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sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Esquerda x Direita: um debate sem a necessária profundidade teórica





Walner Mamede

 

 Como bem coloca um amigo, tal afirmação (encabeçada no título e expressa na ilustração acima) precisa ser inserida no contexto do debate entre pensadores de ambos os lados, não entre simpatizantes vazios de conteúdo e, igualmente, esbravejadores verborrágicos vociferantes, independentemente do lado que estejam. Nesse contexto, dando o exemplo e a munição a seus simpatizantes, os argumentos da direita tendem a se mirar por um referencial raso, propagandístico, apoiado nos valores reacionários do capital, sem a profundidade teórica necessária e sem o compromisso social indispensável à superação das mazelas no Brasil. E, aos antipetistas de plantão, isso NÃO SE CONFUNDE com uma defesa do PT, que se distanciou há muito dos princípios esquerdistas basilares, sendo aos poucos cooptado pela direita, razão de seu fracasso e de sua perda de legitimidade. Infelizmente, graças à pouca profundidade teórica dos simpatizantes, as correntes subterrâneas que produziram tal fracasso não são percebidas e eles se deixam levar pela direita, que se vale do fiasco petista para atacar toda a ideologia da esquerda em frases como "aí, ó o que a esquerda tem pra oferecer...o PT...olha a m&$#@ que eles fazem...a esquerda está destruindo o Brasil..." e como solução apontam a si próprios, os verdadeiros responsáveis históricos pelas mazelas!!! É uma grande piada de mau gosto!!!

As afirmações de que os ideais socialistas da esquerda são um grande fracasso, apontando Cuba e URSS como exemplos, não dão conta do intento. John Dewey, eminente filósofo da direita norte americana, de inícios do seculo XX, que se debruçava sobre temas como educação e democracia, era enfático ao afirmar q o ideal de democracia jamais havia se concretizado de fato e que os regimes democráticos que conhecíamos eram mero arremedo da ideia de democracia. Curioso é que nunca vimos essas mesmas pessoas, que desprezam a teoria em nome de um pragmatismo capenga, ao negarem o Socialismo, negando a democracia a partir de seu fracasso fora do plano da ideias. Elas mesmas nunca se furtam a tentar superar as limitações concretas do regime democrático em busca dos seus pressupostos teóricos. Isso se dá, simplesmente, porque acreditam que a democracia é o melhor regime (e não estou, aqui, dizendo que é). O que quero dizer é: o caso concreto nunca é suficiente para se negar ou se afirmar definitivamente um ideal ou uma teoria, serve apenas para que a coloquemos em suspense (epoké) ou a aceitemos com parcimônia. Esse é um princípio da razão e deve ser colocado em pratica, inclusive, ao discutirmos os ideais da esquerda. Poder-se-ia alegar o mesmo sobre os ideais da direita, não fossem esses tão polissêmicos, dado que instigam o individualismo, e contrários ao bem coletivo (claro, se o que se almeja é o bem coletivo!), dado que pregam, no extremo, a anulação do Estado, instância maior garantidora do bem comum, a despeito da ausência de lucro.

A ideia de que quanto menos o Estado se meter, melhor para o país e para o povo é um equívoco se tratada de forma universal e anacrônica. O contexto, no qual os ícones desse modelo político-econômico se constituíram (nomeadamente, o G8), era bem outro e já mostrou indícios de grande fragilidade quando bancos norte-americanos necessitaram recorrer ao Estado para não irem à bancarrota e levarem com eles metade do mundo. Outro indicador da falência desse modelo é a grande necessidade de cooperação internacional exigida por um mundo de economia globalizada e com necessidades de autossustentabilidade, no qual o percurso depredatório e imperialista não figura mais como alternativa viável. Para países como o Brasil, que sempre estiveram à sombra do imperialismo norte-americano, de forma mais direta, e dos demais ditos de primeiro mundo, de forma menos direta, a solução não é copiar o modelo político-econômico do pós-guerra, filosoficamente, comprometido com os ideais neoliberais de enxugamento radical do Estado, com sua omissão, especialmente, em questões econômicas. O contexto atual não permite isso e seria a reprodução irrefletida de algo que o Brasil sempre fez e que sempre o impediu de construir sua autonomia: copiar e importar modelos alienígenas ao seu contexto.

Precisamos ter em mente alguns pressupostos de constituição do Estado. Toda a atividade econômica que exercemos e dizemos, com orgulho, pertencerem ao campo privado, foi no passado, em alguma medida, competência do Estado. As exercemos por pura delegação estatal, por uma desestatização gradual e histórica dessas funções, em nome da eficiência (uma das formas de se fazer isso é a privatização). Mas para o alcance de uma eficiência de fato e não apenas hipotética, a toda conduta de desestatização deve corresponder igual conduta de controle, por meio de instrumentos normativos, legais e administrativos (planejamento, monitoramento, avaliações, premiações, punições, repressões...) que garantam o bem comum em detrimento da benesse a grupos ou indivíduos: a lógica da desestatização é, portanto, o bem comum, o Estado se afasta, mas não se omite! Mas, para isso, o Estado precisa ser forte em seus instrumentos de controle e possuir o apoio popular que lhe garanta legitimidade em suas decisões. Uma coisa que o Estado brasileiro nunca foi é "forte" e "legítimo" (por diversos motivos, que vão desde o modelo colonizatório, até o perfil político atual: veja-se "Por que não há sentimento de legitimidade da representação política no Brasil?" em http://walnermamede.blogspot.com.br/2015_01_01_archive.html) e, além disso, seus instrumentos de controle sempre foram e são medíocres e frágeis, sequer a cultura do planejamento e avaliação fazem parte da conduta sistemática das nossas instituições brasileiras. Assim, como querer delegar funções do Estado, sem condições de cobrar por elas?

Nesse cenário, a grande massa de trabalhadores é que paga o pato, sem a tutela estatal. Apesar das Agências de Controle criadas na era FHC, elas restaram falidas quanto a tais objetivos e nada controlam de fato, perdendo sua autonomia administrativa às custas do jogo político, o que comprometeu o equilíbrio de forças no projeto privatista psdbista, mas não os dissuadiu de continuarem tentando (veja-se o privilégio dado às faculdades privadas em toda a década de 90 e a atrocidade que nosso querido (des)Governador está implementando no SUS e na Educação de Goiás, por meio de suas privatizações descontroladas!). Privatizações dessa natureza nada têm a ver com aquelas que ocorreram nos EUA, as condições materiais, objetivas, políticas e ideológicas são outras. Contudo, as diferenças são deixadas de lado em detrimento das (parcas e insustentáveis) semelhanças, produzindo um aparente futuro sucesso social de tais medidas, quando, na verdade, está-se privilegiando apenas a concentração de rendas.

Nesse ponto, sempre surge a afirmação "o Estado deve se ocupar das questões que lhes são próprias, como Saúde, Educação e Segurança" (algo, inclusive, desprezado pelas práticas privatistas, que se valem das OS's para gerenciar escolas públicas e redes de hospitais do SUS). Enche-se o peito para vociferar tal enunciado, com ares de quem tem a solução dos problemas brasileiros, ali, na ponta língua! Mas, aí, eu pergunto: você consegue definir cada um desses domínios?; "saúde" na concepção estrita ou ampliada?; de qual "segurança" estamos falando: do carro que não deve ser roubado ou ter seu eixo quebrado por buracos na rua, da segurança alimentar, da segurança intelectual, da segurança jurídica, da segurança do mercado, do consumidor, do empresário?; e a "educação", sobre qual de seus aspectos o Estado deve intervir?; o Estado deve suspender o direito de existência das escolas privadas?. E por aí vão os questionamentos possíveis que demonstram a irredutibilidade do Estado e do debate a essas três dimensões, aparentemente, simples e, equivocadamente, isoladas de um contexto mais geral. Por isso, entre inúmeras outras questões, é que, apesar do PT (ao qual não faço defesa), ainda milito por pressupostos de uma sociedade socialista e de esquerda e não consigo vislumbrar na direita uma solução para os problemas que assolam o mundo atual.