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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Considerações filosóficas

Murilo Veras

A filosofia tem por um de seus mais caros preceitos a busca incansável da verdade...Gostaria de começar por uma das últimas aulas proferidas pelo Dr. Nelson Gomes. Suas colocações sobre a perspectiva histórico-cultural foram muito interessantes e positivas para a compreensão dos rumos tomados no Brasil, com repercussão filosófica decisiva, principalmente com respeito à trajetória da educação científica, cívica, moral e religiosa brasileira perpetuada no Brasil-colônia. É o caso dos lamentáveis atrasos científicos decorrentes de uma tardia instituição das universidades, e o inaceitável retrocesso cultural resultante da destruição do acervo cultural construído pelos jesuítas conjuntamente com a população indígena e particularmente daqueles da língua tupi-guarani...

Sabemos que, do ponto de vista da filosofia, o inicio do (longo!) século XX foi marcado pela disputa entre duas posições totalmente antagônicas, a do positivismo lógico e a do romantismo ou intuicionismo, representados, por exemplo, por Bertand Russel e Neurah de um lado, e Nietzsche e Bérgson, de outro. Sabemos hoje que tal disputa perdura, mas ganhou contornos muito mais ricos e desmistificadores com o reconhecimento da inviabilidade do atomismo lógico, tanto que Wittgenstein revisou sua posição no Tratactus considerando elementos da linguagem ordinária e reabrindo o campo da filosofia analítica para outras correntes profícuas, muito aquém dos limitados contornos lógicos formais pretendidos, com elementos enriquecedores como a questão da intencionalidade, etc. (lembremos de Austin, Anscombre, etc.).

 Mas, retomando a circunstância histórica pré-guerras mundiais, o mundo vivia uma efervescência de ideologias com repercussões catastróficas que em muito os lógicos e lógico-linguistas jamais poderiam sequer imaginar. É fácil pressupor a honestidade intelectual de Neurah em acreditar que a explicação lógico-matemática deveria ser  expurgada de qualquer conotação metafísica e que seria apenas uma questão de tempo para que a ciência a elucidasse. Apesar desse preconceito inicial (afinal, será que conhecia de escolástica antes de criticá-la?), teve o mérito de superar a limitação de um Carnap, este um reducionista ao extremo (creio que totalmente superado), reconhecendo a inviabilidade da existência de fatos pontuais e estanques. Ocorre que, enquanto os lógicos se desentendiam no campo abstrato, o campo muito concreto das idéias sendo aplicadas ao sócio-político foi palco de confrontos inimagináveis, movidos pela chama da ideologia comunista, e depois a reação desproporcional do nacional socialismo, que não puderam esperar maiores avanços teoréticos: tentou-se resolver a questão na pura e mais indescritível violência. A crítica a um possível papel restritivo e controlador dos ideais “libertários” marxistas oriundos da Europa continental, no Brasil, por parte da Igreja Católica, deve ser vista com muita cautela diante de cenário tão tenebroso, principalmente com relação ao marxismo, mesmo antes dos desvios totalitaristas radicais da revolução bolchevique. Afinal, a corrente que conquistou a simpatia de homens de envergadura como Neurah, não diferem muito daquelas que inspiraram a tirania fratricida de Stalin.

 Fazendo-se uma rápida retrospectiva histórica, percebe-se que, se há instituições que atravancaram o desenvolvimento das ciências, com exceção do lamentável retrocesso no Processo de Galileu, tais não podem mais ser atribuído à Igreja Católica, e em especial nos últimos dois séculos.  Não tinha conhecimento da participação decisiva de sindicatos ou associação de professores na formação da primeira universidade, mas tal fato não deve diminuir a importância resolutiva, definitiva, dada pela Igreja que instituiu, organizou, investiu e incentivou a maioria das universidades por toda a Europa cristã. Pelo contrário, a partir de então, a ação daqueles me parece algo assessório, perto da decisão tomada por quem podia e quis fazer.

 Infelizmente o mesmo não pôde ser feito no Brasil, mas por motivos distintos, alheios aos interesses da Igreja. Os próprios relatos sobre a expulsão dos Jesuítas, por Marques de Pombal, e a formação da elite política brasileira nos últimos séculos pode explicar, em parte, o atraso cultural e científico brasileiro. Sabemos da influência de maçons, como Pombal e Jose Bonifácio, num movimento de laicismo radical da política, com negação sistemática aos projetos de inculturação da Igreja, inclusive as de caráter científico, já que a maçonaria pregava o positivismo e via neste a única opção de “saber científico” possível, descartando soluções integrativas dos mais diversos campos do conhecimento e mesmo da emergente classe média intelectual brasileira. Tudo para favorecer uma oligarquia canhestra e obtusa sob a fachada da “ordem e do progresso”.

 Na geração seguinte, temos uma exceção filosófica importante neste quadro. Mario Ferreira dos Santos (1907-1968), ironicamente o filho de um marxista, anarquista e agnóstico, que foi educado por jesuítas, desenvolveu uma notável Filosofia Concreta, cristã, em base metafísica, sem desconsiderar elementos interessantes de Hegel, Nietzsche e Marx. Certamente milhares de outros filósofos e cientistas foram formados no seio das instituições de ensino católico, das mais tradicionais do país, que eu saiba sem maiores limitações oficiais ou oficiosas, pelo menos nos períodos de liberdade (interrompidos por motivos políticos bem conhecidos: ditadura de Vargas, etc.).

 Um expoente filosófico neste inicio de século, inclusive na UnB, foi Chesterton, um jornalista de profissão que se notabilizou justamente por usar seus dotes comunicativos e literários para mostrar como a ortodoxia da Igreja, servindo-se da melhor tradição filosófica e teológica antiga e medieval (filosofia perene), tentou mediar o confronto entre posições radicais idealistas e materialistas e demonstrar, no campo das idéias, como estas viviam inebriadas ora por resultados passageiros das ciências positivistas que atendiam a interesses colonialistas (liberalismo) ora pela reação revolucionária depositada na solução igualitarista ou do romantismo (comunismo e niilismo). Tanto é que a igreja católica, no campo cientifico, incentivou e premiou cientistas inovadores, entre outros, o criador da teoria do Big Bang, ainda na década de 40. No campo social editou encíclicas sociais enfocadas nos direitos do homem e da vida (Rerun Novarum, 1891 e Quadragesimo Anno, 1931) que foram precursoras do vaticano II (a mais social) e, no Brasil, das comunidades eclesiais, ação católica, etc.  Obviamente quando cito ‘Igreja’ me refiro não só à instituição estabelecida, mas também à  hierarquia e à comunidade dos crentes, humana e, como tal, suscetível de erros e desacertos em sua práxis. Então, inevitavelmente, no começo do século XX, podem ter ocorrido abusos, preconceitos contra o marxismo, etc. Entretanto, ocorrências pontuais, locais, não invalidam a conduta universal, pró-ciência e liberdade intelectual, preponderante perante os grandes temas da humanidade.

 Com relação à Bíblia acredito que na mesma não existe qualquer contradição lógica. No episódio de Caim, há engano quando se afirma que Adão tenha tido apenas dois filhos. Consta que tiveram vários filhos e que poderia ter vivido 850 anos. Ninguém é obrigado a acreditar que viveu tanto tempo, afinal existem provas que os escritores da época costumavam enaltecer o grau de sapiência inflacionando o número de anos de vida, o que não necessariamente correspondem ao nosso ano astronômico (do contrário teríamos absurdos como vidas de 2.000, 20.000 anos!). Fazendo uma interpretação serena, torna-se bastante plausível supor que Adão viveu mais que o normal (quem sabe 150 ou 200 anos) e tenha tido dezenas de filhos. Então, obviamente Caim, somente poderia ter se casado com uma de suas inúmeras irmãs. Por coerência, obviamente, preferimos uma versão que estabeleça um ponto decisivo no processo em que o homem efetivamente se tornou racional, consciente, de forma sobrenatural (o sopro do Espírito), talvez 5.000 anos, ou 100.000 anos atrás. Por ocasião do Evento, talvez existissem outras tribos em processo de “evolução”, “prontos” para estabelecer cruzamento com a nobre espécie humana recém criada (do nada? de uma linhagem material biológica “escolhida”?), o que evitaria a degeneração genética. Não se sabe, nem a Bíblia é meio de comprovação de curiosidade científica, seu objetivo é outro. Independente da possibilidade de uma descrição precisa e naturalista deste evento inicial, outros relatos bíblicos indicam claramente uma interferência sobrenatural, perfeitamente possível para Deus, que age como lhe aprouve. Muitas das “contradições” aparentes foram hoje melhor esclarecidas com as descobertas científicas e antropológicas que explicam relatos bíblicos dados por “estranhos”. Segundo Felipe Aquino, apesar de seu poder, provavelmente Deus não negligenciaria sua própria criação, a natureza, mas usa dela para fazer valer sua soberana vontade. É o caso, por exemplo, do maná no deserto, que hoje pode perfeitamente ser interpretado como provindo de um inseto típico da região (já identificado pelos entomologistas) que se alimenta de uma espécie de arbusto (Tamaris mannifera) que prospera no deserto do Sinai e que teria liberado o “pão do céu”, a rigor, uma apreciável massa gelatinosa comestível que “desceu”... de insetos voadores. Por sinal com boas propriedades alimentares...