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quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Sílvio Santos: o bode expiatório do politicamente correto?

Walner MAMEDE

Silvio Santos, um ícone na sociedade brasileira, vem sendo hostilizado pelos defensores do politicamente correto por seus posicionamentos polêmicos em temas que envolvem mulheres. Com frases como “Mulher não tem o direito de ser feia” e, particularmente, no caso atual, por expressar sua opinião sobre Fernanda Lima, de Amor & Sexo, com a frase Com ela não tem nem amor nem sexo. Com essas pernas aí? Nada disso. Quem gosta de osso é cachorro" e pela provocação para que Maísa, sua criação artística, alcance o mesmo padrão, o apresentador tem sido acusado de machista por seus opositores. Acusar de machista (ou racista, homofóbico, anti-ecológico, etc) alguém que expressa uma opinião não submetida à ditadura do "politicamente correto" é, no mínimo, reducionista. Ser machista ou feminista exige um rol de pensamentos e comportamentos complexos, estruturados como predominantes ao longo de uma linha histórica de vida (se desejasse polemizar ainda mais o tema, diria que não se é possível enquadrar nada ou ninguém em qualquer categoria de forma absoluta, universal e definitiva e que ninguém "é algo", mas apenas "se comporta" de tal ou qual maneira, conforme o contexto, sendo menos ou mais maleável ao contexto na dependência do rigor de suas convicções). Contudo, o que vemos hoje, nos mais diversos campos, é o fuzilamento sumário de qualquer um e seu rotulamento precoce, tomando por referência comportamentos que não expressam a totalidade do indivíduo julgado: é uma verdadeira caça às bruxas contemporânea!

Ter-se um pensamento ou mesmo um comportamento machista não é suficiente para se incluir o indivíduo nesta categoria, assim como não é suficiente enquadrar alguém como cristão apenas porque executou alguns atos de caridade. Tenho minhas dúvidas, inclusive, se é justo determinar a essência de alguém como "assassino" por ter cometido um ato de assassinato (aliás, qtos atos seriam necessários para que alguém seja enquadrado em qqer categoria?). Tenho certas restrições com a tendência atual (de fundo positivista, que possui suas vantagens relativas) de se querer colocar tudo e a todos dentro de caixinhas fechadas, como se cada sujeito pudesse ser reduzido ao rótulo que lhe foi imposto ou que assumiu por vontade própria. Aliás, tenho, mesmo, dúvidas qto ao suposto machismo no posicionamento alardeado de Silvio Santos, por considerá-lo apenas como uma tomada de posição pouco popular e, tvz, inadequada para o momento. No máximo, foi falta de bom senso.

Estabelecendo um recorte específico no caso concreto, somos obrigados a adentrar o árido tema da evolução histórica do Feminismo. Para Camille Paglia, uma feminista antifeminista (veja uma síntese de seu pensamento em http://www.fronteiras.com/ativemanager/uploads/arquivos/produtos_culturais/3ff3bfa1fd56600a7f17b0bbaf608934.pdf e também em http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2015/04/1619320-nao-publicar-entrevista-camille-paglia-fronteiras-do-pensamento.shtml), os novos enquadramentos do Feminismo, apoiados pelo, acrescento, "politicamente correto", são equívocos ideológicos que precisam ser superados e que tentam, entre outras coisas, desvalorizar a maternidade, naturalizar a exposição do corpo feminino de forma irresponsável e inconsequente, sem considerar as consequências desastrosas advindas de degeneração social, supervalorizar a carreira profissional em detrimento da vida familiar, negar a determinação biológica sem a devida relativização, naturalizar intervenções cirúrgicas para a mudança de sexo como solução para problemas de ordem psicológica solucionáveis de outra forma menos narcísica, submeter a Igreja ao Estado ao obrigarem-na a aceitar o casamento gay, culpar os homens por todas as mazelas femininas e metamorfosear o homem à imagem da mulher, desrespeitando a complexidade da masculinidade e da feminilidade em uma massa disforme pasteurizada pela supressão das diferenças, amordaçando aquelas pessoas que ousem se opor a tais axiomas. Nada mais ingênuo e autoritário que tentar amordaçar aqueles que não se submetem à censura do politicamente correto e o que se vê hoje é a tentativa de se demonizar todo indivíduo com esse perfil.

No caso da relação machismo x feminismo, todo tipo de valor socialmente execrado, qdo identificado no comportamento masculino e com uma mínima possibilidade de relação, ainda que distante e indireta, com a mulher, é taxado sumariamente de "machismo". Este é um mecanismo, tão velho qto a humanidade, para se construir mitos: elege-se, socialmente, algo ou alguém, elabora-se sua história, atribui-se certo rol de valores positivos ou negativos (na dependência do perfil do mito) e estabelece-se um juízo de valor a seu respeito, o qual é "vendido" na feira popular e, a partir daí, toda sorte de valores flutuantes na sociedade serão, espontaneamente, agregados a esse produto artificial, culturalmente, construído, e ele parecerá possuir autonomia em relação a seus criadores, com isso, adquirindo uma suposta naturalidade que lhe possibilitará caminhar pela sociedade angariando adoradores e odiadores como se real fosse. O feminismo, o machismo e toda sorte de bandeiras ideológicas são exemplos ilustrativos desse mecanismo e urge nos tornarmos conscientes desse estratagema, submetendo-o ao crivo da razão se aspiramos qualquer desenvolvimento social, ético e moral significativo, do contrário, estagnaremos imersos em nosso próprio vômito.

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Redução e limitação do salário inicial em concursos públicos: solução ou complicação?

Walner MAMEDE

Estamos no calor do debate sobre a pertinência da redução dos salários iniciais em concursos do Executivo, por meio de Medida Provisória. Alguns defendem tal Medida alegando diferenças injustas entre o salário privado e publico. Outros alegam ser isso capaz de movimentar o mercado por incentivar o empreendedorismo e coibir o inchamento do Estado. Outros, ainda, alegam não ser lícito tocar no salário dos magistrados, por serem detentores de grande responsabilidade. As opiniões se multiplicam, muitas incoerentes e ilustrativas da ignorância histórica e política de seus defensores. Bem, para esse debate, algumas questões precisam ser ponderadas e não parecem estar sendo consideradas, assim, resolvi trazer o debate para nosso blog, a fim de alimentar a discussão. São elas:

1-Há, na atualidade, uma tendência quase descarada para se demonizar o servidor público, especialmente, do Executivo como inimigo número um do Brasil e, com esse pano de fundo, outros discursos derivados surgem, como a redução ou congelamento dos salários, os PDV's e o famoso "enxugamento da máquina administrativa" como algumas das soluções para os problemas econômicos do país. Além disso, comparar os salários entre setor público e privado não pode ser algo tão simplista. Não há equivalência direta entre os postos. Pinçar este ou aquele posto e dizer que o setor público paga muito melhor é reducionista, pois há situações em que um profissional, no setor privado, ganha 5 vezes mais que o mesmo profissional no setor público, na dependência das funções, obrigações, responsabilidades, competências e currículo. Não é o setor privado que deve ser a baliza para se ponderar o valor dos salários públicos, pois o mercado privado é muito diverso, além do que as garantias trabalhistas para um trabalhador celetista são muito maiores do que para um estatutário, ainda que consideremos a estabilidade (que é um dispositivo criado não para a segurança do indivíduo, mas para a segurança do Estado, que não pode submeter seus trabalhadores aos desmandos políticos e ao risco de demissões injustificadas, comprometendo o funcionamento da máquina administrativa pela alta rotatividade nos cargos ou pela perda da última barreira contra a improbidade administrativa dos gestores, que não se furtarão a demitir quem se colocar em seu caminho), pois um celetista possui o Estado a seu favor nas disputas trabalhistas e possui o FGTS para reduzir o impacto da demissão, ao passo que o estatutário possui o Estado contra si em ações trabalhistas e não detém o apoio do setor privado, estando sozinho e, sequer, possuindo benefícios como o FGTS.

2-Qualquer pessoa, hoje, para se tornar servidor público, precisa estudar muito, gastar muitas horas e muito assento de banco, isso não é privilégio de juiz e, diga-se de passagem, o concurso de Juiz é muuuito mais fácil que qualquer outro concurso da esfera Federal. Uma prova para ser magistrado exige os conteúdos regulares da graduação (claro, de uma graduação bem feita em uma boa Universidade) ou da especialização, que é parte integrante da atividade profissional de qqer advogado. Outros concurseiros precisam estudar coisas que nunca viram na vida acadêmica e com as quais, mta vezes, não possuem sequer afinidade e nem utilizam profissionalmente no dia a dia, pois não é parte integrante de qqer de suas atividades (ou seja, se não passar no concurso, é conhecimento supérfluo para o dia a dia profissional, às vzs, até mesmo no cargo do concurso). O número e diversidades do conteúdo nos concursos em geral é mto superior ao de um concurso para juiz. Outro exemplo, uma prova para Professor Universitário exige muito, mas muito, mas muito mais estudo que qqer concurso para juiz. Nesse caso, são cinco anos de graduação, dois de mestrado e quatro de doutorado, isso se seu concorrente não possuir outros títulos que redundam em muitas outras horas de estudo e pontos, ou seja, pra o cargo de Professor, diferentemente do cargo de juiz, não basta uma graduaçãozinha e uma especializaçãozinha que, no fundo, é treinamento pra concurso, não ensinam o magistrado a pensar cientificamente (deficiência severa no Direito) e permitem que entrem imaturos e cometam as atrocidades que vemos no dia a dia dos tribunais, pois decidem muito mais com base em suas convicções pessoais (mtas vzs, conduzidas por interesses de grupos financeiros) do que com base na análise racional e bem estruturada do caso concreto e do contexto. Além disso, ainda somos obrigados a ouvir que o STF é a última instância com prerrogativa de errar, pois que são tb humanos!!! Podiam, pelo menos, errar menos! Contudo, apesar dos altos salários e da suposta maior responsabilidade social q deveriam ter, brincam de deuses e se blindam com o discurso do direito de errar, pois o erro em qqer outra instância é colocado na mesa de discussão, o deles segue a máxima do "cumpra-se". E essa cultura desce em cascata até os menores tribunais, criando uma casta de intocáveis abusadores do poder e do povo. Ainda, não há que se falar em responsabilidade superior dos magistrados como justificativa para os seus ganhos abusivos, pois cada servidor do Executivo recebe salários sem bonificações milionárias e possui responsabilidades inalienáveis compatíveis com seus cargos, respondendo por elas, qdo do erro, sem fôro privilegiado e tratamento especial.

3-Pela incompetência do nosso Judiciário e pela corrupção do nosso Legislativo, deveria ser ali o primeiro estalo da chibata e não no lombo dos mais fracos, como é costume no Brasil. A redução do salário inicial, no mínimo, deveria atingir todos. Claro que isso não acontecerá. Os líderes da aristocracia são intocáveis! Sim, vivemos em uma aristocracia velada e no topo da cadeia alimentar estão o Judiciário e o Legislativo se digladiando pra ver quem fica com o maior pedaço da carne que é o povo. E qdo digo isso, refiro-me aos seus gestores maiores, aos juízes e políticos, não aos técnicos do setor, pois q estes, a despeito dos salários intocados pela Medida e do sangue azul, são uma casta inferior, sem poder de decisão, e estão a serviço de seus superiores.

4-Ainda que seja questionável a capacidade dos concursos (mina de dinheiro, para o setor privado, que vai secar) selecionarem bem, em razão das mal elaboradas provas (que não se preocupam, de fato, com a seleção do candidato segundo uma equivalência entre seu perfil e o perfil do cargo que pleiteia, se pautando mto mais em processos de memorização de conteúdos inúteis ao cargo, em processos seletivos massificados), a redução do salário inicial irá comprometer a qualidade do serviço prestado, pois, inicialmente, os mais aptos deixarão de se submeter a concursos e, em um segundo momento, vagas ociosas justificarão a contratação de empresas terceirizadas para realizarem o mesmo trabalho, pelo dobro do custo e metade da qualidade, deixando, ainda, o Estado nas mãos do setor privado. A redução da qualidade não se deve à competência pessoal dos prestadores de serviço, mas ao fato de que o Estado perderá sua autonomia, a história institucional ficará a cargo das empresas contratadas que, empoderadas, se imporão sobre o Estado, condicionando o conteúdo de editais de licitações, retendo informações estratégicas e determinando os rumos das políticas públicas. Esse cenário atende ao apelo do enxugamento (melhor seria dizer "sucateamento") do Estado para privilegiar a hegemonia do setor privado que, a despeito de sua importância para o desenvolvimento do País, não possui competência nem disposição e condições concretas e objetivas para a gestão da máquina pública segundo os interesses e necessidades da coletividade.

5-Dizer que a redução dos salários movimentará o empreendedorismo é uma falácia descabida! Quem é empreendedor o é desde sempre. Faz parte do perfil do indivíduo e não é uma atitude imoral dos nossos governantes que vai mudar a personalidade da pessoa, nem motivá-la a empreender. No máximo, isso causará engrossamento das filas de desemprego e o aumento da concorrência por postos de trabalho no setor privado, que não se sentirá rogado em reduzir salários, já que a procura cresceu e estão todos desesperados por emprego. O incentivo ao empreendedorismo se dá é pela redução da burocracia para se constituir ou desconstituir uma empresa, pela redução da corrupção e da incompetência nos órgãos responsáveis pela fiscalização e concessão de licenças, pela criação de incentivos econômicos e pela redução da carga tributária, entre outras coisas. Isso faz até os menos empreendedores pensarem em ter seu próprio negócio. A medida tomada, inclusive, faz coro contra o empreendedorismo e reduz, até, a circulação de dinheiro no mercado, piorando a estagnação econômica do Brasil, em efeito cascata. Esse discurso Temeroso é parte integrante do discurso privatista que tomou conta das cabeças menos brilhantes da população e das cabeças mais ardilosas de nossos políticos, juristas e gestores do alto escalão. Temos que melhorar as condições do mercado privado para atrair empreendedores e não piorar as condições do serviço público para empurrar todos para as sarjetas do mercado. 

Para finalizar, sou adepto da racionalização dos salários públicos, mas isso precisa acontecer de forma gradual, pensada, responsável e em todos os níveis e em todos os Poderes, considerando os impactos no longo prazo, como parte de uma política pública mais ampla, comprometida com o bem coletivo. Contudo, o que estou vendo acontecer é um retrocesso de mais de 30 anos no serviço público! Quem está há muitos anos no serviço público, como eu, sabe que antes de a obrigatoriedade de concurso e ampliação da concorrência, que nos obrigou a estudar muito antes pleitear uma vaga, os postos públicos eram desvalorizados e ocupados por pessoas pobremente qualificadas para a função. É fácil perceber isso quando comparamos a qualificação inicial dos servidores que estão em fase de quase se aposentar e aqueles que adentraram o serviço após meados dos anos 90. Quem não está dentro não consegue perceber ou imaginar a diferença incomensurável que isso fez e como isso qualificou o serviço prestado. Ainda há, entre os mais novos, a mesma cultura que imperou em tempos passados, claro, mas aos poucos isso tem mudado consideravelmente: os mais novos aprendendo a prática do órgão com os mais velhos e estes se beneficiando da teoria administrativa e legal trazida pelos mais novos na constituição de processos mais céleres, inteligentes, eficientes e efetivos. Ainda há muito o que caminhar na direção da competência administrativa, mas o caminho, nem de longe, é esse!!! Isso apenas está nos atrasando em 30 anos ao desvalorizar o papel das instituições públicas e do próprio servidor público que, sendo mais estável que o trabalhador do setor privado, possui plenas condições de se interpor contra a ilegalidade de atos administrativos, sem sofrer represálias severas como a demissão por insubordinação, ainda que necessite enfrentar retaliações veladas, mas esse é um ônus necessário a quem resolver assumir um cargo efetivo na Administração Pública e é seu dever ético sair da zona de conforto e se rebelar contra atos de improbidade administrativa, o que trabalhadores destituídos de estabilidade não possuem condições de fazer, em decorrência dos frágeis vínculos entre empregado e empregador.