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quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O mito de Sophia


De Sophia, a mãe celestial de todas as coisas vivas, filha do Ser Inefável, nasceu aquele que se tornaria o formador e regente do sistema da criação material. Ela sentiu grande tristeza e angustia quando o gerou, pois estava sozinha em um abismo de trevas e sua luz tinha diminuído. Sophia viu que seu descendente era capaz de mudar de forma. Ela se arrependeu de ter gerado um ser em sua solidão e o chamou Yaldabaoth, a “Ignorância-cega”.

Yaldabaoth (Chronos – e não Cronos, o Titã - para os gregos) foi para o caos e, para aprisionar as partículas divinas emanadas de sua mãe, ao acasalar-se com o daemonium Nebruel (Anaké, para os gregos), elaborou um sistema de criação que era de seu agrado, e dentro dele, gerou doze autoridades, sete regentes do firmamento e cinco regentes do abismo. O Criador (Yaldabaoth, Samael, Yahweh ou IHVH – Iodh Hei Vau Hei-, entre outros) e sua hoste (os regentes ou arcontes) mesclaram, então, luz e trevas, para que as trevas parecessem radiantes e, assim, iludissem os olhos. Essa mescla de trevas e luz resultou num mundo imperfeito e fraco, pois as trevas impediram-no de desenvolver um exército de luz, que poderia protege-lo.

Assim, Yaldabaoth permaneceu no centro do sistema do mundo que ele formara, e se tornou arrogante em seu orgulho, exclamando: “Eu sou Deus e não há outro Deus além de mim!” Dessa forma, ele demonstrou sua ignorância agora do verdadeiro caráter do ser, bem como seu orgulho, pois negou até sua própria mãe. Sophia, no entanto, olhou para ele das alturas e exclamou em voz alta: “proferistes uma falsidade ó Samael!” Foi assim que ele recebeu o nome que o tornara o senhor cego da morte (Samael), e então Sophia o chamou também de Saclas, com o que afirmava a tolice dele.

Sophia, porém, sabendo que sua descendência gerara uma criação a partir de sua própria imagem defeituosa, decidiu ajudar secretamente a luz que estava presente no mundo. Desceu de sua habitação e veio para perto da terra, movendo-se de lá para cá sobre ela, assim outorgando sua sabedoria e amor ao sistema que o tolo criador desenvolvera. Os regentes pensaram que eles, sozinhos, tinham criado e ordenado o mundo, mas o espírito de Sophia contribuiu secretamente para colocar esplêndidos padrões arquetípicos na trama do trabalho deles. Foi quando viram, então, uma grande maravilha que apareceu nos céus: um anjo (Espírito Santo) com a forma de um homem, de visão majestosa e gloriosa. O Demiurgo Yaldabaoth e sua hoste tremeram e as bases do abismo sacudiram-se e as águas agitaram-se em terror sobre a terra. Tão grande era o brilho do arquétipo humano celestial que apareceu no céu que os regentes foram por ele cegados e não puderam agüentar seu poder. Desviaram os olhos e fixaram o reflexo da forma do homem, conforme essa aparecia nas águas abaixo.

Todos os regentes e seus servos, invejosos, correram para perto e, juntando seus poderes, fizeram uma réplica da imagem do homem celestial, mas seu trabalho era defeituoso e fraco, porque a força de Sophia não se encontrava ali. O homem falsificado era estúpido e insensato e se arrastava pela terra como um verme. Sophia, então, enviou vários mensageiros da luz e eles, secretamente, penetraram na mente de Yaldabaoth, fazendo-o respirar sobre a lamentável criatura, desse modo infundindo-lhe vida divina. O Demiurgo pensou que era ele quem tinha dotado o homem de luz, mas, na realidade, foi sua mãe Sophia quem deu à humanidade a verdadeira vida. E o homem ficou de pé, caminhou e foi circundado por uma luz não terrestre.

Yaldabaoth e sua hoste reconheceram que o homem era, de fato, um ser cujo poder espiritual e inteligência excediam o seu próprio. Cheios de inveja e raiva, eles atacaram o homem cujo nome era Adão e o lançaram em uma escura região da matéria, para lá definhar em tristeza e privação. Sophia, entretanto, em cooperação com os mais altos poderes da plenitude, enviou a Adão um auxiliar, para instruí-lo e assisti-lo com sabedoria e força espiritual. Esse auxiliar era uma mulher, conhecida como Eva, mas cujo verdadeiro nome é Zoe, que significa vida (a filha de Pistis-Sophia). O sábio espírito feminino penetrou em Adão e ficou escondido aí, para que os regentes não percebessem a sua presença.

Os regentes, então, conspiraram e elaboraram um plano no qual esperavam que o homem poderia cair, e permanecer cativo de seus desígnios. Eles criaram um jardim, cheio de belezas e delícias da terra, e colocaram Adão no meio dele, fornecendo-lhe todo o tipo de objeto agradável que pudesse desejar. Então eles mandaram Adão comer, pois o alimento do jardim é amargo e sua beleza é perversão, sua delícia é engano e suas árvores são iniqüidade, seu fruto é veneno incurável e sua promessa é morte.

As belezas e os prazeres oferecidos eram enganosos, corruptos e planejados para mantê-lo cativo dos regentes, sem vontade ou vida própria. Havia, também no jardim, uma outra árvore, mas eles proibiram Adão de tocar ou de comer do seu fruto. Eles o enganaram a respeito da árvore, lhe dizendo que sua raiz é amarga e seus ramos são morte, sua sombra é ódio e em sua folhagem está o engano, seu suco é o ungüento da perversidade, seu fruto é mortal e sua seiva é a cobiça; e que ela germina das trevas. Mas essa árvore era, na verdade, a inteligência-luz, a sabedoria. E dizendo tais coisas sobre ela, eles impediram Adão de ver sua plenitude e conhecer a Verdade, fazendo-o ficar preso naquilo que era realmente ruim, mas que diziam a Adão ser bom.

Mais uma vez Sophia e os poderes celestiais (na forma de uma serpente) foram em socorro de Adão e o instruíram a comer o fruto daquela árvore e desafiar o regente e seus anjos tirânicos. Ao mesmo tempo, a mulher nasceu de Adão, mas o chefe dos regentes a reconheceu como tendo a luz de Sophia e enfureceu-se. Ele a perseguiu por todo o jardim e, tendo-a subjugado, violentou-a e ela concebeu dois filhos dele, Caim e Abel. Porém, o espírito brilhante de sabedoria que habitava em Eva escapou e, assim, apenas seu aspecto humano foi violentado e não Zoe, o espírito vivo. Caim tornou-se mestre da terra e da água e dele descendem os homens e mulheres com inclinação para a matéria, ao passo que Abel comandou o ar e o fogo e se tornou o pai dos seres humanos que valorizam a alma e a mente. Mas Caim matou Abel e Adão percebeu o que o regente tirânico tinha feito e, tendo gerado um filho, Seth, com inclinações espirituais, ele se tornou pai daqueles que aspiram pelo conhecimento supremo (Gnosis) e por uma união com o Espírito.

Os anjos tirânicos, então, observaram, enfurecidos, que a humanidade seguia seu curso e não iria permanecer no paraíso dos tolos, onde queriam mantê-los cativos. O chefe dos regentes amaldiçoou então, toda a humanidade, especialmente a mulher. Entretanto, Eva deu à luz uma filha, chamada Norea, plena de sabedoria divina, que permaneceu na terra por muito tempo como uma ajudante da humanidade, porque era sábia e conhecia os esquemas e más obras dos anjos tirânicos.

Enquanto isso, os homens se multiplicaram, instruídos por Seth e Norea, muitos se voltaram ao conhecimento supremo, divino, assim, os regentes ficaram com poucos homens e mulheres que os aceitavam como deuses e seguiam suas leis. Furiosos, desejaram destruir a humanidade, então resolveram provocar um dilúvio. Norea, vendo o que eles iam fazer, instruiu um de seus filhos, Noé, para que ele construísse uma arca onde todos os puros pudessem ser salvos. Então ele, instruído por sua mãe, assim o fez.

Os anjos maus, então, assaltaram Norea, desejando violá-la com tinham feito com Eva, sua mãe, mas um grande anjo de luz chamado Eleleth a resgatou e lhe deu forças para continuar sua missão. Assim, com a ajuda de Norea, a partir de seu filho Noé, o esquema dos anjos tirânicos foi frustrado e a humanidade preservada.

Desde então, Yaldabaoth e seus anjos buscam dominar a raça humana, mesclando sua essência com a humanidade, corrompendo mulheres humanas, gerando, com elas, filhos imperfeitos. Assim, a humanidade tem vivido em conflito e divisão, pois o chefe dos regentes nela semeou cólera. A verdadeira sabedoria tornou-se rara e os filhos dos homens aprenderam coisas inúteis e mortas, seu conhecimento tornou-se mundano e corrupto. Repetidamente os regentes se reúnem para planejar o aprisionamento daqueles que não querem servi-los. Mascaram-se como mensageiros da luz, ou mesmo como o próprio Divino Inefável, exigindo obediência e adoração, iludindo profetas e videntes, elaborando leis e mandamentos, com os quais possam constranger os filhos dos homens. Mesmo assim a raça humana nunca foi deixada em abandono, Sophia nunca deixou de lutar por seus filhos, tendo depositado em todos os homens e mulheres, também, a sua luz e enviado em seu socorro seu mais iluminado mensageiro, Christós que, assumindo sua forma humana, Yehoshua (ou Yeshu), disseminou luz e sabedoria entre os homens, para que estes pudessem alcançar o Pleroma (Paraíso, Eternidade, Absoluto) e se libertar de Yaldabaoth.

(Mito gnóstico – autor desconhecido)