (divididas entre “boas” e “ruins”), as quais constituem um rol de normas a se seguir, chamamos princípios morais (do Latim, mores). Como bem expressou James Rachels em “Os elementos da filosofia da moral”:
...a moralidade é, minimamente, o esforço em guiar a conduta do indivíduo por meio da razão...enquanto ao mesmo tempo dá um peso igual aos interesses de cada indivíduo que será afetado pelo que alguém faça...Isto...significa ser um agente moral consciente...que...está aberto a agir com base nos resultados dessa deliberação... (Rachels, 2006; p. 15)
De forma geral, as discordâncias sobre esse conceito movimentam-se em torno das formas de como expandi-lo ou adequá-lo a determinadas situações, não necessariamente quanto ao seu conteúdo primário. Cabem aqui algumas digressões com o fito de esclarecimento conceitual...
>Para ler texto completo clique no link abaixo:

segunda-feira, 16 de março de 2009

Colocando em Perspectiva





















*Há sempre um fato e, pelo menos, duas formas diferentes de percebê-lo. Quem poderá dizer qual delas é a real? Se, ao visualizarmos um mesmo desenho, mudando a perspectiva de observação, você diz que é um sapo e eu juro que é um cavalo, o que está ocorrendo? Para Aldous Huxley, "na história nada muda e mesmo assim, tudo é completamente diferente". O que muda, então? A Forma de interpretarmos o que vemos? Nossa própria capacidade de compreendermos a realidade?



Abrs.

Walner Mamede Júnior

terça-feira, 3 de março de 2009

O Tamanho do Crime: uma postura anti-revolucionária?


*O texto "O Tamanho do Crime", postado por Olavo de Carvalho em seu site <http://www.olavodecarvalho.org/semana/090219dc.html>, propõe uma interpretação das mortes ocorridas historicamente ao longo dos inúmeros movimentos civilizatórios, particularmente, aqueles ocorridos no séc. XX, como resultado de posturas revolucionárias, aparentemente, desnecessárias. Abaixo poderá ser avaliado o referido texto acompanhado de comentários que buscam evidenciar as lacunas e a fragilidade da argumentação empreendida. Degustem-no e deem sua propria contribuição ao debate.





O tamanho do crime

Autor: Olavo de Carvalho
Comentários: Walner Mamede Júnior
“O estudo mais completo já empreendido sobre assassinatos em massa no mundo é o do professor de Ciência Política da Universidade do Havaí, Rudolph J. Rummel, que lhe rendeu o Lifetime Achievement Award da American Political Science Association em 1999. O essencial da pesquisa é resumido em Never Again: Ending War, Democide & Famine Through Democratic Freedom (Coral Springs, FL, Lumina Press, 2005), e os dados completos estão no site http://www.hawaii.edu/powerkills. Rummel substituiu ao conceito de “genocídio”, que lhe parece muito vago, o de “democídio”, com o qual designa especificamente a matança de populações civis por iniciativa de governos. Resenhando os episódios de democídio documentados desde o século III a.C. até o fim do século XIX, ele chega a um total aproximado de 133.147.000 vítimas, destacando-se aí, como supremos assassinos em massa, os imperadores chineses (33.519.000 mortos em 23 séculos) e os invasores mongóis na Europa (29.927.000 mortos entre os séculos XIV e XV).
Quando a pesquisa chega ao século XX e entram em cena os governos revolucionários, as taxas de assassinato em massa sofrem um upgrade formidável, subindo para 262 milhões de mortos entre 1900 e 1999 – quase o dobro do que fôra registrado em toda a história universal até então. Desses 262 milhões, nem tudo, é claro, foi obra de governos revolucionários, mas a diferença entre eles e seus concorrentes é significativa. Todos os colonialismos somados (Inglaterra, Portugal, etc.) mataram 50 milhões de pessoas, das quais pelo menos 10 milhões foram assassinadas por um só governo proverbialmente cruel, o do Rei Leopoldo da Bélgica. O império japonês, por seu lado, matou aproximadamente 5 milhões, quase todos na China."* 

*Comentário: Percentualmente, qual o significado disso quando comparado às mortes em países e épocas menos populosos? 

“Vejam agora o desempenho dos governos revolucionários: China, 76.702.000 mortos entre 1949 e 1987; URSS, 61.911.000 mortos entre 1917 e 1987; Alemanha nazista, 20.946.000 mortos entre 1933 e 1945; China nacionalista (Kuomintang) 10.075.000 mortos entre 1928 e 1949 (o Kuomintang, embora inimigo dos comunistas, era também um governo revolucionário, responsável pela destruição da mais antiga monarquia do mundo). Às sete dezenas de milhões de vítimas do governo comunista chinês devem se acrescentar 3.468.000 civis assassinados pelo Partido Comunista de Mao Dzedong nas áreas sob o seu controle antes da tomada do poder sobre toda a China, o que eleva o desempenho do comunismo chinês a nada menos de 80 milhões de mortos* – equivalente à metade da população brasileira.” 

*Comentário: Essas mortes provocadas por Mao Dzedong ocorreram antes de sua ascensão ao poder, portanto não podem ser consideradas “mortes por governo revolucionário”. Além disso, o regime contra o qual ele (e essa pergunta se estende a todas as outras revoluções) lutava era responsável por quantas mortes, por quanto sofrimento e, historicamente, que benefícios sua revolução proporcionou? O que deve ser levado em conta não são as mortes simplesmente, mas os benefícios que elas trouxeram. Encarar de forma diferente nada mais é que um religiosismo/moralismo ingênuo. 

“Governos revolucionários em áreas menores também não se saíram tão mal, comparativamente à modéstia de seus territórios: Camboja, 2.035.000 mortos entre 1975 e 1979; Turquia, 1.883.000 mortos entre 1909 e 1918; Vietnam*, 1.670.000 mortos entre 1945 e 1987 (quase o dobro do total de vítimas da guerra, que renderam aos EUA tantas críticas da mídia internacional); Polônia, 1.585.000 mortos entre 1945 e 1948; Paquistão, 1.503.000 mortos entre 1958 e 1987; Iugoslávia sob o Marechal Tito (tão louvada como alternativa de “socialismo democrático” à brutalidade soviética), 1.072.000 mortos entre 1944 e 1987; Coréia do Norte, 1.663.000 mortos entre 1948 e 1987; México, 1.417.000 mortos entre 1900 e 1920 (especialmente cristãos**).”
*Comentário: Observe que o maior contingente de mortes nesse caso foi causado pela interferência dos EUA (um país que, aos olhos do autor, não é considerado revolucionário e parece ser inocente, inclusive, nas guerras do Golfo e do Iraque), em decorrência de seus interesses econômicos na área.
**Comentário: Cristãos cujos princípios são responsáveis por preconceitos, posturas ingênuas acerca da existência, por conflitos e por dificuldades de discernimento como o caso do Presidente Bush que por fundamentalismo religioso velado vê todo mulçumano como inimigo potencial, declarando guerra contra um fictício terrorismo universal e sendo responsável por milhares de mortes e pela decadência econômica dos EUA. Ainda, se enveredarmos pelo lado da religião, basta consultarmos os registros da ONU para verificarmos que os 25 países mais desenvolvidos do mundo são os menos religiosos com maior número de ateus e melhor IDH e os 50 menos desenvolvidos são os mais religiosos e onde mais se morre. Além disso, o cristianismo e outras religiões são os grandes responsáveis por grande parte dos conflitos da humanidade. Por que, então, dar tanta importância à morte dos cristãos?! A essa postura está subjacente um preconceito do autor em relação a outros modos de vida e de crença, o que por si já compromete a isenção e seriedade do “artigo” e isso, vindo de um autor que acusa Darwin de preconceito por conta de questões pontuais em suas postulações, é, no mínimo, hipocrisia (diga-se de passagem, Darwin apenas fez um provável prognóstico pelo método indutivo, algo comum em ciência).
“O total sobe a aproximadamente 205 milhões de mortos. Tudo ao longo de um só século. As duas guerras mundiais somadas mataram 60 milhões* de pessoas, entre combatentes e civis. A Peste Negra, de 541 até 1912, matou 102 milhões. Nada, absolutamente nada no mundo se compara ao instinto mortífero dos governos revolucionários. A promessa de um “outro mundo possível” transformou-se no mais letal pesadelo que a humanidade já viveu ao longo de toda a sua história. Aristóteles já dizia que a essência da tragédia política é quando o perfeito se torna o inimigo do bom**, mas ele se referia somente a casos individuais. Ele não poderia prever que um dia sua definição teria uma confirmação sangrenta em escala mundial, arrastando povos inteiros para os pelotões de fuzilamento, as câmaras de gás e a vala comum”***

*Comentário: Nesse caso não podemos atribuir os números aos governos revolucionários, mas aos governos, no geral, que desejavam dominar territórios e envolveu uma grande variedade de países com modelos político-econômicos diferentes.
**Comentário: atentemos para o significado de ‘perfeito’ e ‘bom’. Estes são conceitos morais e adstritos a um contexto histórico, cultural e geográfico, portanto, não aplicável de forma absoluta a todas as situações, precisando ser relativizado e é, justamente, essa relativização que causa conflitos entre povos distintos. Em termos aristotélicos, ‘perfeito’ estaria relacionado à completude do ser, à ausência do excesso e da própria ausência, à não-necessidade de movimento, já que esse está relacionado à mudança gerada pela busca (de algo que falta, de abandono do excesso, do equilíbrio, em si) e quem é perfeito não possui faltas, nem excessos, é a medida ideal, portanto não pode mudar e não pode se movimentar, pois, assim, perderia sua condição de perfeito, o que ocorre a todo aquele que não é eterno, infinito, absoluto, portanto, a tudo que existe, daí a relatividade do conceito; e ‘bom’ só pode ser quem é perfeito, pois, caso contrário, possuirá em sua essência o ‘não-bom’ ou ‘ a ausência do bom/bem convivendo com o bom/bem’ o que gera movimento de um sobre o outro em distintos momentos, comprometendo a perfeição. Caberia, ainda, definirmos o que significa ser “bom” e como não há um conceito universal de bondade não podemos utilizá-lo como medida de referência para justificar a culpa pela ocorrência de tragédias políticas ou não. Fazer isso seria adotar uma visão unilateral e condenar as demais à marginalidade. Ainda que possamos abstrair um conceito ideal de bondade como medida de referência, este jamais será materializado na prática. Apenas conseguiríamos uma bondade real próxima da ideal, nunca idêntica e, justamente, nessa pequena diferença entre o real e o ideal poderão residir as discordâncias entre o que é e aquilo que deveria ser aos olhos de uns e de outros.
***Comentário: A ingenuidade do autor o leva a desconsiderar o aumento populacional explosivo ao realizar comparações numéricas tão mecanicistas entre as diversas épocas da história e regiões geográficas, além de leva-lo a transitar entre o quantitativo e o qualitativo, indistintamente. Os números por si nada dizem se destituídos de contexto, de sua qualidade. Ademais, qualquer medida pressupõe uma referência ideal para que possa ser julgada. Ao condenarmos o número de mortes ocorridas ao longo da história, precisamos estabelecer o que deveria ser considerado como medida ideal de mortes. Ao que parece a defesa realizada é a de que o número perfeito de mortes causadas por conflitos, fome e doenças deveria ser zero. Portanto, como tudo o que é perfeito, este número jamais poderia ser alcançado, senão por indivíduos, igualmente, perfeitos, o que nos leva à idéia de eternidade do ser, algo impensável em se tratando de nossa existência terrena. Poder-se-ia alegar que, então, deveremos buscar nos aproximar ao máximo de tal perfeição, mas qual seria a medida de aproximação aceitável? Para responder a isso devemos buscar subsídio no contexto histórico, nos resultados conseguidos com as mortes, na relação custo-benefício desses resultados, o que parece ter sido esquecido pelo autor. Outras questões caberiam: Qual seria o modelo ideal de governo a ser considerado (para o autor parece ser o neoliberal/capitalista)? O que devemos entender por “governos revolucionários”? (não podemos nos esquecer que foi às custas de revoluções, que aconteceram ao longo da história e às custas das muitas vidas perdidas, que o modelo de vida prezado no texto existe hoje - lembremos da Revolução Francesa, p. ex.). Morte e guerra não são objetivos em si, mas uma conseqüência do aumento populacional e do desejo de liberdade e de apropriação econômica e empoderamento político, na maioria dos casos recentes fruto da visão capitalista e, mais atualmente, neoliberal. Ou vamos negar as inúmeras mortes provocadas pelas recentes guerras desencadeadas pelos EUA em busca de poder e dinheiro?!

FINALIZANDO: o discurso do autor é altamente retórico e tendencioso. Não se pode chamar de artigo um discurso político tão viciado, ingênuo e superficial como este. Ele descontextualiza as informações em benefício da sua crença, desconsiderando aspectos sutis subjacentes, propositadamente. Pode até enganar os menos atentos...!