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sábado, 31 de dezembro de 2016

O ano em que os imbecis venceram

*Mais um texto que, mesmo não sendo de minha autoria, considero ser de leitura importante, pela maestria de suas letras. Divirtam-se e feliz ano novo...se é que podemos nos permitir esse sonho!


por Moisés Mendes (jornalista)

Em 1944, quando os nazistas deixaram a França, depois de mais de quatro anos de ocupação, perguntaram ao cineasta Jean Renoir como ele definiria aquele período. Renoir, que havia fugido do nazismo para os Estados Unidos, disse que muitos poderiam ver os franceses mais acovardados, mais amedrontados ou mais brutalizados. Mas ele, olhando de longe, achava que os franceses estavam mesmo mais imbecis pela ação ou omissão de intelectuais, jornalistas e artistas.
Daqui a alguns anos, poderemos fazer a mesma pergunta, não aos outros, mas a nós mesmos, sobre o período que chegou ao auge em 2016 no Brasil e que ninguém sabe quanto tempo poderá durar. Por antecipação, dá para dizer que nos prepararam nos últimos anos para que sejamos todos imbecis. E que a imprensa tem papel decisivo nessa empreitada.
Na França, as perguntas incômodas com o fim da ocupação eram estas: o que se faz agora para entender o colaboracionismo? Como olhar para os que atenderam aos apelos dos nazistas para que colaborassem com a imposição de seu domínio? Os franceses chegaram a planejar julgamentos, mas desistiram. Não haveria, em muitas circunstâncias, como separar omissão, silêncio, distanciamento ou apoio declarado aos que ocuparam o país, perseguiram e mataram.
Quem colaborou ou se calou – e muitos da imprensa, da universidade e das artes fizeram isso – teve o argumento de que não havia, como admitiu Sartre, como fazer parte da resistência declarada sem ao mesmo tempo condenar-se à morte. No Brasil pós-golpe de 64, sem querer comparar contextos e circunstâncias, um argumento semelhante foi usado pelos que se aliaram à ditadura.
Havia na França ocupada pelo nazismo e no Brasil tomado pelos militares nos anos 1960 a imposição da força e do terror fardado. Os que se aliaram ou colaboraram têm esse pretexto, inclusive a imprensa. Poucos dos que sobreviveram, lá e aqui, perfilados com os regimes no poder, admitiram depois que emporcalharam a própria reputação e as reputações e a vida de parentes e amigos. Adesistas não cedem com facilidade à tentação de serem sinceros e honestos consigo mesmos e com os que os rodeiam.
Mas o Brasil das exceções de 2016, do golpe e da ascensão de um governo ilegítimo não está sob ameaça de nenhuma força militar. O ano de 2016 pode ter nos deixado mais imbecis por uma sequência de desatinos levados adiante com naturalidade.
Não há nazistas e militares a fazer ameaças. Políticos, empresários, procuradores, juízes, jornalistas e outros que ainda contribuem para a imbecilização do país não sofreram nenhum constrangimento da força para aderir ao projeto de produzir idiotas. A linha de montagem da imbecilidade é civil.
Mas quem irá se arrepender da contribuição ao projeto para que o país seja idiotizado? Quem bateu panelas sabe hoje o que de fato pretendia? Ou seguiu um pato pela Avenida Paulista? Ou apoiou Janaína Paschoal, ou aplaudiu Lobão, ou considerou a hipótese de que a democracia poderia (como ainda pode) ser trocada por uma eleição indireta?
Qual é a dimensão do drama pessoal do ex-presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, que presidiu as sessões do Senado em que foi decidida a cassação do mandato de Dilma Rousseff? Que força jurídica inquestionável e superior determinou que o chefe da mais alta Corte do país se submetesse aos ritos e às vontades de um Congresso corrupto e golpista? Por que Lewandowski não se indispôs com a liturgia da farsa e não se declarou impedido de levar adiante o processo do golpe?
Por que o país foi conivente até agora com as agressões do deputado Bolsonaro às mulheres? Quem um dia irá se arrepender (em especial os liberais brasileiros) de ter sido silencioso diante dos excessos da Lava-Jato? Com a transformação da prisão preventiva em masmorra desmoralizadora de candidatos a delator? Com o recorde de processos (cinco), decididos em tempos recordes, contra o ex-presidente Lula? Com a vergonhosa impunidade dos corruptos tucanos.
O Brasil ficou mais imbecil em 2016 porque muitos colaboraram com os que articularam as ações de desqualificação da política, de esvaziamento das eleições e de destruição das conquistas da Constituição de 1988. E não há nada, como havia no nazismo e havia na ditadura, não há nenhuma força excepcional que justifique omissões, acovardamentos e colaborações com o golpe e com a sequência de fatos que o consolidam.
O jornalismo estará um dia diante do que lhe cabe no balanço final do processo de imbecilização do país. Na cumplicidade com a manutenção de Eduardo Cunha até a execução do golpe. Nos aplausos ao homem do Jaburu usurpador do cargo de presidente. Na concordância com os desvios de conduta do juiz Sergio Moro. Na participação no processo de seleção de vazamentos que ajudaram a idiotizar desinformados e a empoderar golpistas.
O jornalismo imbecilizador não estava, como estiveram os que enfrentaram o nazismo e a ditadura, sob nenhuma pressão insuportável. Desta vez, a imprensa brasileira contribuiu por conta e risco para a transformação de 2016 no ano da idiotia. A imprensa foi uma das idealizadoras e executoras do projeto de destruição das esquerdas e da democracia e de preservação de todos os envolvidos no golpismo.
Não precisamos esperar que um dia alguém nos diga que em 2016 o jornalismo dito ‘independente’ foi protagonista do plano de imbecilizar o Brasil. E o projeto em curso ainda está longe do que foi idealizado com a ajuda de jornalistas que deveriam denunciá-lo e destruí-lo.

Educação e Ciência: não basta o investimento financeiro

Walner Mamede

Venho ouvindo, particularmente, nos últimos meses, que há necessidade de investimento financeiro na Educação, deixada à margem das políticas monetárias brasileiras, residindo aí suas mazelas e os motivos pelos quais templos religiosos agremiam mais defensores e têm maior prestígio que escolas. A verba para educação, ciência e tecnologia aumentou exponencialmente na gestão petista (apesar de todos o erros desse governo)! As universidades publicas foram regiamente compensadas pelo descaso tucano. Na Capes e no CNPq abundavam bolsas, a ponto de só serem negadas aos projetos verdadeiramente ruins e não por excesso de demanda. Não é o simples investimento público q vai fazer com que o brasileiro deixe de supervalorizar templos religiosos (e outras instituições humanas menos enriquecedoras do conhecimento científico) e passe a produzir conhecimento inovador, criativo e de impacto mundial, mas a cultura brasileira, a forma de cada cidadão perceber a educação, cada professor, cada aluno. A despeito de qqer investimento financeiro realizado pelo Estado, nada surtirá efeito se nós não modificarmos a forma de vermos e aplicarmos o processo didático em cada sala de aula e nossa relação com o conhecimento e a atitude científica. Nossos alunos precisam aprender a criar e recriar e não apenas a copiar, reproduzir! Infelizmente, o brasileiro possui uma cultura científica medíocre, uma cultura de massa medíocre, em decorrência de uma mente medíocre, subalternizada e escrava da mídia idiotizante a serviço de uma política antidemocrática dissimulada (a maioria de nossos cidadãos e, pasme, de nossos políticos sequer têm consciência disso!). O Brasil nasceu condenado a uma existência pífia, kitsch, subalterna e nesses 500 anos de existência nada fez para provar o contrário. Somos um povo ignóbil e medíocre, a despeito do ufanismo midiático. O espírito acolhedor, os corpos sarados e bonitos, a cultura divertida e diversificada nada são além de elementos de manipulação, ouro de tolo, isca de mosca que nos atraem, nos prendem e nos impedem de ver o que realmente importa para o país, para a nação, dissipando esforços na promoção do futebol, da música de qualidade duvidosa, da arte sem conotação crítica, das novelas e filmes de enredo fácil, previsível e pobre, da filosofia de butekim, das bundas sacolejantes, peitos turbinados e cabeças vazias. Elementos que pouco ou nada contribuem para a formação de um cidadão verdadeiramente capaz de olhar com reservas e críticas contundentes e fundamentadas o mundo a seu redor. Esse é o Brasil de ontem, hoje e, tristemente, o de amanhã, dados os últimos acontecimentos deste 2016 que se encerra hoje. O que vivenciamos com o impeachment foi a mais cabal expressão da mediocridade intelectual e cultural e da ignorância política e histórica de um povo

sábado, 24 de dezembro de 2016

Reflexões natalinas a caminho de um ano novo cheio de velhos vícios


Walner Mamede

Amigos, em tempos de Ano Novo e renovação dos votos de felicidade e esperança, vamos refletir um pouco? Já pararam para pensar sobre como algumas decisões parlamentares, como uma Proposta de Emenda Constitucional (e, aqui, me refiro à PEC 55), ainda que possuindo ampla rejeição popular e de parte de indivíduos do próprio Legislativo e Judiciário, estão conseguindo se materializar como fato em nosso Parlamento? Você conhece um número significativo ou mesmo um número reduzido de pessoas que apoiem, por exemplo, esta Emenda? Com tamanha rejeição, não seria o caso de o Congresso colocar o pé no freio e reconsiderar sua votação, como a de outros projetos igualmente impopulares e contrários ao bem coletivo? Não é o Congresso o representante máximo da vontade popular em um regime democrático? Se não estão representando a vontade da maioria, a quem estão respondendo?! Conseguem imaginar as consequências disso para além dos resultados da própria PEC 55? Um Congresso alheio ao apelo popular, que se orienta por seus próprios interesses e que sairá empoderado em suas estratégias antidemocráticas terá corrompido (e já vem corrompendo), completamente, qualquer premissa da democracia! Vivemos ainda em um país democrático ou nossas estruturas, aparentemente, democráticas apenas se prestam para legitimar interesses de uma minoria? A democracia atual é a expressão das necessidades da maioria ou é expressão da força de uma minoria hábil na arte de distorcer a realidade, manipular informações, manobrar massas de adoradores ignóbeis e impor, sorrateiramente, suas próprias necessidades como uma alternativa para a solução de problemas coletivos? Pra mim, o que vivemos hoje se assemelha ao que Nietzsche já afirmou sobre a adoção de valores do senhor pelo escravo como se dele fossem. Por outro lado, se assemelha, também, à adoção da estratégia de desvios (translação) apontada por Latour e que leva um ator a adotar soluções alternativas trazidas por outro ator, como se essas fossem um ponto de passagem para a solução de suas próprias necessidades. É possível que esta seja a origem genealógica de uma renovada moral do ressentimento tão bem descrita por Nietzsche e que vejo despontar entre diferentes coletivos sociais, uns em relação aos outros? Talvez possamos garimpar, na Filosofia, Sociologia e Antropologia, diversos autores que falem similaridades e todos apontarão para um ponto em comum: a habilidade de engabelar, manipular, conduzir e ludibriar os menos capazes na arte do pensamento e de arregimentar aliados em torno de interesses, aparentemente, comuns. Observem se essa não é a habilidade principal dos políticos em nosso Brasil, um dia, quiçá, Varonil!!! São essas minhas reflexões sobre o ano que finda e proponho que as levemos para o ano que se aproxima, a fim de que tenhamos, a partir de 2017, a possibilidade de construir, no futuro, um ano verdadeiramente feliz e possamos viver com convicção um


FELIZ ANO NOVO!!!

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Um golpe muito bem orquestrado - Parte 2


Ainda no espírito de publicar, literalmente, aquilo que considero não ser possível parafrasear ou melhorar, segue o texto abaixo:


TEMER ou O TRIUNFO DA MEDIOCRIDADE 
Por Luis Felipe Miguel (UnB) no Blog Demodê

Temer Burns

 

Ouso dizer que, de todos os governantes brasileiros desde o fim do regime militar, Michel Temer é o mais desprovido de qualidades. Alguns pensarão em Fernando Collor, mas Collor era, quando se elegeu presidente em 1989, um jovem aventureiro audaz. Temer, não. Temer fez uma longa e laboriosa carreira na mediocridade. Tem mais de trinta anos de vida pública e não há quem possa acusá-lo de ter dado uma contribuição, por menor que seja, a qualquer debate sobre qualquer questão nacional.
O primeiro cargo relevante que ocupou foi a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, em 1984. Recentemente, no seu ensaiado chilique de macheza, ele bateu na mesa e disse que, graças a essa experiência, tinha aprendido a conversar com bandido. Se é verdade, foi o único fruto de sua passagem pelo cargo. A gestão Temer não apresentou nenhum resultado no combate à criminalidade, na qualificação da polícia, em nada. Uma leitura dos relatos da época mostra que o que Temer fez foi aprender a ser Temer: uma preocupação central de sua gestão foi preparar sua candidatura a deputado federal (nas eleições de 1986). Não conseguiu se eleger, o que é uma constante: Temer gosta do poder, mas o voto popular não gosta de Temer.
Suplente, assumiu o posto de deputado constituinte com a licença do titular. Não se destacou em nada na elaboração da Constituição, nem para o bem, nem, justiça seja feita, para o mal. Na avaliação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), que mediu o grau de proximidade dos constituintes com os interesses da classe trabalhadora, ficou com média 2,25, isto é, revelou posições bastante à direita. Em suma, um legítimo integrante do baixo clero parlamentar.
Novamente derrotado na sua pretensão de ser deputado federal, nas eleições de 1990, voltou à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, que assumiu logo após o massacre do Carandiru. Sua nova passagem pelo cargo foi marcada pela obstrução da investigação e da punição da chacina. Saiu da Secretaria para ocupar uma cadeira na Câmara dos Deputados, na qualidade de suplente convocado.
Finalmente eleito em 1994, deu seu passo decisivo para se tornar um parlamentar “importante” ao romper com seu padrinho, Orestes Quércia, e ajudar a fazer com que o PMDB aderisse ao governo de Fernando Henrique Cardoso. Tentou ser ministro, mas nunca conseguiu que FHC o quisesse - ou, depois, Lula. Aos poucos, foi tomando conta da máquina partidária, nisso revelando seu maior (ou único) talento: equilibrar-se no topo da federação de gangues que o PMDB se tornou.
Três vezes presidente da Câmara dos Deputados, chefe do maior partido do país, Michel Temer exerceu uma influência absolutamente desproporcional à sua grandeza como figura pública. Ele é, com certeza, o perfeito representante da pior imagem que se faz da elite política brasileira: um espírito mesquinho, que vive nas sombras, nos bastidores, incapaz de um gesto de generosidade, sem qualquer empatia pelo povo ao qual pretensamente serviria. Sua ligeira semelhança física com o Sr. Burns, do desenho animado Os Simpsons, certamente é mera coincidência, mas uma coincidência significativa.
Tornou-se candidato a vice-presidente, em 2010, manobrando a convenção do PMDB e empurrando a si mesmo goela abaixo de Lula, de Dilma e do PT, que preferiam outro nome, qualquer outro nome, mas não queriam prescindir dos preciosos minutos de televisão que a coligação lhes forneceria. (Abstenho-me aqui de julgar o acerto da decisão.) A gente se perguntava o que ele fazia no cargo, mas agora sabemos: tramava.
Por controlar o PMDB como controlava, ganhou fama de “grande articulador político”, mas na preparação do golpe abusou de truques pueris, como o pretenso “vazamento” da patética cartinha para a presidente Dilma ou o igualmente pretenso “vazamento” de seu discurso de candidato indireto às vésperas da votação do “impeachment” (entre aspas, pois a palavra certa seria golpe) na Câmara. No meio do caminho, lançou a tal “Ponte para o futuro”, que seria a negação da afirmação que fiz no primeiro parágrafo, de que ele nunca deu qualquer contribuição para os debates das grandes questões nacionais. Seria, mas não é: a “Ponte” simplesmente regurgita velhas propostas da direita, sem qualquer nova formulação, além de aparentemente ter sido traduzida do inglês. Talvez tenha sido uma cortesia da Embaixada dos Estados Unidos, em recompensa pela atividade de Temer como seu informante, o que foi comprovado por documentos divulgados pelo Wikileaks.

TEMER3
Alçado à presidência por meio do golpe de Estado do último dia 12 de maio, organizou um governo que, em poucas semanas, já se mostra um dos mais desastrosos da história. Sua interinidade é marcada não apenas pela irresponsabilidade e pelo reacionarismo, mas também, como observou o jornalista Luis Nassif, pela incompetência profunda. Em pastas do peso do Ministério da Educação, do Ministério da Saúde, do Ministério do Planejamento ou do Ministério das Relações Exteriores, foram colocados indivíduos sem a menor familiaridade com as questões que deveriam administrar. O resultado se mostra constrangedor, a ponto de ameaçar o sucesso definitivo do golpe.
Uma questão desafiadora é entender como tal figura, medíocre em todos os aspectos, conseguiu chegar à Presidência do Brasil. Talvez seja porque ele espelha - infelizmente - a maioria de nossa elite política.

Num de seus textos instigantes, o cientista político Bruno Wanderley Reis apresentou uma tipologia dos políticos. Há o improvável kantiano que segue uma ética rigorosa; há o que “joga o jogo” e que tem na lei, mas não numa ética estrita, o seu limite; há o que é motivado pela disputa pelo poder, aceitando mesmo compactuar ou cometer atos ilícitos quando julga necessário; há o que, por outro lado, é motivado mais por ganhos pessoais e aceita facilmente um desgaste político se é o preço a pagar pelo enriquecimento; por fim, há o que é “testa de ferro do crime organizado”.
A tipologia é uma provocação ao pensamento, sem pretensão de apresentar um modelo consolidado, e cumpre bem sua tarefa. Há uma clara gradação de caráter normativo, em que o primeiro tipo representa o ideal mais elevado (embora uma leitura mais cruamente maquiaveliana possa discordar dessa apreciação) e vamos descendo, degrau a degrau, até chegar ao quinto tipo.
Uma especulação possível é que, independentemente da composição do baixo clero, o núcleo central do Poder Executivo no Brasil sempre foi ocupado por políticos dos tipos 2 e 3, isto é, políticos que tinham na lei seu limite e políticos que eram maleáveis com a lei, mas motivados pela luta política em si. A degradação paulatina da elite política, da qual o Congresso eleito em 2014 é o exemplo supremo, propiciou uma mudança nesse arranjo. Dilma se viu forçada a acomodar integrantes dos tipos mais baixos de político em seu governo, tal como ocorrera com todos os seus antecessores, mas eles não se satisfizeram, pois agora desejavam ascender a esse núcleo central de condução da política. Na Câmara dos Deputados, a eleição de Eduardo Cunha já fora emblemática; agora, tratava-se de alcançar também o Executivo.
O golpe de maio de 2016 permitiu que descêssemos um ou dois degraus e esse núcleo passasse a ser integrado por políticos dos tipos 3, 4 e 5. Temer, o triunfo da mediocridade, é também o triunfo da bandidagem na política.

Por que gritamos golpe_Midia NINJA_3

Um golpe muito bem orquestrado - Parte 1

 
 

 

 


Golpe



Não pude deixar de publicar esta matéria aqui. Uma citação literal é justificável quando entendemos que qualquer coisa que digamos não será melhor do que o já dito...Nesse espírito, disponibilizo a vocês o presente texto:
 
 
 
O golpe contra Dilma Rousseff: O afastamento da presidenta é sem dúvida o capítulo mais vergonhoso da história política brasileira
Por Luiz Ruffato no EL PAÍS Brasil


  

"O afastamento definitivo de Dilma Rousseff da Presidência da República é sem dúvida o capítulo mais vergonhoso da história política brasileira. Acusada de praticar uma manobra contábil, as chamadas “pedaladas fiscais”, contra ela não foram levantadas quaisquer suspeitas de enriquecimento ilícito ou aproveitamento do cargo em benefício próprio, ainda que sua vida, privada e pública, tenha sido vasculhada com lupa por seus adversários. Se ela cometeu crime de responsabilidade, também o fizeram e deveriam perder o cargo 16 dos 27 atuais governadores, que usaram o mesmo artifício para fechar as contas em seus estados.


SAIBA MAIS




Mas, evidentemente, a presidente Dilma Rousseff não foi levada a julgamento por isso. As manifestações de rua contra seu governo, orquestradas por defensores dos mais diversos interesses, muitos deles espúrios, levantavam bandeiras anti-corrupção porém alimentavam-se de ressentimento. Parte da população, acostumada historicamente a usufruir dos mais amplos privilégios, nunca aceitou dividir espaço com a camada mais pobre, destinada, em sua invisibilidade, a manter-se apenas como uma espécie de reserva técnica de mão de obra desqualificada. As poucas, mas importantes, mudanças nesse quadro, patrocinadas pelos governos petistas, fermentaram uma reação de ódio e intolerância.


Assim, com o claro objetivo de arrancar a qualquer custo o poder das mãos da presidente Dilma Rousseff, as oposições, lideradas nas sombras pelo vice-presidente Michel Temer, passaram a articular demonstrações de força. Por trás dos protestos “espontâneos” contra o governo havia entidades como o Movimento Brasil Livre (MBL), financiado pelo DEM, PSDB, SD e PMDB; Vem pra Rua, criado em 2014 por um grupo de empresários para apoiar a candidatura do senador tucano Aécio Neves à Presidência da República; e Revoltados On-Line, gerenciado pelo empresário Marcello Reis, que não esconde sua simpatia pela ideia de intervenção militar e que possui ligações com o deputado fascista Jair Bolsonaro (PSC-RJ), pré-candidato à Presidência da República.


temer-Cunha-Judas-Golpistas


O passo seguinte foi dado pelo então presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), atualmente afastado por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), alçada na qual é réu por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Cunha tinha interesse em negociar a manutenção de seu mandato, em perigo desde a instauração, no dia 3 de dezembro, de um processo por quebra de decoro parlamentar no Conselho de Ética da Casa. Indignado com a retirada de apoio do PT à sua causa, Cunha deu andamento ao pedido de admissibilidade do impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. No dia 17 de abril, o plenário da Câmara, que entre seus 513 membros conta com 53 réus na Suprema Corte, enquanto outros 148 parlamentares respondem a inúmeros crimes em diversas instâncias, antecipou o destino inglório da nação.


Baseado em um relatório de Antonio Anastasia (PSDB-MG), burocrata tornado político pelas mãos do candidato derrotado em 2014, Aécio Neves, o Senado cassou o mandato da presidente Dilma Rousseff. Do total de parlamentares que a julgaram, 60% são suspeitos ou acusados de crimes que vão desde falsidade ideológica até abuso de poder econômico. Um terço da Casa – 23 parlamentares – responde a inquérito em ação penal no STF, entre eles nomes bastante conhecidos como Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), Fernando Collor (PTB-AL), Jader Barbalho (PMDB-PA), Lobão Filho (PMDB-MA), Renan Calheiros (PMDB-AL) e Romero Jucá (PMDB-RR).


Com uma coragem e altivez poucas vezes vistas na política brasileira, a presidente Dilma Rousseff enfrentou 14 horas de interrogatório nas dependências do Senado. Inutilmente, ela sabia, porque o resultado daquela farsa já havia sido decidido muito antes, nos bastidores, envolvendo as mais inconfessáveis negociações. Sentada em frente ao presidente do STF, Ricardo Lewandowski, Dilma não enfrentava somente o rancor da elite contrariada, mas também todos os preconceitos existentes contra as mulheres, principalmente aquelas que não aceitam submeter-se ao poder patriarcal. Blindada por uma força extraordinária, Dilma ousava afirmar que, como ser humano passível de equívocos, errou algumas vezes durante o exercício de seu mandato. Assentada em utopias, Dilma ousava afirmar que continua acreditando na luta por um Brasil mais justo. Somos medíocres, não atrevemos sonhar; somos hipócritas, não admitimos assumir nossas falhas. Cassar arbitrariamente o mandato da presidente Dilma Rousseff significou um ato de cinismo covarde contra o desejo manifestado nas urnas por 54.501.118 brasileiros. A isso se chama golpe de estado."


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O GOLPE ESTÁ SÓ COMEÇANDO
por Guilherme Boulos na Folha de S. Paulo


O Senado Federal consumou nesta quarta (31) o golpe contra o mandato da presidenta Dilma Rousseff: 61 votos senatoriais cassaram, numa eleição indireta, 54 milhões de votos populares. Mas isso é somente o prenúncio do que está por vir. O golpe, na verdade, está apenas começando.


Michel Temer, ainda como interino, já recebeu os primeiros avisos do mercado de que o prazo para apresentar "medidas consistentes" em defesa de seus interesses é o fim deste ano. A banca cobra a fatura. Afinal, quem mais poderia fazê-lo? Temer não foi eleito e, ao que tudo indica, não pretende disputar reeleição. Não precisa, pois, prestar contas a ninguém na sociedade a não ser àqueles que sustentaram a manobra que o levou do Jaburu ao Planalto.


Quanto ao parlamento, a questão se resolve com a distribuição de cargos, em grande medida já efetuada. Cunha é um caso à parte e é de se esperar uma atuação decidida de Temer para abrandar sua pena e evitar a prisão. A grande fatura é mesmo devida à elite empresarial e financeira, que deu inequívoco suporte ao impeachment, e exige em troca um pacote de reformas regressivas, um verdadeiro golpe aos direitos sociais e trabalhistas.


As medidas antipopulares estão organizadas em três grandes frentes.Temer4
Primeiro, um golpe contra a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Eliseu Padilha já deu a senha de como será, aliás ao melhor estilo peemedebista. Para destruir a CLT não é preciso revogá-la, basta torná-la sem efeito.


É o que se pretende apoiando a aprovação de alguns projetos que já tramitam no Congresso Nacional: o PLC 30, que autoriza a universalização dos contratos precários ao permitir a tercerização das atividades-fim; o PL 4193, que autoriza a prevalência do negociado sobre o legislado; e o PL 427, que institui a negociação individual entre empregado e empregador, fragilizando a negociação coletiva.


Ora, a aprovação desses projetos representa o velório dos direitos trabalhistas no Brasil, porque mesmo com a CLT em vigência, ela deixa de ser obrigatória para as relações de trabalho, perdendo na prática qualquer efetividade. Neste ponto é importante ressaltar que nem a ditadura militar, ao longo de seus vinte anos sombrios, ousou destruir a CLT. Temer pretende fazê-lo em dois anos.


Segundo, um golpe contra a previdência social. A reforma que querem aprovar ainda em 2016 é de uma perversidade que faz lembrar o ex-ministro das finanças japonês, Taro Aso, que chocou o mundo ao dizer que os idosos deveriam "se apressar e morrer" para poupar gastos públicos com saúde e previdência.


As principais medidas são o estabelecimento de uma idade mínima de 65 anos, voltada contra os trabalhadores mais pobres e vulneráveis, já que são eles que começam a trabalhar mais cedo; a equiparação de idade entre homens e mulheres, ignorando a dupla jornada doméstica feminina, ainda regra no país; o fim do regime especial de aposentadoria rural; e a desvinculação dos reajustes do salário mínimo com a aposentadoria, arrochando ainda mais o ganho dos aposentados.


É desolador, mas não para por aí.


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O terceiro grande golpe é contra a Constituição de 1988 e sua rede de proteção social. A PEC 241 pretende congelar o investimento público por vinte anos, atingindo especialmente os gastos com educação, saúde e programas sociais, além de atacar os servidores. Na prática, trata-se de constitucionalizar a política de austeridade, tornando-a obrigatória a qualquer governo, visando com isso ampliar superávits para o pagamento de juros da dívida pública.


Em prejuízo, é claro, dos serviços públicos. O SUS e a educação pública serão as grandes vítimas da PEC. Se o financiamento atual já é insuficiente, seu congelamento durante duas décadas tende a produzir um verdadeiro colapso. Junto a isso, os programas sociais tendem a ser sistematicamente reduzidos e levados à inanição.


A parceria de Temer com o atual Congresso representa uma "desconstituinte". Utilizarão a maioria de dois terços para revogar o que há de progressivo na Constituição de 88, produzindo um retrocesso que poderá afetar algumas gerações. Afinal, será preciso uma inédita maioria de dois terços ou a convocação uma nova Assembleia Constituinte para que os setores populares e de esquerda revertam estes ataques.


Por tudo isso, o dia de hoje não marca a conclusão de um golpe, mas seu início. O golpe contra a soberania do voto popular anuncia o golpe mais duro da história recente contra a maioria do povo brasileiro. Esta agenda não foi eleita e jamais o seria. Só pode ser aplicada com um cerceamento da democracia, pela anulação do voto popular.


Seria, contudo, acreditar em conto de fadas supor que um golpe desta dimensão passará sem resistência popular. A maioria do povo não foi às ruas até aqui —nem de um lado nem de outro— por acreditar que não era com eles. A massa viu o impeachment como uma briga entre os políticos. Quando começar a perceber o que de fato está em jogo, o cenário será outro. É difícil prever quando e como, mas da mesma forma que o golpe está apenas começando, a resistência também está.


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segunda-feira, 16 de maio de 2016

O belo, o inútil e a poesia


Por Walner Mamede
O sentimento do sublime frente ao belo não é lógico, ele provém, para Gilles Deleuze, de um acordo discordante entre a imaginação e a razão, uma contradição que produz harmonia na dor. A intuição sensível, que nos põe em experiência com o objeto, nos exige um juízo lógico, que produz conhecimento, ou um juízo estético, que engendra um sentimento de prazer ou dor, nos convoca à vida (vivificação) e cria condições para a contemplação do belo, quando se nos apresenta. Acessar o belo exige retermo-nos no objeto de contemplação e, para tanto, é o ócio inútil a instância da vida humana capaz de permití-lo, não o labor, não o trabalho, pois que estes, como já alertava Hannah Arendt, estão comprometidos com a utilidade, buscando a subsistência do corpo e a conquista de bens, respectivamente. O labor e o trabalho não nos permitem o espaço e o tempo necessários à contemplação e às tarefas, essencialmente, humanas como a arte e a política. Nem tampouco a demora, inestimável ao jogo entre a sensibilidade e o entendimento, é-nos permitida na ausência do ócio, e, assim, a consciência de que a razão dedutiva possui, em si, algo de perverso e nos anestesia diante da vida sequer se manifesta minimamente. Seria Eichmann o eterno fantasma a nos assombrar, nos alertando de que a banalização do mal decorre da negligência com o belo, com o sublime?
Aqui, parece razoável remetermo-nos a Hermeto Paschoal[1], para quem “não se pode...colocar o saber na frente do sentir”. Kant diria que a experiência estética busca preencher o abismo que se instala entre o sujeito e o objeto apresentado à sensação, abismo irremediável pelo instituto do conhecimento. No sentimento estético, os conceitos preservam seu valor intrínseco, mas de forma coadjuvante, permitindo ao juízo operar não-dedutivamente na produção simultânea e explosiva de ideias libertas da necessidade de memorização e entendimento e do compromisso com o útil, o histórico, o moral e o lógico. Nesse sentido, a experiência estética não é prática (bem), nem intelectual (bom), mas subproduto do jogo entre as faculdades da sensibilidade, imaginação e entendimento, que, da contemplação plácida do belo ao movimento do ânimo pelo sublime, materializa uma possibilidade derivada da condição humana, um devir sempre subjetivo, ainda que pareça aderente ao objeto. A vivificação e o prazer trazidos por essa relação não possui condições de se manifestar na presença de regras prévias que a determinem. Em segundas palavras, na ausência da liberdade para se jogar, o abismo entre sujeito e objeto é alimentado e o prazer, o encantamento, o abalo, o espanto, a surpresa, o susto, a alegria, o encontro, o entusiasmo, a comoção, a atração, a repulsa, a embriaguez e a lucidez possíveis se perdem, com eles levando nossa capacidade de sentirmo-nos adaptados ao mundo e de compartilhá-lo. A liberdade, pressuposto da autenticidade, é obscurecida pela utilidade imanente às regras prévias da contemplação objetivada, submetendo o belo à razão e roubando-o à imaginação.
A esse respeito, afirmaria Paulo Leminski[2] sobre o que Francis Bacon denominara “ciência da imaginação”: “A poesia é um inutensílio, a única razão de ser da poesia é que ela faz parte daquelas coisas inúteis da vida que não precisam de justificativa porque elas são a própria razão de ser da vida...Querer que a poesia tenha um ‘por quê’, querer que a poesia esteja à serviço de alguma coisa, é a mesma coisa que querer, por exemplo...que o orgasmo tenha um por que...Acho que a poesia faz parte daquelas coisas que não precisam ter um por que. Para quê ‘por que’?”. E assevera, ainda, Leminski: “As pessoas sem imaginação estão sempre querendo que a arte sirva para alguma coisa...Não enxergam que a arte (a poesia é arte) é a única chance que o homem tem de vivenciar a experiência de um mundo da liberdade, além da necessidade”.
E, por oportuno, à guisa de abertura para novas divagações, remetemo-nos, mais uma vez, a Hermeto Paschoal: “...[na música] o que dá dinheiro é sempre burrice...Não tive e nem vou ter nenhum retorno financeiro com minha obra, mas meu prazer, minha alegria, continua sendo tocar. Por isso, as minhas músicas eu quero mais é que sejam pirateadas. Quero mais é que as pessoas toquem, ouçam, a conheçam. E pra mim, quem reclama da pirataria é quem faz música apenas para vender. Meu valor não são as notas de dinheiro. São as notas musicais...” e, complemento eu, o valor depositado nas notas musicais não é outra coisa senão a liberdade de gozar o belo na inutilidade do ócio, à distância do labor e do trabalho que escravizam nossas almas e limitam nossas mentes.



[1] Hermeto Paschoal, compositor arranjador e multi-instrumentista brasileiro, nascido em 22 de junho de 1936, em Olho d'Água das Flores, Alagoas (https://www.cartacapital.com.br/cultura/na-musica-o-que-da-dinheiro-e-sempre-burrice-diz-hermeto-paschoal/ e https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/4843831).
[2] Paulo Leminski, escritor, poeta, crítico literário, tradutor e professor brasileiro, nascido em Curitiba, 24 de agosto de 1944 e falecido em Curitiba, 7 de junho de 1989 (https://tateios.wordpress.com/2013/09/27/o-que-e-a-poesia-paulo-leminski/).