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domingo, 15 de março de 2015

"Fora Dilma!"...Hãã...mas por que mesmo?!

Walner Mamede

[Leiam na íntegra, antes de qualquer crítica, sob o risco de o texto ser mal interpretado]

As manifestações de hoje (15/03) são quase uma repetição do que ocorreu com os 'Caras Pintadas' em inícios dos anos 90. À época, o povo (uma maioria de estudantes) foi às ruas pedir o impeachment do Collor. Contudo, tudo não passou de um teatro arquitetado por grupos da elite econômica, com o apoio de grupos políticos interessados na derrocada do então presidente. Não que ele não merecesse, mas o fato é que o movimento popular, por si, pouco teve a ver com o processo, seus integrantes foram mera massa de manobra, atores coadjuvantes, pois um impeachment depende de denúncia junto à Câmara dos Deputados (o que qualquer cidadão pode fazer) e de apoio de dois terços do Senado, frente a um flagrante ato criminoso ou inconstitucional do governante. Isso já estava decidido em gabinete à época, mas era necessária uma legitimação social para que o Congresso se visse empoderado e tomasse uma decisão que, a rigor, deveria ser tomada à revelia do apoio popular declarado, já que se tratava do bem comum. Em casos assim, tipificado o ilícito ou inconstitucional, uma intervenção do Congresso deveria ocorrer, mesmo que à revelia do povo, que muitas vezes não possui as informações necessárias para julgar. Mas aí surgem alguns problemas: a baixa representatividade política de nossos eleitos (a esse respeito veja http://walnermamede.blogspot.com.br/2015/01/por-que-nao-ha-sentimento-de.html), sua ética questionável e sua tendência a se mover com vistas em um novo mandato, ainda que isso signifique não agir em nome do bem comum. Nesse cenário, é mais que compreensível (mas não justificável) que a superação da inércia política apenas se dê à custa de legitimação popular e, para se conseguir isso, há uma corrida aos mais pomposos, incongruentes e manipuladores discursos que possam haver. A participação popular à época não foi um exercício da democracia, como parece a uma primeira vista ao senso comum, mas, justamente, um reflexo de sua ausência, caracterizada pela ilegitimidade política de nossos eleitos, os quais necessitam, a todo momento, reafirmar sua condição e representatividade 'a posteriori' das eleições, já que saem do palanque para o Congresso à custa de discursos eleitoreiros e populistas que são incapazes de constituir uma base eleitoral consistente, comprometida com o bem comum e com as decisões políticas de seus escolhidos nas urnas. Pra isso serviu o "Movimento dos Caras Pintadas", um termômetro para que nossos representantes políticos pudessem se garantir de que receberiam votos para uma próxima eleição. Se o apoio popular não tivesse ocorrido, ainda que o ilícito e o inconstitucional nas ações de Collor tivessem sido tipificados, eles se manteriam inertes e coniventes. Entretanto, sabemos que a superação na inércia não se deu em nome do bem comum, como é praxe no Brasil, esse foi apenas o discurso conveniente para legitimar interesses privados à custa do povo. O que ocorre agora possui algumas semelhanças. Não são os interesses com o bem comum que motivam o movimento "Fora Dilma". Qualquer um com um mínimo de conhecimento político e histórico percebe isso (espero!). Os interesses privados estão (e sempre estiveram) à frente. Um grupo político interessado no poder e se sentindo prejudicado em suas próprias negociatas articularam todo o movimento e o povo, mais uma vez, se apresenta como massa de manobra, gado, ator coadjuvante no processo sem, sequer, perceber que o discurso de impeachment é infundado, pois, diferentemente de Collor, não há ilícito ou inconstitucionalidade nos atos de Dilma, por mais que sua administração esteja sendo um desastre e que a corrupção esteja "vazando pelo ladrão"! Não faço sua defesa e muito menos do PT. Apenas evoco um pouco de clareza e conhecimento de causa dos muitos amigos que têm propalado a ideia de impeachment. O movimento pode ser válido por outros motivos, tais como, expressão de insatisfação, pressão política para mudança de rumos, enrijecimento das investigações e punição de corruptos, retomada dos princípios basilares que fundaram o PT ou mesmo substituição da política de esquerda por políticas de direita, como querem alguns (e nesse saco existe farinha dos dois tipos, brigando por coisas diferentes a partir de um mesmo discurso, sem se dar conta! kkk). O problema com movimentos como esse é que, ao contrário do que ouvi recentemente, ele não possibilita a conscientização política em longo prazo, pois as causas e interesses em jogo não estão, propositadamente, claros e as pessoas apenas seguem a onda, ainda que se auto-declarem conscientes do que fazem. Se se deixam ser manipuladas aqui e agora, não há razão nenhuma para eu acreditar que não o serão no futuro, por ideologias diversas ou confusas implementadas por grupos advogando em causa própria e tendo o povo como "bucha de canhão". A mera participação nas ruas, empunhando bandeiras em momentos pontuais não faz do indivíduo um ativista político, mas uma ferramenta do sistema para sua reprodução, ainda que crie a ilusão da revolução. A verdadeira revolução se faz, sim, com a ação, mas, sobretudo, com conhecimento capaz de qualificar a ação e lhe dotar de verdadeiro sentido político (e aqui faço menção ao sentido pré-socrático de que trata Hannah Arendt). Consequências toda ação traz, mas serão elas as consequências que ensejamos quando sequer temos clareza sobre os princípios que regem nossos atos e os limites de seu alcance?! Tenho comigo que não e de nada adianta contar com a contingência dos atos, pois isso apenas cria um sentimento de civismo e de dever cumprido que nada resultam senão em uma falsa revolução e numa reafirmação do estado atual das coisas, ainda que travestidas com indumentária reformista.