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quarta-feira, 1 de abril de 2015

MOTOQUEIRO OU MOTOCICLISTA? EIS A QUESTÃO

 Walner Mamede
(motoqueiro convicto)


O termo “motoqueiro” assumiu a atual conotação pejorativa, no Brasil, em razão de uma campanha iniciada em meados dos anos 80, por uma revista especializada, para diferenciar (de maneira um tanto classista e preconceituosa) os recém profissionais motociclistas, que hoje chamamos de motoboys, dos outros que usavam a moto como meio de transporte e lazer. Assim, “motoqueiro” foi a primeira designação para o que hoje é, simplesmente, a reconhecida categoria profissional “motoboy” ou “motofretista”, e “motoqueiro” acabou passando a ser usada como sinônimo de arruaceiro no trânsito. Mas por que isso?!

Na verdade, a origem das duas palavras, "motociclista" e "motoqueiro", é anterior ao uso atribuído na década de 80. As motos entraram em cena, de maneira significativa, como estilo de vida, após a Segunda Guerra Mundial, dando origem aos clubes de motociclismo que começavam como irmandades de veteranos. Entre 4 e 6 de julho de1947, Hollister, uma cidadezinha pacata com cerca de 4 mil habitantes, sediava o evento da American Motorcyclist Association (Associação Americana de Motociclismo), que reunia corrida de motos e muitas festas, e não contava com a chegada em massa de bikers (como eram chamados, indistintamente, os condutores de motos), que promoveram bebedeiras, brigas, rachas de moto e confusões de toda ordem, necessitando de intervenção policial e inúmeras prisões. O evento de Hollister Riot de 1947 foi um ponto de virada na evolução da cultura biker e ajudou a consolidar a percepção comum a seu respeito.

Em razão do encontro, logo depois, uma propaganda da AMA (American Motorcycle Association) declarava que só 1% dos motociclistas eram marginais, fora da lei e que 99% eram cidadãos exemplares, que usavam motocicletas como lazer, nos finais de semana. O incidente inspirou o filme "The Wild One" (O Selvagem), estrelado por Marlon Brando em 1953, no papel de líder da gangue Black Rebel Motorcycle Club, e o estereótipo do “1%”, do fora da lei, do rebelde tatuado se popularizou e foi adotado por motoclubes pioneiros nos EUA, mesmo antes do filme.

À parte do cenário motoclubista, o bad boy encarnado por Brando, com sua jaqueta de couro, jeans e botas, foi a referência perfeita para os jovens dos anos 50 que buscavam uma forma de expressar sua rebeldia, entre eles, o ator James Dean e o cantor Elvis Presley. Nas décadas de 50-60, com a ascensão do Rock e a moda inspirada por esses ídolos, a moto teve sua presença elevada entre a juventude. Naquela época, no Brasil, as motos eram artigos de luxo, relacionadas a uma vida de playboy. Contudo, na década de 70, com uma novela da Globo (1973), “Cavalo de Aço”, cujos protagonistas eram Tarcísio Meira e sua moto, uma Honda CB 750F, um modelo importado, ainda novidade por aqui, a febre já nascente teve grande impulsionamento, em terras tupiniquins.

Com a ascensão da moto entre os jovens, elas a apelidaram de motoca, em contraposição a motocicleta, considerada uma denominação antiquada, usada pela geração dos pais, e por analogia a cocota (que veio do francês cocotte), maneira como eram chamadas as jovens (equivalente a “mina”, hoje). Então, motoca era a gíria do momento e, por extensão, "motoqueiros" eram os descolados condutores de motocas, envoltos no movimento da Jovem Guarda, associando-se o termo "motociclista" à linguagem dos "coroas", "antiquados", "caretas", que viam os jovens como arruaceiros. Daí a correlação atual de "motoqueiro" com "arruaceiro", reservando-se "motociclista" para os "ordeiros".

Assim, os "descolados da jovem guarda" eram considerados "arruaceiros" pelos "coroas que não compreendiam seu estilo de vida". Por outro lado, os "motociclistas" eram aqueles que tinham na moto apenas um meio de transporte e não um estilo de vida (lembrando que, nas décadas de 50-70, não existia uma categoria profissional que tinha, na moto, um meio de vida, o que veio a se consagrar apenas na década de 80, do século XX). Ainda que o Incidente de Hollister tenha cunhado uma imagem negativa aos bikers, dado o mau comportamento de alguns, o que a maioria buscava, ao comparecer ao evento, e quase a totalidade dos motoqueiros da Jovem Guarda faziam, nos anos 50 a 70, antes da depreciação do termo, era se reunir para confraternizar, ouvindo Rock (música de mau grado, na visão dos "coroas") e bebendo, sem intenções marginais, violentas ou ilegais. Não é isso, justamente, o que fazemos em nossos encontros de motogrupos e motoclubes? Nesse sentido, a despeito das controvérsias dentro do cenário motoclubista e, mais amplamente, motoclístico, a palavra "motoqueiro" aparenta ser mais condizente com as origens e sentidos do motoclubismo ou de um estilo de vida biker.

Em síntese, parece ser muito mais sensato utilizarmos a diferenciação entre os termos, a partir dos usos que se faz da moto e não do comportamento do usuário, pois maus e bons comportamentos podem ser vistos em qualquer um e a definição a partir desse critério cria preconceitos, enquanto a finalidade do uso é bem melhor delimitada, ainda que o usuário possa se incluir em mais de uma categoria, independentemente da cilindrada de sua moto. Nesse sentido, fica o entendimento:

  • Finalidade profissional da moto (meio de sobrevivência): motofretista (motoboy ou mototaxista) 
  • Finalidade utilitária da moto (meio de transporte): motociclista
  • Finalidade identitária da moto (estilo de vida): motoqueiro

Para encerrar, vale mencionar uma curiosidade referente à cultura motociclística além-mar, em terras lusitanas, a qual possui algumas diferenças em relação à nossa:

  • Motociclista é aquele que anda de moto (por lá, “mota”), por razões profissionais ou não, ou seja, todo mundo que cavalga um cavalo de aço.
  • Motard é o motociclista que gosta de andar de moto por lazer e dos convívios e encontros.
  • Mototurista é o motociclista que tem preferência por viajar de moto para conhecer novos lugares.
  • Motoqueiro é o motociclista arruaceiro e contador de histórias e bravatas sobre suas aventuras e arruaças, com um código de conduta pouco ético.

Como podemos ver, coincidência ou não, “motoqueiro” possui um sentido pejorativo semelhante ao que é, inadequadamente, utilizado no Brasil, por motivos que desconheço. Talvez, esses motivos sejam bem parecidos aos nossos, dada a proximidade de Portugal em relação à França, país de origem da palavra “cocota”, como já vimos, e “motoqueiro” tenha chegado ao Brasil sob influência de nossos irmãos lusitanos, vai-se saber...mas isso é história pra outro post!

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