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quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O mito de Sophia


De Sophia, a mãe celestial de todas as coisas vivas, filha do Ser Inefável, nasceu aquele que se tornaria o formador e regente do sistema da criação material. Ela sentiu grande tristeza e angustia quando o gerou, pois estava sozinha em um abismo de trevas e sua luz tinha diminuído. Sophia viu que seu descendente era capaz de mudar de forma. Ela se arrependeu de ter gerado um ser em sua solidão e o chamou Yaldabaoth, a “Ignorância-cega”.

Yaldabaoth (Chronos – e não Cronos, o Titã - para os gregos) foi para o caos e, para aprisionar as partículas divinas emanadas de sua mãe, ao acasalar-se com o daemonium Nebruel (Anaké, para os gregos), elaborou um sistema de criação que era de seu agrado, e dentro dele, gerou doze autoridades, sete regentes do firmamento e cinco regentes do abismo. O Criador (Yaldabaoth, Samael, Yahweh ou IHVH – Iodh Hei Vau Hei-, entre outros) e sua hoste (os regentes ou arcontes) mesclaram, então, luz e trevas, para que as trevas parecessem radiantes e, assim, iludissem os olhos. Essa mescla de trevas e luz resultou num mundo imperfeito e fraco, pois as trevas impediram-no de desenvolver um exército de luz, que poderia protege-lo.

Assim, Yaldabaoth permaneceu no centro do sistema do mundo que ele formara, e se tornou arrogante em seu orgulho, exclamando: “Eu sou Deus e não há outro Deus além de mim!” Dessa forma, ele demonstrou sua ignorância agora do verdadeiro caráter do ser, bem como seu orgulho, pois negou até sua própria mãe. Sophia, no entanto, olhou para ele das alturas e exclamou em voz alta: “proferistes uma falsidade ó Samael!” Foi assim que ele recebeu o nome que o tornara o senhor cego da morte (Samael), e então Sophia o chamou também de Saclas, com o que afirmava a tolice dele.

Sophia, porém, sabendo que sua descendência gerara uma criação a partir de sua própria imagem defeituosa, decidiu ajudar secretamente a luz que estava presente no mundo. Desceu de sua habitação e veio para perto da terra, movendo-se de lá para cá sobre ela, assim outorgando sua sabedoria e amor ao sistema que o tolo criador desenvolvera. Os regentes pensaram que eles, sozinhos, tinham criado e ordenado o mundo, mas o espírito de Sophia contribuiu secretamente para colocar esplêndidos padrões arquetípicos na trama do trabalho deles. Foi quando viram, então, uma grande maravilha que apareceu nos céus: um anjo (Espírito Santo) com a forma de um homem, de visão majestosa e gloriosa. O Demiurgo Yaldabaoth e sua hoste tremeram e as bases do abismo sacudiram-se e as águas agitaram-se em terror sobre a terra. Tão grande era o brilho do arquétipo humano celestial que apareceu no céu que os regentes foram por ele cegados e não puderam agüentar seu poder. Desviaram os olhos e fixaram o reflexo da forma do homem, conforme essa aparecia nas águas abaixo.

Todos os regentes e seus servos, invejosos, correram para perto e, juntando seus poderes, fizeram uma réplica da imagem do homem celestial, mas seu trabalho era defeituoso e fraco, porque a força de Sophia não se encontrava ali. O homem falsificado era estúpido e insensato e se arrastava pela terra como um verme. Sophia, então, enviou vários mensageiros da luz e eles, secretamente, penetraram na mente de Yaldabaoth, fazendo-o respirar sobre a lamentável criatura, desse modo infundindo-lhe vida divina. O Demiurgo pensou que era ele quem tinha dotado o homem de luz, mas, na realidade, foi sua mãe Sophia quem deu à humanidade a verdadeira vida. E o homem ficou de pé, caminhou e foi circundado por uma luz não terrestre.

Yaldabaoth e sua hoste reconheceram que o homem era, de fato, um ser cujo poder espiritual e inteligência excediam o seu próprio. Cheios de inveja e raiva, eles atacaram o homem cujo nome era Adão e o lançaram em uma escura região da matéria, para lá definhar em tristeza e privação. Sophia, entretanto, em cooperação com os mais altos poderes da plenitude, enviou a Adão um auxiliar, para instruí-lo e assisti-lo com sabedoria e força espiritual. Esse auxiliar era uma mulher, conhecida como Eva, mas cujo verdadeiro nome é Zoe, que significa vida (a filha de Pistis-Sophia). O sábio espírito feminino penetrou em Adão e ficou escondido aí, para que os regentes não percebessem a sua presença.

Os regentes, então, conspiraram e elaboraram um plano no qual esperavam que o homem poderia cair, e permanecer cativo de seus desígnios. Eles criaram um jardim, cheio de belezas e delícias da terra, e colocaram Adão no meio dele, fornecendo-lhe todo o tipo de objeto agradável que pudesse desejar. Então eles mandaram Adão comer, pois o alimento do jardim é amargo e sua beleza é perversão, sua delícia é engano e suas árvores são iniqüidade, seu fruto é veneno incurável e sua promessa é morte.

As belezas e os prazeres oferecidos eram enganosos, corruptos e planejados para mantê-lo cativo dos regentes, sem vontade ou vida própria. Havia, também no jardim, uma outra árvore, mas eles proibiram Adão de tocar ou de comer do seu fruto. Eles o enganaram a respeito da árvore, lhe dizendo que sua raiz é amarga e seus ramos são morte, sua sombra é ódio e em sua folhagem está o engano, seu suco é o ungüento da perversidade, seu fruto é mortal e sua seiva é a cobiça; e que ela germina das trevas. Mas essa árvore era, na verdade, a inteligência-luz, a sabedoria. E dizendo tais coisas sobre ela, eles impediram Adão de ver sua plenitude e conhecer a Verdade, fazendo-o ficar preso naquilo que era realmente ruim, mas que diziam a Adão ser bom.

Mais uma vez Sophia e os poderes celestiais (na forma de uma serpente) foram em socorro de Adão e o instruíram a comer o fruto daquela árvore e desafiar o regente e seus anjos tirânicos. Ao mesmo tempo, a mulher nasceu de Adão, mas o chefe dos regentes a reconheceu como tendo a luz de Sophia e enfureceu-se. Ele a perseguiu por todo o jardim e, tendo-a subjugado, violentou-a e ela concebeu dois filhos dele, Caim e Abel. Porém, o espírito brilhante de sabedoria que habitava em Eva escapou e, assim, apenas seu aspecto humano foi violentado e não Zoe, o espírito vivo. Caim tornou-se mestre da terra e da água e dele descendem os homens e mulheres com inclinação para a matéria, ao passo que Abel comandou o ar e o fogo e se tornou o pai dos seres humanos que valorizam a alma e a mente. Mas Caim matou Abel e Adão percebeu o que o regente tirânico tinha feito e, tendo gerado um filho, Seth, com inclinações espirituais, ele se tornou pai daqueles que aspiram pelo conhecimento supremo (Gnosis) e por uma união com o Espírito.

Os anjos tirânicos, então, observaram, enfurecidos, que a humanidade seguia seu curso e não iria permanecer no paraíso dos tolos, onde queriam mantê-los cativos. O chefe dos regentes amaldiçoou então, toda a humanidade, especialmente a mulher. Entretanto, Eva deu à luz uma filha, chamada Norea, plena de sabedoria divina, que permaneceu na terra por muito tempo como uma ajudante da humanidade, porque era sábia e conhecia os esquemas e más obras dos anjos tirânicos.

Enquanto isso, os homens se multiplicaram, instruídos por Seth e Norea, muitos se voltaram ao conhecimento supremo, divino, assim, os regentes ficaram com poucos homens e mulheres que os aceitavam como deuses e seguiam suas leis. Furiosos, desejaram destruir a humanidade, então resolveram provocar um dilúvio. Norea, vendo o que eles iam fazer, instruiu um de seus filhos, Noé, para que ele construísse uma arca onde todos os puros pudessem ser salvos. Então ele, instruído por sua mãe, assim o fez.

Os anjos maus, então, assaltaram Norea, desejando violá-la com tinham feito com Eva, sua mãe, mas um grande anjo de luz chamado Eleleth a resgatou e lhe deu forças para continuar sua missão. Assim, com a ajuda de Norea, a partir de seu filho Noé, o esquema dos anjos tirânicos foi frustrado e a humanidade preservada.

Desde então, Yaldabaoth e seus anjos buscam dominar a raça humana, mesclando sua essência com a humanidade, corrompendo mulheres humanas, gerando, com elas, filhos imperfeitos. Assim, a humanidade tem vivido em conflito e divisão, pois o chefe dos regentes nela semeou cólera. A verdadeira sabedoria tornou-se rara e os filhos dos homens aprenderam coisas inúteis e mortas, seu conhecimento tornou-se mundano e corrupto. Repetidamente os regentes se reúnem para planejar o aprisionamento daqueles que não querem servi-los. Mascaram-se como mensageiros da luz, ou mesmo como o próprio Divino Inefável, exigindo obediência e adoração, iludindo profetas e videntes, elaborando leis e mandamentos, com os quais possam constranger os filhos dos homens. Mesmo assim a raça humana nunca foi deixada em abandono, Sophia nunca deixou de lutar por seus filhos, tendo depositado em todos os homens e mulheres, também, a sua luz e enviado em seu socorro seu mais iluminado mensageiro, Christós que, assumindo sua forma humana, Yehoshua (ou Yeshu), disseminou luz e sabedoria entre os homens, para que estes pudessem alcançar o Pleroma (Paraíso, Eternidade, Absoluto) e se libertar de Yaldabaoth.

(Mito gnóstico – autor desconhecido)

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A Ciência explica a paixão, o casamento e a separação?

‘Amor: início, meio e fim’. Li essa matéria na Super Interessante (n. 278, maio/2010; p. 46-55) e achei super interessante! Na verdade, já havia lido outros vários estudos que têm sido realizados nessa direção, desde a comparação entre o chimpanzé, o gorila e o ser humano, quanto ao comportamento de acasalamento, até o registro de imagens do cérebro durante situações românticas. Essa matéria, especificamente, aborda a questão do ponto de vista dos hormônios, realizando links da Biologia com a Antropologia e a Psicologia em um estudo empírico suportado por análise estatística sobre a relação entre o homem e a mulher, realizado em mais de 37 países (mais de 10 mil pessoas), incluindo o Brasil, por diferentes instituições de pesquisa. Como os próprios pesquisadores alertam, não somos ‘robôs biológicos’, portanto as conclusões, apesar de abrangentes e com probabilidades altíssimas de ocorrerem com a grande maioria de nós, não podem ser analisadas à revelia dos princípios materializados na concepção da Curva de Gauss, onde os extremos, apesar de constituírem exceções mais raras, são passíveis de ocorrência. Ou seja, em alguns momentos, aspectos como a cultura e os valores pessoais, bem como a variabilidade biológica e a racionalização da conduta podem interferir nos resultados e respostas de alguns indivíduos às situações postas, pois, como tudo o que é científico, isso é também probabilístico. Curioso é perceber que grande parte do que está explícito nesta matéria em termos científicos vem sendo afirmado há várias gerações pelo senso comum na forma de ditos e costumes populares. Disso depreendemos que tais conclusões não são tão estapafúrdias quanto alguns possam achar em função dos preconceitos que existem contra as incursões da Biologia nesse terreno. Assim, seguem-se alguns tópicos que resumem o conteúdo da reportagem, mas que não exime da necessidade de lê-la integralmente ou mesmo buscar outras fontes de consulta:
1.       Mulheres dizem que ‘tamanho não é documento’. Depende tamanho de quê! Se for da conta bancária, importa e muito! Mulheres tendem a se sentir mais atraídas por homens bem sucedidos financeiramente, pois conferem a sensação de segurança, capacidade de manutenção da prole e proteção da parceira, indicando serem bons provedores.
2.       Para o homem a beleza e a juventude da mulher são essenciais e isso é explicado biologicamente: a mulher, quando vê o homem, aciona regiões cerebrais relacionadas com a atenção, motivação e memória, já o homem, ao ver uma mulher, aciona áreas de processamento visual (Área Fusiforme). Isso, talvez, explique porque, para a mulher, um homem que transmita a sensação de segurança e acolhimento tenha primazia no momento de constituir uma família.
3.       Homens muito bonitos geram insegurança na mulher, pois a facilidade que têm de atrair a atenção do sexo oposto lhes confere um comportamento menos monogâmico, preferindo relacionamentos menos duradouros. Ainda que sejam fiéis durante a relação, preferem contatos mais fugazes (estratégias de reprodução de curto prazo) e isso compromete a confiança feminina de que ele é uma boa opção para a manutenção da prole pelo tempo necessário.
4.       Homens com traços masculinos muito marcantes geram o sentimento de virilidade, força e saúde, portanto, genes mais aptos a garantir a sobrevivência da prole -, por isso atraem a atenção da mulher quando sua intenção é um relacionamento menos duradouro (mero acasalamento para coleta de material genético). Contudo, para a constituição familiar, homens com traços mais suaves são preferidos, pois geram o sentimento de segurança e acolhida necessários à manutenção da prole e proteção da fêmea. Isso se deve ao teor de testosterona. Homens com traços marcadamente masculinos possuem mais testosterona e, portanto, são menos acolhedores e mais agressivos, dominadores e infiéis (já que este hormônio é o responsável pelo tesão). Se, ainda, vivêssemos era primitiva, tais espécimes masculinos seriam os reprodutores que espalhariam seus genes em maior quantidade, enquanto os menos ‘trogloditas’ seriam os provedores da família, garantindo a sobrevivência da prole, ainda que não fosse biologicamente sua. Lembremos que o casamento e a fidelidade conjugal são comportamentos bem recentes na história da humanidade e decorrentes de valores morais nada relacionados com a biologia de reprodução da espécie.
5.       Quanto melhor o sistema de saúde de um país, mais as mulheres preferem homens com traços mais suaves (não confundir com afeminados). Isso se explica pelo fato de que elas não precisam se preocupar com a qualidade do material genético coletado, já que o sistema de saúde é capaz de garantir a saúde da prole e a menor incidência de problemas de saúde coletiva. Assim, o ambiente deixa de ser uma preocupação à sobrevivência da prole, sendo necessário apenas um bom provedor, o que é conseguido com homens cuja aparência é menos masculina (talvez resida nisso o fato de ‘machões’ estarem saindo de cena e dando lugar aos metrossexuais).
6.       Relacionamentos em que as mulheres são bonitas e os homens nem tanto tendem a ser mais estáveis e duradouros. Como, para o homem, a beleza é fundamental, e ele está recebendo algo que preza muito, seu esforço para agradar a mulher e mantê-la ao seu lado é maior, nisso, a mulher recebe o que mais valoriza, atenção e segurança, o que estabiliza a relação e torna-a mais duradoura. Também, mulheres com maior nível de instrução (ou mais inteligente) que o homem produzem a admiração necessária à dedicação do homem à manutenção da relação.
7.       O sentimento de tesão, paixão e amor (desejo de laços românticos estáveis e duradouros) são independentes e podem ocorrer de forma simultânea direcionados a pessoas diferentes. O tesão tem relação com os níveis de testosterona, a paixão com dopamina e o amor com vasopressina (homem) e ocitocina (mulheres). Ou seja, você pode amar sua esposa (ou esposo), se apaixonar pela amiga (ou amigo) e ter o maior tesão na vizinha (ou vizinho) sem que um sentimento comprometa o outro ou seja falso. Apesar de ocorrência independente, um pode levar ao outro. Se transamos com uma pessoa, nossos níveis de dopamina e vasopressina/ocitocina aumentam e estabelecemos uma relação entre tais aumentos e a pessoa com quem estamos, o que induz sentimentos de paixão e desejo de romance em relação a ela, se existirem outras afinidades e não formos determinados em romper tais sentimentos, a confusão está feita. A situação é equivalente à dependência química (na qual há envolvimento de dopamina). A pessoa que provoca o aumento de dopamina é vista como uma promotora de bem-estar (como uma droga): o núcleo acúmbens, no cérebro, é ativado na busca do sentimento de recompensa/prazer que a outra pessoa provoca e nos tornamos dependentes, às vezes, compulsivos. Portanto, sexo 100% livre de afeto é, biologicamente, impossível.
8.       O cheiro (imperceptível de forma consciente) é o grande atrativo para a permanência da relação. Ele indica afinidades imunológicas e uma pessoa sempre procura na outra esse odor que indica ser o sistema imunológico dela complementar ao seu, o que garante maior variedade genética à resistência a doenças. É a famosa ‘coisa de pele’ que o senso comum já conhece.
9.       A adoção da postura bípede obrigou a mulher a carregar o filhote nos braços, dificultando sua defesa contra predadores e a obtenção do próprio alimento. Para garantir a sobrevivência de seu material genético, o homem teve que assumir a posição de defensor de ambos. Como era difícil defender mais de uma mulher ao mesmo tempo, a monogamia se impôs como recurso de sobrevivência. A manutenção da posição bípede era incompatível com o crescimento contínuo da caixa craniana humana, pois a pélvis não podia crescer proporcionalmente. Assim, o nascimento do bebê humano passou a ocorrer de forma prematura, o que o deixava dependente da mãe por um período maior que as outras espécies e obrigava o homem a se manter por perto durante mais tempo. A manutenção dessa situação era garantida pelo aumento dos hormônios relacionados com o amor, que deixam as pessoas mais tranqüilas e seguras quando estão próximas uma da outra, estendendo a vida do homem em 7 anos e a da mulher em 2. Estabelecia-se o núcleo familiar pai-mãe-filho. Apesar disso, a monogamia era provisória e, no momento em que a criança adquiria certa independência (em torno dos 7 anos), os hormônios masculinos já estavam em alta e ele já poderia procurar outra fêmea da espécie para copular. Cabe lembrar que monogamia não implica, necessariamente, fidelidade sexual, mas lealdade com o compromisso de manter uma única fêmea e seu rebento.
10.   A ‘crise dos sete anos’ existe e tem um objetivo reprodutivo da espécie. O número de separações aumenta a partir do 3o ano de relacionamento e atinge seu pico no 7o ano. A essa altura, 50% dos casais têm relacionamentos extraconjugais, seja pelo lado do homem, seja da mulher (passageiros ou duradouros, com ou sem a presença de sexo, pode-se acrescentar). As taxas hormonais, alteradas pela segurança e tranqüilidade obtidas no núcleo familiar, tendem a se restabelecer e ‘empurram’ o olhar do casal ‘para fora’. O objetivo da mamãe-natureza era garantir que, num primeiro momento, houvesse a proteção da fêmea e seu filhote pelo macho e, em um segundo momento, quando mãe e filho fossem capazes de se defender e buscar seu próprio alimento, que o macho se libertasse para espalhar seus genes e a fêmea para receber os genes de outro macho, perpetuando a espécie. O primeiro momento duraria, aproximadamente, 7 anos. O ciúme surgiria como um sinal de alerta de que a fêmea estaria prestes a ser enxertada com material genético de outro macho ou que o macho estaria negligenciando sua família (e, portanto, comprometendo a alimentação e segurança que deveria prover) em detrimento de outra fêmea. Por isso, para o homem atual (ciúme = ativação do Hipotálamo e da Amígdala) é mais difícil aceitar uma traição sexual, enquanto para a mulher (ciúme = ativação do Sulco Temporal Posterior Superior) é mais difícil aceitar o envolvimento emocional de seu parceiro com outra. O homem percebe a intenção sexual existente entre a parceira e o adversário, já a mulher percebe a intenção afetivo-emocional que paira no ar entre ambos. Não que ambos não tenham dificuldade de aceitar as duas situações, mas, simplesmente, uma é mais inaceitável que outra.
11.   A rotina é essencial à manutenção da espécie humana. Graças a ela fazemos filhos, formamos uma família, enriquecemos e até vivemos mais. Após o nascimento do filhote, os níveis de testosterona do homem caem até 33%. A proximidade com a família (abraços carinhosos na mulher e brincadeiras com a criança) força ainda mais essa queda. É a forma que a natureza encontrou de tornar o homem mais dócil e menos propenso à ‘caçada sexual’ extra-lar para que ajude na criação da prole. Isso garante a manutenção da família, mas tem o efeito colateral de reduzir o desejo sexual do homem em relação à sua parceira: a paixão se esvai.
12.   A familiaridade construída em relação à pessoa amada produz uma monotonia prejudicial à relação. Não há mais o que descobrir, não há mistério, não há novidade, portanto, não há paixão. A distância física da outra pessoa, a inovação, a erotização, a aventura podem manter ou reacender a paixão, pois isso ativa o sistema de recompensa do cérebro e também aumenta os níveis de testosterona, garantido vitalidade à relação. Também, o excesso de expectativa que depositamos sobre a outra pessoa tende a produzir frustrações ao longo do tempo e isso desgasta a relação. Culturas nas quais os casamentos são arranjados apresentam índices de satisfação matrimonial superior, pois o amor nasce pequeno e cresce com o tempo (o oposto do que ocorre no Ocidente), não gerando frustrações a partir de expectativas pré-concebidas.
13.   A dor da separação é uma espécie de síndrome de abstinência. Quando nos apaixonamos por alguém, nosso cérebro recebe doses maciças de Dopamina. Se a relação dura o suficiente, a Vasopressina (no homem) e a Ocitocina (na mulher) passam a ser os grandes condicionadores do comportamento em relação à pessoa amada. O prazer gerado por tais hormônios produz uma dependência (tipo de vício) da pessoa em relação ao objeto (no caso, a outra pessoa) que provoca sua liberação no corpo. No momento em que o relacionamento é rompido unilateralmente, a pessoa que não era favorável ao rompimento se sente como um viciado que tem seu acesso às drogas obstruído e age como tal, fazendo promessas de bom comportamento para obter a pessoa amada de volta e conseguir o estímulo necessário de sua região cerebral relacionada com a sensação de recompensa e prazer. Após um tempo, o corpo se habitua à ausência de tais hormônios nos níveis em que estavam e a pessoa se conforma com a situação ou mesmo sente raiva (ódio e amor se relacionam com a Ínsula e o Putâmen, sendo que o ódio possibilita maior capacidade de planificação das ações e tem a função de nos empurrar para frente) da outra pessoa e direciona sua atenção para outras coisas que lhe proporcionem prazer (um outro relacionamento, muitas vezes, é o remédio mais procurado). Via de regra, a dor da separação é menos duradoura do que imaginamos que será e nos reerguemos rápido. Nossa capacidade de recuperação de dores emocionais é tanta que estudos mostram que, após um ano, tetraplégicos e ganhadores na loteria podem ter o mesmo nível de felicidade que tinham antes da ocorrência do fato.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Sobre religiosidade e espiritualidade


O texto abaixo, em tese, de um Pastor Evangélico, refere-se ao episódio envolvendo os jogadores do Santos numa visita ao Lar Espírita Mensageiros da Luz, que cuida de crianças com deficiência cerebral, para entregar ovos de Páscoa. Uma parte dos atletas, dentre eles Robinho, Neymar, Ganso e Fabio Costa, se recusaram a entrar na entidade e preferiram ficar dentro do ônibus do clube, sob a alegação de que eram evangélicos e não entrariam num local fundado e dirigido por Espíritas. Vale a pena ver o que o Pastor disse a respeito. O autor só escorrega ao final do quarto parágrafo, qdo fala de um deus com ‘D’ maiúsculo, pois essa é uma visão cristã, eminentemente, religiosa e não espiritualista como o Pastor defende. É como se, nesse momento, ele se esquecesse de sua narrativa original e desconsiderasse o deus de qualquer outra religião, afirmando a superioridade (subsumida) do deus cristão. Deus, com maiúscula, não pode ser sinônimo de verdade e perfeição em sobreposição a outros deuses. Essa é a tradição cristã. ‘Deus’ maiúsculo é o nome próprio de um deus. É uma subcategoria lingüística dentro de uma categoria maior, a saber, a de deuses. A adoção do maiúsculo foi apenas um subterfúgio cristão pela apropriação de um termo da língua e sua ressignificação conforme um objetivo ideológico bem definido: a equivalência lingüística com o intuito do convencimento/sedução. Se Deus ou deuses existem ou não, se são bons ou ruins, é outra estória. A questão é: por que não utilizar outro nome para o deus cristão em vez de simplesmente reutilizar um termo genérico (‘deus’) ressignificado com letra maiúscula (‘Deus’)? Respondo: marketing! Algo tão antigo (ainda que não com esse nome e nem tão sistematizado e consciente como hoje) qto o próprio Cristianismo e inerente ao sincretismo que garantiu a sobrevivência cristã durante os séculos em detrimento de outras religiões. Apesar disso (um pequeno deslize por ser o pastor um cristão, mas que, com certeza, o corrigiria se pudesse, pois contradiz a totalidade do texto), a mensagem é ótima e merece meus aplausos!


Reflexão para a paz


Ed René Kivitz, cristão, pastor evangélico e santista desde pequenininho.

Os meninos da Vila pisaram na bola, mas prefiro sair em sua defesa. Eles não erraram sozinhos. Fizeram a cabeça deles. O mundo religioso é mestre em fazer a cabeça dos outros. Por isso, cada vez mais me convenço que o Cristianismo implica na superação da religião, e cada vez mais me dedico a pensar nas categorias da espiritualidade, em detrimento das categorias da religião. 

A religião está baseada nos ritos, dogmas e credos, tabus e códigos morais de cada tradição de fé. A espiritualidade está fundamentada nos conteúdos universais de todas e de cada uma das tradições de fé. 

Quando você começa a discutir quem vai para céu e quem vai para o inferno, ou se Deus é a favor ou contra a prática do homossexualismo, ou mesmo, se você tem que subir uma escada de joelhos ou dar o dízimo na igreja para alcançar o favor de Deus, você está discutindo religião. Quando você começa a discutir se o correto é a reencarnação ou a ressurreição, a teoria de Darwin ou a narrativa do Gênesis, e se o livro certo é a Bíblia ou o Corão, você está discutindo religião. Quando você fica perguntando se a instituição social é espírita kardecista, evangélica, ou católica, você está discutindo religião. 

O problema é que toda vez que você discute religião você afasta as pessoas umas das outras, promove o sectarismo e a intolerância. A religião coloca de um lado os adoradores de Alá, de outro os adoradores de Yahweh, e de outro os adoradores de Jesus. Isso sem falar nos adoradores de Shiva, de Krishna e devotos do Buda, e por aí vai. E cada grupo de adoradores deseja a extinção dos outros, ou pela conversão à sua religião, o que faz com que os outros deixem de existir, enquanto outros, e se tornem iguais a nós, ou pelo extermínio, através do assassinato em nome de Deus, ou melhor, em nome de um deus, com d minúsculo, isto é, um ídolo que pretende se passar por Deus. 

Mas quando você concentra sua atenção e ação, sua práxis, em valores como reconciliação, perdão, misericórdia, compaixão, solidariedade, amor e caridade, você está no horizonte da espiritualidade, comum a todas as tradições religiosas. E quando você está com o coração cheio de espiritualidade, e não de religião, você promove a justiça e a paz. Os valores espirituais agregam pessoas, aproximam os diferentes, fazem com que os discordantes no mundo das crenças se dêem as mãos, no mundo da busca de superação do sofrimento humano, que a todos nós humilha e iguala, independentemente de raça, gênero, e inclusive religião. 

Em síntese, quando você vive no mundo da religião, você fica no ônibus. Quando você vive no mundo da espiritualidade, que a sua religião ensina – ou pelo menos deveria ensinar, você desce do ônibus e dá um ovo de páscoa para uma criança que sofre a tragédia e a miséria de uma paralisia mental.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Dilma, a sequestradora: mito ou realidade?



Tem sido recorrente a tentativa de estigmatização de Dilma Roussef como sequestradora em decorrência de seus atos de repulsa ao regime militar no Brasil. Não defendo Dilma como a melhor candidata do PT, mas, primeiramente, precisamos ter em mente o momento histórico em que ocorreu o seqüestro do embaixador norte-americano, em 69 (Charles Elbrick). O fato se deu como forma de pressionar o regime militar a libertar 15 políticos esquerdistas, então presos por motivos políticos.

Aquele era um momento em que muitos brasileiros se fechavam para as atrocidades que o regime militar impunha a grande parte da população. Em sua retórica, os partidários do regime alcunharam de subversivos, bandidos e arruaceiros aqueles poucos que se rebelaram em nome da democracia (lembrem-se dos seqüestros e torturas promovidos pelos próprios militares, do buraco econômico no qual o Brasil foi jogado à essa época e do falso crescimento propalado pela imprensa a serviço dos militares, a qual enganou muita gente e continua enganando hoje) e de um país melhor (inclusive para aqueles que não se dispunham a lutar por sua própria liberdade). Esse discurso está, amplamente, retratado no livro 'A verdade sufocada', de autoria de Carlos Alberto Brilhante Ustra, Coronel Reformado do Exército Brasileiro, no qual se esforça por criminalizar os revolucionários anti-militaristas e descriminalizar a própria conduta violenta e desmedida das forças repressivas militares, em uma visão, tipicamente, unilateral e tendenciosa.  Fato é que a violência ocorreu de ambos os lados, mas os movimentos populares contra a ditadura lançaram mão de tal estratégia como último recurso e resposta a uma violência 'a priori' que lhes era imposta.  Não fosse isso, não seriam ouvidos. Não fosse isso, talvez estivéssemos, hoje, como o Coréia do Norte ou a China e a democracia seria apenas um sonho distante.

Curioso como defensores da condenação de Dilma ou Fernando Gabeira e muitos outros, por se oporem a uma ditadura cruel com as ferramentas que tinham à mão (diga-se de passagem, muitas das mesmas utilizadas pelo próprio sistema militar), se mostram prontos a condenar os atuais sistemas de Cuba, Bolívia, Venezuela e de outras ditaduras presentes, mas não se dão conta de que o que havia à época da ditadura militar no Brasil era uma realidade que se rivalizava com  a que vemos nesses países. Em outras palavras, subversivos aos sistemas cubanos, bolivianos e venezuelanos são vistos como heróis por quem condena Dilma, entretanto, subversivos à ditadura militar brasileira são alcunhados, convenientemente, de bandidos, como recurso discursivo que atende a interesses políticos bem definidos. Outra questão falaciosa no discurso dessa linha é o fato de desconsiderarem a realidade política em que ocorreu o seqüestro, equiparando-a à situação atual e equivalendo um seqüestro promovido pelo crime organizado ao seqüestro realizado, exclusivamente, com fins políticos (para melhor entendimento dessa questão, vide NOGUEIRA, Patrícia. O terrorismo transnacional e suas Implicações no cenário internacional. Universitas - Relações Int., Brasília, v. 2, n.2, p. 221-244, jul./dez. 2004). Qual a diferença?! Bem, o crime organizado, em suas ações, visa tão somente um benefício próprio. Um grupo de combate político (que se assemelha a guerrilheiros) busca benefícios para a nação (que é o que define a conduta ética, vide Platão, Aristóteles, Kant e tantos outros teóricos do assunto), em termos políticos, inclusive colocando a prêmio o próprio pescoço em nome de uma maioria que, acomodada, não se preocupa com o bem coletivo, mas somente com seu próprio conforto ou de sua classe. Assim, as duas modalidades de seqüestro, em hipótese alguma, se equivalem do ponto de vista moral ou legal e é isso que se está tentando fazer com semelhante discurso sofista. Inclusive, a anistia concedida aos ‘subversivos’ pelo governo democrático foi um reconhecimento pleno de sua bravura e dos erros cometidos pelo sistema militar, o que, a princípio, deveria isentar Dilma Roussef, Fernando Gabeira ou mesmo FHC (para aqueles que não se lembram, nosso ex-presidente, em seus tempos áureos, foi um adversário inflamado da ideologia do regime militar, transformando-se em um dos líderes de uma intelectualidade interessada em se desfazer da tutela militar, preservando o pluralismo interno; vide GARCIA JR, Afrânio. A dependência da política: Fernando Henrique Cardoso e a sociologia no Brasil. Rev. Tempo Soc., vol.16, no.1, São Paulo, Junho 2004) de serem acusados de bandidagem.

Quanto à dúvida de quem representará o Brasil em reuniões nos EUA e outros onze países associados, nos quais Dilma foi condenada como sequestradora e, portanto, estaria impedida de entrar livremente - outro elemento recorrente no discurso presentemente criticado -, é simples responder: nenhum país irá se indispor com outro nesse nível se interesses político-econômicos mútuos estiverem em jogo, além disso, existem acordos multilaterais e imunidade diplomática, justamente, para facilitar a superação de casos como esse. Assim, é de uma ingenuidade absurda achar que isso colocaria empecilho às negociações brasileiras no exterior ou que levaria Dilma a ser afastada do cargo. Os casos de países periféricos, nos quais os presidentes perderam seu cargo em situação semelhante, ocorreram, justamente, pelo fato de que tais países não possuíam o poder de barganha e a importância político-econômica que o Brasil possui hoje no cenário internacional, isso conta e muito! Além disso, cabe ressaltar a realidade político-econômica mundial atual. Em um mundo globalizado e que sofre uma gradativa despolarização econômica e política como a que vivemos hoje, o imperialismo dos países centrais está enfraquecendo, o que limita sua capacidade de impor sanções e restrições e de interferir na política interna dos países periféricos. Assim, quem representará o Brasil em negociações no exterior, será sim Dilma (com 100% de certeza), caso ela seja eleita. Discursos contrários não passam de tentativas infrutíferas de converter os mais desavisados e ingênuos à causa neoliberal elitista. Se não querem votar em Dilma, arranjem outra justificativa que não o mito da seqüestradora!!!

Reflitam sobre isso!

sexta-feira, 12 de março de 2010

A visão da direita sobre a esquerda


Caros leitores,

Segue, em anexo a este breve comentário, um texto de Olavo de Carvalho - de discutível qualidade -, no qual expõe sua visão ímpar sobre a esquerda confundida com comunismo e ditadura. Reduzir a esquerda ao comunismo, ainda que tal regime político-econômico seja louvável se construído democraticamente, representa cometer um ato de injustiça com a própria história de constituição da esquerda e com suas premissas, muito maiores (o comunismo está contido na esquerda, mas a recíproca não é verídica). Tal recurso retórico, ainda que de extrema eficiência - pois toca o imaginário popular no que se refere à propaganda maliciosa veiculada contra o comunismo no regime militar - apenas pode gerar simpatia aos que pouco conhecem da história, particularmente, do Brasil ou que possuam interesses pessoais protegidos por tais discursos. Os males atribuidos à conduta comunista - ou esquerda, como se equivocam alguns - podem, facilmente, ser extendidos à direita. Há, ainda, que se separar o comunismo do comunista, a idéia do praticante. Discutir o comunismo pressupõe entender suas bases ideológicas e não, meramente, identificá-las com atos de violência decorrentes da reação contra a opressão. A violência observada por Carvalho na identificação da esquerda - que ele reduz ao comunismo, tratando por igual coisas diferentes - representa mera reação a outro tipo de violência não considerada por ele (evidentemente por seu compromisso com os projetos da direita). Talvez os resultados não tenham sido os melhores em uma avaliação retroativa, de uma posição confortável na qual nos encontramos hoje, mas foram os resultados possíveis no contexto em que se deram e garantiram, inclusive, a possibilidade de, hoje, alguém sentar-se em frente ao seu PC para emitir opiniões com estatuto epistemológico duvidoso. Identificar 'esquerda', 'comunismo' e 'ditadura' como coisas de mesma natureza, sem a contextualização dos fatos e o aprofundamento teórico em suas premissas é padecer de um reducionismo útil ao convencimento, mas que peca por seu descompromisso com a história e com a realidade concreta dos fatos. A isso denominamos sofisma. Um outro recurso retórico bastante presente nos discursos de Carvalho é o 'argumentum ad hominem', o que leva ao entendimento de que a defesa de idéias opostas devem ser aprioristicamente rejeitadas, já que seu defensor não é digno, sequer, de ser ouvido. Assim, o debate fica impedido já antes mesmo de começar e o atacante, aparentemente, brilha como vencedor. Via de regra, esses dois recursos - o reducionismo e o 'argumentum ad hominem' - são largamente utilizados por quem quer convencer outrem sem dar-se ao trabalho de olhar para além do próprio quintal, seja por limitação intelectual, seja por compromisso ideológico/filosófico contrário aquilo que se está debatendo, o que lhe empurra para uma argumentação descolada da verdade, na maioria das vez, proposital. Aqui adentramos o campo do que se costuma chamar de 'responsabilidade epistemológica' do sujeito e está diretamente ligado ao seu virtuosismo intelectual. A ditadura, bem podia de enquadrar na descrição dada por Carvalho ao comunismo, mas jamais deveríamos reduzir o comunismo à mera ditadura. Em poucas palavras, o discurso comunista prega a igualdade de condições e de acesso aos bens historicamente produzidos pelo homem, uma justiça social sem precedentes em qualquer outro discurso, mas que soa dolorido aos ouvidos acostumados com as dissonantes notas capitalistas. As formas de se chegar a isso são inúmeras e não se reduzem à violência, mas é necessário amadurecimento civilizatório para tanto, o que, ainda, não possuimos e gerou atos criticáveis por parte de quem quis instituí-lo prematuramente. Vale dizer que, a ideologia capitalista neoliberal que impera no mundo atual é a grande responsável pelas guerras atuais e pela violência - aparente e não-aparente - que observamos na sociedade (o fato de possuirmos plenas condições de sentar no MacDonalds enquanto um sem-teto nos observa com fome é um ato de violência tremendo e poucas vezes considerado como tal!). Ser comunista não se confunde com intolerância, violência, ignorância, intransigência, amoralidade, imoralidade, desonestidade, mentira, maldade ou qualquer adjetivo que o valha. Assim como, também, ser direitista não é sinônimo de tolerância, sabedoria, flexibilidade, moralidade, honestidade, bondade, complacência...e a história bem sabe disso! Tais adjetivos são atribuíveis ao ser humano e não, necessariamente, à ideologia política que professam. Temos as duas qualidades de seres humanos em ambas facções (direita e esquerda) e pensar diferente representa não considerar a totalidade dos fatos em nome de interesses próprios e uma violência contra o pensar científico e filosófico. Deixo com vocês o texto original de Olavo de Carvalho, que pode ser encontrado no endereço http://www.olavodecarvalho.org/semana/080520dce.html , para que possam julgar por si mesmos seu argumento:

"A escória do mundo"
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio (editorial), 20 de maio de 2008

“Cuanto más alto sube, baja al suelo.” (Frei Luís de León)

"Vou resumir aqui umas verdades óbvias e bem provadas, que uma desprezível convenção politicamente correta proíbe como indecentes.
Todo comunista, sem exceção, é cúmplice de genocídio, é um criminoso, um celerado, tanto mais desprovido de consciência moral quanto mais imbuído da ilusão satânica da sua própria santidade.
Nenhum comunista merece consideração, nenhum comunista é pessoa decente, nenhum comunista é digno de crédito.
São todos, junto com os nazistas e os terroristas islâmicos, a escória da espécie humana. Devemos respeitar seu direito à vida e à liberdade, como respeitamos o dos cães e das lagartixas, mas não devemos lhes conceder nada mais que isso. E seu direito à vida cessa no instante em que atentam contra a vida alheia.
Nos anos 60 e 70, a guerrilha brasileira não foi nenhuma epopéia libertária, foi uma extensão local da ditadura cubana que, àquela altura, já tinha fuzilado pelo menos dezessete mil pessoas e mantinha nos cárceres cem mil prisioneiros políticos simultaneamente, número cinqüenta vezes maior que o dos terroristas que passaram pela cadeia durante o nosso regime militar, distribuidos ao longo de duas décadas, nenhum por mais de dois anos – e isto num país de população quinze vezes maior que a de Cuba. Nossos terroristas recebiam dinheiro, armas e orientação do regime mais repressivo e assassino que já houve na América Latina, e ainda tinham o cinismo de apregoar que lutavam pela liberdade.
Agora que estão no poder, enchem-se de verbas públicas e justificam a comedeira alegando que o Estado lhes deve reparações. O dinheiro do Estado é do povo brasileiro e o povo brasileiro não lhes deve nada. Eles é que devem aos filhos e netos daqueles que suas bombas aleijaram e seus tiros mataram.
Perguntem aos cidadãos, nas ruas: “O senhor, a senhora, acham que têm uma dívida a pagar aos terroristas, pelo simples fato de que a violência deles foi vencida pela violência policial? O senhor, a senhora, acham justo que o Estado lhes arranque impostos para enriquecer aqueles que se acham vítimas injustiçadas porque o governo matou trezentos deles enquanto eles só conseguiram, coitadinhos, matar a metade disso?”
Façam uma consulta, façam um plebiscito. A nação inteira responderá com o mais eloqüente NÃO já ouvido no território nacional.
É claro que os crimes que esses bandidos cometeram não justificam nenhuma barbaridade que se tenha feito contra eles na cadeia. Mas justifica que estivessem na cadeia, embora tenham ficado lá menos tempo do que mereciam. E justifica que, surpreendidos em flagrante delito e respondendo à bala, fossem abatidos à bala.
Mas eles não acham isso. Acham que foi um crime intolerável o Estado ter armado uma tocaia para matar o chefe deles, Carlos Marighela, confessadamente responsável por atentados que já tinham feito várias dezenas de vítimas inocentes; mas que, ao contrário, foi um ato de elevadíssima justiça a tocaia que montaram para assassinar diante da mulher e do filho pequeno um oficial americano a quem acusavam, sem a mínima prova até hoje, de “dar aulas de tortura”.
Durante a ditadura, muitos direitistas e conservadores arriscaram vida, bens e reputação para defender comunistas, para abrigá-los em suas casas, para enviá-los ao exterior antes que a polícia os pegasse. Não há, em toda a história do último século, no Brasil ou no mundo, exemplo de comunista que algum dia fizesse o mesmo por um direitista.
Sim, os comunistas são diferentes da humanidade normal. São diferentes porque se acham diferentes. São inferiores porque se acham superiores. São a escória porque se acham, como dizia Che Guevara, “o primeiro escalão da espécie humana”.
Eles têm, no seu próprio entender, o monopólio do direito de matar. Quando espalham bombas em lugares onde elas inevitavelmente atingirão pessoas inocentes, acham que cumprem um dever sagrado. Quando você atira no comunista armado antes que ele o mate, você é um monstro fascista.
Por isso é que acham muito natural receber indenizações em vez de pagá-las às vítimas de seus crimes.
Quem pode esperar um debate político razoável com pessoas de mentalidade tão deformada, tão manifestamente sociopática?
Um comunista honesto, um comunista honrado, um comunista bom, um comunista que por princípio diga a verdade contra o Partido, um comunista que sobreponha aos interesses da sua maldita revolução o direito de seus adversários à vida e à liberdade, um comunista sem ódio insano no coração e ambições megalômanas na cabeça, é uma roda triangular, um elefante com asas, uma pedra que fala, um leão que pia em vez de rugir e só come alface. Não existiu jamais, não existe hoje, não existirá nunca."

Walner Mamede Jr

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Considerações filosóficas

Murilo Veras

A filosofia tem por um de seus mais caros preceitos a busca incansável da verdade...Gostaria de começar por uma das últimas aulas proferidas pelo Dr. Nelson Gomes. Suas colocações sobre a perspectiva histórico-cultural foram muito interessantes e positivas para a compreensão dos rumos tomados no Brasil, com repercussão filosófica decisiva, principalmente com respeito à trajetória da educação científica, cívica, moral e religiosa brasileira perpetuada no Brasil-colônia. É o caso dos lamentáveis atrasos científicos decorrentes de uma tardia instituição das universidades, e o inaceitável retrocesso cultural resultante da destruição do acervo cultural construído pelos jesuítas conjuntamente com a população indígena e particularmente daqueles da língua tupi-guarani...

Sabemos que, do ponto de vista da filosofia, o inicio do (longo!) século XX foi marcado pela disputa entre duas posições totalmente antagônicas, a do positivismo lógico e a do romantismo ou intuicionismo, representados, por exemplo, por Bertand Russel e Neurah de um lado, e Nietzsche e Bérgson, de outro. Sabemos hoje que tal disputa perdura, mas ganhou contornos muito mais ricos e desmistificadores com o reconhecimento da inviabilidade do atomismo lógico, tanto que Wittgenstein revisou sua posição no Tratactus considerando elementos da linguagem ordinária e reabrindo o campo da filosofia analítica para outras correntes profícuas, muito aquém dos limitados contornos lógicos formais pretendidos, com elementos enriquecedores como a questão da intencionalidade, etc. (lembremos de Austin, Anscombre, etc.).

 Mas, retomando a circunstância histórica pré-guerras mundiais, o mundo vivia uma efervescência de ideologias com repercussões catastróficas que em muito os lógicos e lógico-linguistas jamais poderiam sequer imaginar. É fácil pressupor a honestidade intelectual de Neurah em acreditar que a explicação lógico-matemática deveria ser  expurgada de qualquer conotação metafísica e que seria apenas uma questão de tempo para que a ciência a elucidasse. Apesar desse preconceito inicial (afinal, será que conhecia de escolástica antes de criticá-la?), teve o mérito de superar a limitação de um Carnap, este um reducionista ao extremo (creio que totalmente superado), reconhecendo a inviabilidade da existência de fatos pontuais e estanques. Ocorre que, enquanto os lógicos se desentendiam no campo abstrato, o campo muito concreto das idéias sendo aplicadas ao sócio-político foi palco de confrontos inimagináveis, movidos pela chama da ideologia comunista, e depois a reação desproporcional do nacional socialismo, que não puderam esperar maiores avanços teoréticos: tentou-se resolver a questão na pura e mais indescritível violência. A crítica a um possível papel restritivo e controlador dos ideais “libertários” marxistas oriundos da Europa continental, no Brasil, por parte da Igreja Católica, deve ser vista com muita cautela diante de cenário tão tenebroso, principalmente com relação ao marxismo, mesmo antes dos desvios totalitaristas radicais da revolução bolchevique. Afinal, a corrente que conquistou a simpatia de homens de envergadura como Neurah, não diferem muito daquelas que inspiraram a tirania fratricida de Stalin.

 Fazendo-se uma rápida retrospectiva histórica, percebe-se que, se há instituições que atravancaram o desenvolvimento das ciências, com exceção do lamentável retrocesso no Processo de Galileu, tais não podem mais ser atribuído à Igreja Católica, e em especial nos últimos dois séculos.  Não tinha conhecimento da participação decisiva de sindicatos ou associação de professores na formação da primeira universidade, mas tal fato não deve diminuir a importância resolutiva, definitiva, dada pela Igreja que instituiu, organizou, investiu e incentivou a maioria das universidades por toda a Europa cristã. Pelo contrário, a partir de então, a ação daqueles me parece algo assessório, perto da decisão tomada por quem podia e quis fazer.

 Infelizmente o mesmo não pôde ser feito no Brasil, mas por motivos distintos, alheios aos interesses da Igreja. Os próprios relatos sobre a expulsão dos Jesuítas, por Marques de Pombal, e a formação da elite política brasileira nos últimos séculos pode explicar, em parte, o atraso cultural e científico brasileiro. Sabemos da influência de maçons, como Pombal e Jose Bonifácio, num movimento de laicismo radical da política, com negação sistemática aos projetos de inculturação da Igreja, inclusive as de caráter científico, já que a maçonaria pregava o positivismo e via neste a única opção de “saber científico” possível, descartando soluções integrativas dos mais diversos campos do conhecimento e mesmo da emergente classe média intelectual brasileira. Tudo para favorecer uma oligarquia canhestra e obtusa sob a fachada da “ordem e do progresso”.

 Na geração seguinte, temos uma exceção filosófica importante neste quadro. Mario Ferreira dos Santos (1907-1968), ironicamente o filho de um marxista, anarquista e agnóstico, que foi educado por jesuítas, desenvolveu uma notável Filosofia Concreta, cristã, em base metafísica, sem desconsiderar elementos interessantes de Hegel, Nietzsche e Marx. Certamente milhares de outros filósofos e cientistas foram formados no seio das instituições de ensino católico, das mais tradicionais do país, que eu saiba sem maiores limitações oficiais ou oficiosas, pelo menos nos períodos de liberdade (interrompidos por motivos políticos bem conhecidos: ditadura de Vargas, etc.).

 Um expoente filosófico neste inicio de século, inclusive na UnB, foi Chesterton, um jornalista de profissão que se notabilizou justamente por usar seus dotes comunicativos e literários para mostrar como a ortodoxia da Igreja, servindo-se da melhor tradição filosófica e teológica antiga e medieval (filosofia perene), tentou mediar o confronto entre posições radicais idealistas e materialistas e demonstrar, no campo das idéias, como estas viviam inebriadas ora por resultados passageiros das ciências positivistas que atendiam a interesses colonialistas (liberalismo) ora pela reação revolucionária depositada na solução igualitarista ou do romantismo (comunismo e niilismo). Tanto é que a igreja católica, no campo cientifico, incentivou e premiou cientistas inovadores, entre outros, o criador da teoria do Big Bang, ainda na década de 40. No campo social editou encíclicas sociais enfocadas nos direitos do homem e da vida (Rerun Novarum, 1891 e Quadragesimo Anno, 1931) que foram precursoras do vaticano II (a mais social) e, no Brasil, das comunidades eclesiais, ação católica, etc.  Obviamente quando cito ‘Igreja’ me refiro não só à instituição estabelecida, mas também à  hierarquia e à comunidade dos crentes, humana e, como tal, suscetível de erros e desacertos em sua práxis. Então, inevitavelmente, no começo do século XX, podem ter ocorrido abusos, preconceitos contra o marxismo, etc. Entretanto, ocorrências pontuais, locais, não invalidam a conduta universal, pró-ciência e liberdade intelectual, preponderante perante os grandes temas da humanidade.

 Com relação à Bíblia acredito que na mesma não existe qualquer contradição lógica. No episódio de Caim, há engano quando se afirma que Adão tenha tido apenas dois filhos. Consta que tiveram vários filhos e que poderia ter vivido 850 anos. Ninguém é obrigado a acreditar que viveu tanto tempo, afinal existem provas que os escritores da época costumavam enaltecer o grau de sapiência inflacionando o número de anos de vida, o que não necessariamente correspondem ao nosso ano astronômico (do contrário teríamos absurdos como vidas de 2.000, 20.000 anos!). Fazendo uma interpretação serena, torna-se bastante plausível supor que Adão viveu mais que o normal (quem sabe 150 ou 200 anos) e tenha tido dezenas de filhos. Então, obviamente Caim, somente poderia ter se casado com uma de suas inúmeras irmãs. Por coerência, obviamente, preferimos uma versão que estabeleça um ponto decisivo no processo em que o homem efetivamente se tornou racional, consciente, de forma sobrenatural (o sopro do Espírito), talvez 5.000 anos, ou 100.000 anos atrás. Por ocasião do Evento, talvez existissem outras tribos em processo de “evolução”, “prontos” para estabelecer cruzamento com a nobre espécie humana recém criada (do nada? de uma linhagem material biológica “escolhida”?), o que evitaria a degeneração genética. Não se sabe, nem a Bíblia é meio de comprovação de curiosidade científica, seu objetivo é outro. Independente da possibilidade de uma descrição precisa e naturalista deste evento inicial, outros relatos bíblicos indicam claramente uma interferência sobrenatural, perfeitamente possível para Deus, que age como lhe aprouve. Muitas das “contradições” aparentes foram hoje melhor esclarecidas com as descobertas científicas e antropológicas que explicam relatos bíblicos dados por “estranhos”. Segundo Felipe Aquino, apesar de seu poder, provavelmente Deus não negligenciaria sua própria criação, a natureza, mas usa dela para fazer valer sua soberana vontade. É o caso, por exemplo, do maná no deserto, que hoje pode perfeitamente ser interpretado como provindo de um inseto típico da região (já identificado pelos entomologistas) que se alimenta de uma espécie de arbusto (Tamaris mannifera) que prospera no deserto do Sinai e que teria liberado o “pão do céu”, a rigor, uma apreciável massa gelatinosa comestível que “desceu”... de insetos voadores. Por sinal com boas propriedades alimentares...