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quinta-feira, 17 de junho de 2010

Dilma, a sequestradora: mito ou realidade?



Tem sido recorrente a tentativa de estigmatização de Dilma Roussef como sequestradora em decorrência de seus atos de repulsa ao regime militar no Brasil. Não defendo Dilma como a melhor candidata do PT, mas, primeiramente, precisamos ter em mente o momento histórico em que ocorreu o seqüestro do embaixador norte-americano, em 69 (Charles Elbrick). O fato se deu como forma de pressionar o regime militar a libertar 15 políticos esquerdistas, então presos por motivos políticos.

Aquele era um momento em que muitos brasileiros se fechavam para as atrocidades que o regime militar impunha a grande parte da população. Em sua retórica, os partidários do regime alcunharam de subversivos, bandidos e arruaceiros aqueles poucos que se rebelaram em nome da democracia (lembrem-se dos seqüestros e torturas promovidos pelos próprios militares, do buraco econômico no qual o Brasil foi jogado à essa época e do falso crescimento propalado pela imprensa a serviço dos militares, a qual enganou muita gente e continua enganando hoje) e de um país melhor (inclusive para aqueles que não se dispunham a lutar por sua própria liberdade). Esse discurso está, amplamente, retratado no livro 'A verdade sufocada', de autoria de Carlos Alberto Brilhante Ustra, Coronel Reformado do Exército Brasileiro, no qual se esforça por criminalizar os revolucionários anti-militaristas e descriminalizar a própria conduta violenta e desmedida das forças repressivas militares, em uma visão, tipicamente, unilateral e tendenciosa.  Fato é que a violência ocorreu de ambos os lados, mas os movimentos populares contra a ditadura lançaram mão de tal estratégia como último recurso e resposta a uma violência 'a priori' que lhes era imposta.  Não fosse isso, não seriam ouvidos. Não fosse isso, talvez estivéssemos, hoje, como o Coréia do Norte ou a China e a democracia seria apenas um sonho distante.

Curioso como defensores da condenação de Dilma ou Fernando Gabeira e muitos outros, por se oporem a uma ditadura cruel com as ferramentas que tinham à mão (diga-se de passagem, muitas das mesmas utilizadas pelo próprio sistema militar), se mostram prontos a condenar os atuais sistemas de Cuba, Bolívia, Venezuela e de outras ditaduras presentes, mas não se dão conta de que o que havia à época da ditadura militar no Brasil era uma realidade que se rivalizava com  a que vemos nesses países. Em outras palavras, subversivos aos sistemas cubanos, bolivianos e venezuelanos são vistos como heróis por quem condena Dilma, entretanto, subversivos à ditadura militar brasileira são alcunhados, convenientemente, de bandidos, como recurso discursivo que atende a interesses políticos bem definidos. Outra questão falaciosa no discurso dessa linha é o fato de desconsiderarem a realidade política em que ocorreu o seqüestro, equiparando-a à situação atual e equivalendo um seqüestro promovido pelo crime organizado ao seqüestro realizado, exclusivamente, com fins políticos (para melhor entendimento dessa questão, vide NOGUEIRA, Patrícia. O terrorismo transnacional e suas Implicações no cenário internacional. Universitas - Relações Int., Brasília, v. 2, n.2, p. 221-244, jul./dez. 2004). Qual a diferença?! Bem, o crime organizado, em suas ações, visa tão somente um benefício próprio. Um grupo de combate político (que se assemelha a guerrilheiros) busca benefícios para a nação (que é o que define a conduta ética, vide Platão, Aristóteles, Kant e tantos outros teóricos do assunto), em termos políticos, inclusive colocando a prêmio o próprio pescoço em nome de uma maioria que, acomodada, não se preocupa com o bem coletivo, mas somente com seu próprio conforto ou de sua classe. Assim, as duas modalidades de seqüestro, em hipótese alguma, se equivalem do ponto de vista moral ou legal e é isso que se está tentando fazer com semelhante discurso sofista. Inclusive, a anistia concedida aos ‘subversivos’ pelo governo democrático foi um reconhecimento pleno de sua bravura e dos erros cometidos pelo sistema militar, o que, a princípio, deveria isentar Dilma Roussef, Fernando Gabeira ou mesmo FHC (para aqueles que não se lembram, nosso ex-presidente, em seus tempos áureos, foi um adversário inflamado da ideologia do regime militar, transformando-se em um dos líderes de uma intelectualidade interessada em se desfazer da tutela militar, preservando o pluralismo interno; vide GARCIA JR, Afrânio. A dependência da política: Fernando Henrique Cardoso e a sociologia no Brasil. Rev. Tempo Soc., vol.16, no.1, São Paulo, Junho 2004) de serem acusados de bandidagem.

Quanto à dúvida de quem representará o Brasil em reuniões nos EUA e outros onze países associados, nos quais Dilma foi condenada como sequestradora e, portanto, estaria impedida de entrar livremente - outro elemento recorrente no discurso presentemente criticado -, é simples responder: nenhum país irá se indispor com outro nesse nível se interesses político-econômicos mútuos estiverem em jogo, além disso, existem acordos multilaterais e imunidade diplomática, justamente, para facilitar a superação de casos como esse. Assim, é de uma ingenuidade absurda achar que isso colocaria empecilho às negociações brasileiras no exterior ou que levaria Dilma a ser afastada do cargo. Os casos de países periféricos, nos quais os presidentes perderam seu cargo em situação semelhante, ocorreram, justamente, pelo fato de que tais países não possuíam o poder de barganha e a importância político-econômica que o Brasil possui hoje no cenário internacional, isso conta e muito! Além disso, cabe ressaltar a realidade político-econômica mundial atual. Em um mundo globalizado e que sofre uma gradativa despolarização econômica e política como a que vivemos hoje, o imperialismo dos países centrais está enfraquecendo, o que limita sua capacidade de impor sanções e restrições e de interferir na política interna dos países periféricos. Assim, quem representará o Brasil em negociações no exterior, será sim Dilma (com 100% de certeza), caso ela seja eleita. Discursos contrários não passam de tentativas infrutíferas de converter os mais desavisados e ingênuos à causa neoliberal elitista. Se não querem votar em Dilma, arranjem outra justificativa que não o mito da seqüestradora!!!

Reflitam sobre isso!