segunda-feira, 7 de dezembro de 2015
Sobre o PT e a Constituição de 88
sexta-feira, 18 de setembro de 2015
Esquerda x Direita: um debate sem a necessária profundidade teórica
Walner Mamede
Como bem coloca um amigo, tal afirmação (encabeçada no título e expressa na ilustração acima) precisa ser inserida no contexto do debate entre pensadores de ambos os lados, não entre simpatizantes vazios de conteúdo e, igualmente, esbravejadores verborrágicos vociferantes, independentemente do lado que estejam. Nesse contexto, dando o exemplo e a munição a seus simpatizantes, os argumentos da direita tendem a se mirar por um referencial raso, propagandístico, apoiado nos valores reacionários do capital, sem a profundidade teórica necessária e sem o compromisso social indispensável à superação das mazelas no Brasil. E, aos antipetistas de plantão, isso NÃO SE CONFUNDE com uma defesa do PT, que se distanciou há muito dos princípios esquerdistas basilares, sendo aos poucos cooptado pela direita, razão de seu fracasso e de sua perda de legitimidade. Infelizmente, graças à pouca profundidade teórica dos simpatizantes, as correntes subterrâneas que produziram tal fracasso não são percebidas e eles se deixam levar pela direita, que se vale do fiasco petista para atacar toda a ideologia da esquerda em frases como "aí, ó o que a esquerda tem pra oferecer...o PT...olha a m&$#@ que eles fazem...a esquerda está destruindo o Brasil..." e como solução apontam a si próprios, os verdadeiros responsáveis históricos pelas mazelas!!! É uma grande piada de mau gosto!!!
As afirmações de que os ideais socialistas da esquerda são um grande fracasso, apontando Cuba e URSS como exemplos, não dão conta do intento. John Dewey, eminente filósofo da direita norte americana, de inícios do seculo XX, que se debruçava sobre temas como educação e democracia, era enfático ao afirmar q o ideal de democracia jamais havia se concretizado de fato e que os regimes democráticos que conhecíamos eram mero arremedo da ideia de democracia. Curioso é que nunca vimos essas mesmas pessoas, que desprezam a teoria em nome de um pragmatismo capenga, ao negarem o Socialismo, negando a democracia a partir de seu fracasso fora do plano da ideias. Elas mesmas nunca se furtam a tentar superar as limitações concretas do regime democrático em busca dos seus pressupostos teóricos. Isso se dá, simplesmente, porque acreditam que a democracia é o melhor regime (e não estou, aqui, dizendo que é). O que quero dizer é: o caso concreto nunca é suficiente para se negar ou se afirmar definitivamente um ideal ou uma teoria, serve apenas para que a coloquemos em suspense (epoké) ou a aceitemos com parcimônia. Esse é um princípio da razão e deve ser colocado em pratica, inclusive, ao discutirmos os ideais da esquerda. Poder-se-ia alegar o mesmo sobre os ideais da direita, não fossem esses tão polissêmicos, dado que instigam o individualismo, e contrários ao bem coletivo (claro, se o que se almeja é o bem coletivo!), dado que pregam, no extremo, a anulação do Estado, instância maior garantidora do bem comum, a despeito da ausência de lucro.
A ideia de que quanto menos o Estado se meter, melhor para o país e para o povo é um equívoco se tratada de forma universal e anacrônica. O contexto, no qual os ícones desse modelo político-econômico se constituíram (nomeadamente, o G8), era bem outro e já mostrou indícios de grande fragilidade quando bancos norte-americanos necessitaram recorrer ao Estado para não irem à bancarrota e levarem com eles metade do mundo. Outro indicador da falência desse modelo é a grande necessidade de cooperação internacional exigida por um mundo de economia globalizada e com necessidades de autossustentabilidade, no qual o percurso depredatório e imperialista não figura mais como alternativa viável. Para países como o Brasil, que sempre estiveram à sombra do imperialismo norte-americano, de forma mais direta, e dos demais ditos de primeiro mundo, de forma menos direta, a solução não é copiar o modelo político-econômico do pós-guerra, filosoficamente, comprometido com os ideais neoliberais de enxugamento radical do Estado, com sua omissão, especialmente, em questões econômicas. O contexto atual não permite isso e seria a reprodução irrefletida de algo que o Brasil sempre fez e que sempre o impediu de construir sua autonomia: copiar e importar modelos alienígenas ao seu contexto.
Precisamos ter em mente alguns pressupostos de constituição do Estado. Toda a atividade econômica que exercemos e dizemos, com orgulho, pertencerem ao campo privado, foi no passado, em alguma medida, competência do Estado. As exercemos por pura delegação estatal, por uma desestatização gradual e histórica dessas funções, em nome da eficiência (uma das formas de se fazer isso é a privatização). Mas para o alcance de uma eficiência de fato e não apenas hipotética, a toda conduta de desestatização deve corresponder igual conduta de controle, por meio de instrumentos normativos, legais e administrativos (planejamento, monitoramento, avaliações, premiações, punições, repressões...) que garantam o bem comum em detrimento da benesse a grupos ou indivíduos: a lógica da desestatização é, portanto, o bem comum, o Estado se afasta, mas não se omite! Mas, para isso, o Estado precisa ser forte em seus instrumentos de controle e possuir o apoio popular que lhe garanta legitimidade em suas decisões. Uma coisa que o Estado brasileiro nunca foi é "forte" e "legítimo" (por diversos motivos, que vão desde o modelo colonizatório, até o perfil político atual: veja-se "Por que não há sentimento de legitimidade da representação política no Brasil?" em http://walnermamede.blogspot.com.br/2015_01_01_archive.html) e, além disso, seus instrumentos de controle sempre foram e são medíocres e frágeis, sequer a cultura do planejamento e avaliação fazem parte da conduta sistemática das nossas instituições brasileiras. Assim, como querer delegar funções do Estado, sem condições de cobrar por elas?
Nesse cenário, a grande massa de trabalhadores é que paga o pato, sem a tutela estatal. Apesar das Agências de Controle criadas na era FHC, elas restaram falidas quanto a tais objetivos e nada controlam de fato, perdendo sua autonomia administrativa às custas do jogo político, o que comprometeu o equilíbrio de forças no projeto privatista psdbista, mas não os dissuadiu de continuarem tentando (veja-se o privilégio dado às faculdades privadas em toda a década de 90 e a atrocidade que nosso querido (des)Governador está implementando no SUS e na Educação de Goiás, por meio de suas privatizações descontroladas!). Privatizações dessa natureza nada têm a ver com aquelas que ocorreram nos EUA, as condições materiais, objetivas, políticas e ideológicas são outras. Contudo, as diferenças são deixadas de lado em detrimento das (parcas e insustentáveis) semelhanças, produzindo um aparente futuro sucesso social de tais medidas, quando, na verdade, está-se privilegiando apenas a concentração de rendas.
Nesse ponto, sempre surge a afirmação "o Estado deve se ocupar das questões que lhes são próprias, como Saúde, Educação e Segurança" (algo, inclusive, desprezado pelas práticas privatistas, que se valem das OS's para gerenciar escolas públicas e redes de hospitais do SUS). Enche-se o peito para vociferar tal enunciado, com ares de quem tem a solução dos problemas brasileiros, ali, na ponta língua! Mas, aí, eu pergunto: você consegue definir cada um desses domínios?; "saúde" na concepção estrita ou ampliada?; de qual "segurança" estamos falando: do carro que não deve ser roubado ou ter seu eixo quebrado por buracos na rua, da segurança alimentar, da segurança intelectual, da segurança jurídica, da segurança do mercado, do consumidor, do empresário?; e a "educação", sobre qual de seus aspectos o Estado deve intervir?; o Estado deve suspender o direito de existência das escolas privadas?. E por aí vão os questionamentos possíveis que demonstram a irredutibilidade do Estado e do debate a essas três dimensões, aparentemente, simples e, equivocadamente, isoladas de um contexto mais geral. Por isso, entre inúmeras outras questões, é que, apesar do PT (ao qual não faço defesa), ainda milito por pressupostos de uma sociedade socialista e de esquerda e não consigo vislumbrar na direita uma solução para os problemas que assolam o mundo atual.
quarta-feira, 1 de abril de 2015
MOTOQUEIRO OU MOTOCICLISTA? EIS A QUESTÃO
Walner Mamede
(motoqueiro convicto)
O termo “motoqueiro” assumiu a
atual conotação pejorativa, no Brasil, em razão de uma campanha iniciada em meados dos anos
80, por uma revista especializada, para diferenciar (de maneira um tanto
classista e preconceituosa) os recém profissionais motociclistas, que hoje
chamamos de motoboys, dos outros que usavam a moto como meio de transporte e
lazer. Assim, “motoqueiro” foi a primeira designação para o que hoje é, simplesmente,
a reconhecida categoria profissional “motoboy” ou “motofretista”, e “motoqueiro”
acabou passando a ser usada como sinônimo de arruaceiro no trânsito. Mas por
que isso?!
Na verdade, a origem das duas palavras,
"motociclista" e "motoqueiro", é anterior ao uso atribuído
na década de 80. As motos entraram em cena, de maneira significativa, como
estilo de vida, após a Segunda Guerra Mundial, dando origem aos clubes de
motociclismo que começavam como irmandades de veteranos. Entre 4 e 6 de julho
de 1947, Hollister, uma cidadezinha pacata com cerca de 4 mil habitantes,
sediava o evento da American Motorcyclist Association (Associação Americana de
Motociclismo), que reunia corrida de motos e muitas festas, e não contava com a
chegada em massa de bikers (como eram chamados, indistintamente, os condutores
de motos), que promoveram bebedeiras, brigas,
rachas de moto e confusões de toda ordem, necessitando de intervenção policial
e inúmeras prisões. O evento de Hollister Riot de 1947 foi um ponto de virada
na evolução da cultura biker e ajudou a consolidar a percepção comum a seu
respeito.
Em razão do encontro, logo depois, uma declaração da AMA (American Motorcycle Association) afirmou que 99% dos motociclistas eram cidadãos exemplares, que usavam motocicletas como lazer, nos finais de semana. O incidente inspirou o filme "The Wild One" (O Selvagem), estrelado por Marlon Brando em 1953, no papel de líder da gangue Black Rebel Motorcycle Club, e o estereótipo do “1%”, do fora da lei, do rebelde tatuado se popularizou e foi adotado por motoclubes pioneiros nos EUA, mesmo antes do filme.
O filme possuía um enredo pobre e um ideal raso, em uma representação um tanto distorcida do motociclismo. "O mundo da competição era um fator determinante para a formação e difusão dos motoclubes nos EUA. A AMA era responsável pelas regras relativas aos seus membros, pela segurança nas corridas, bem como pela ‘imagem familiar’ que os eventos necessitavam ter para a venda de ingressos..." (https://amigosdaviuva.jimdofree.com/a-historia-do-1). Nesse evento, por um descuido organizacional, alguns grupos arruaceiros que, por acaso, usavam (ou não) motos, foram para Hollister e começaram os problemas. A partir daí, a imprensa, vendo que o tipo de notícia vendia jornal, passou a publicar, o que hoje chamamos fake news, sobre o motociclismo, atribuindo aos motoclubes a responsabilidade pelo problema. Isso incentivou grupos vândalos, traficantes ou, simplesmente, playboys irresponsáveis a criarem o selo de "motoclubes clandestinos" (outlaw motorcycle clubs) em relação à AMA, que oficializava filiações, encontros e competições, e adotaram o emblema 1%, comprometendo a imagem dos motoclubes oficiais. "The Wild One", fazendo coro com a visão distorcida dos motoclubes, contribuiu para esta imagem, com um enredo barato, e influenciou toda uma geração dentro do motociclismo* e do rock. Um filme de peso, mas, puramente, comercial e carente de valor seja artístico, seja social.
À parte do cenário motoclubista, o bad boy encarnado por Brando, com sua jaqueta de couro, jeans e botas, foi a referência perfeita para os jovens dos anos 50 que buscavam uma forma de expressar sua rebeldia, entre eles, o ator James Dean e o cantor Elvis Presley. Nas décadas de 50-60, com a ascensão do Rock e a moda inspirada por esses ídolos, a moto teve sua presença elevada entre a juventude. Naquela época, no Brasil, as motos eram artigos de luxo, relacionadas a uma vida de playboy. Contudo, na década de 70, com uma novela da Globo (1973), “Cavalo de Aço”, cujos protagonistas eram Tarcísio Meira e sua moto, uma Honda CB 750F, um modelo importado, ainda novidade por aqui, a febre já nascente teve grande impulsionamento, em terras tupiniquins.
Com a ascensão da moto entre os
jovens, elas a apelidaram de motoca, em contraposição a motocicleta,
considerada uma denominação antiquada, usada pela geração dos pais, e por
analogia a cocota (que veio do francês cocotte), maneira como eram chamadas as
jovens (equivalente a “mina”, hoje). Então, motoca era a gíria do momento e,
por extensão, "motoqueiros" eram os descolados condutores de motocas,
envoltos no movimento da Jovem Guarda, associando-se o termo "motociclista" à linguagem dos "coroas", "antiquados", "caretas",
que viam os jovens como arruaceiros. Daí a correlação atual de
"motoqueiro" com "arruaceiro", reservando-se "motociclista" para os "ordeiros".
Assim, os "descolados da jovem guarda" eram considerados "arruaceiros" pelos "coroas que não compreendiam seu estilo de vida". Por outro lado, os "motociclistas" eram aqueles que tinham na moto apenas um meio de transporte e não um estilo de vida (lembrando que, nas décadas de 50-70, não existia uma categoria profissional que tinha, na moto, um meio de vida, o que veio a se consagrar apenas na década de 80, do século XX). Ainda que o Incidente de Hollister tenha cunhado uma imagem negativa aos bikers, dado o mau comportamento de alguns, o que a maioria buscava, ao comparecer ao evento, e quase a totalidade dos motoqueiros da Jovem Guarda faziam, nos anos 50 a 70, antes da depreciação do termo, era se reunir para confraternizar, ouvindo Rock (música de mau grado, na visão dos "coroas") e bebendo, sem intenções marginais, violentas ou ilegais. Não é isso, justamente, o que fazemos em nossos encontros de motogrupos e motoclubes? Nesse sentido, a despeito das controvérsias dentro do cenário motoclubista e, mais amplamente, motoclístico, a palavra "motoqueiro" aparenta ser mais condizente com as origens e sentidos do motoclubismo ou de um estilo de vida biker.
Em síntese, parece ser muito mais sensato utilizarmos a diferenciação entre os termos, a partir dos usos que se faz da moto e não do comportamento do usuário, pois maus e bons comportamentos podem ser vistos em qualquer um e a definição a partir desse critério cria preconceitos, enquanto a finalidade do uso é bem melhor delimitada, ainda que o usuário possa se incluir em mais de uma categoria, independentemente da cilindrada de sua moto. Nesse sentido, fica o entendimento:
- Finalidade profissional da moto (meio de sobrevivência): motofretista (motoboy ou mototaxista)
- Finalidade utilitária da moto (meio de transporte): motociclista
- Finalidade identitária da moto (estilo de vida): motoqueiro
Para encerrar, vale mencionar uma curiosidade referente à cultura motociclística além-mar, em terras lusitanas, a qual possui algumas diferenças em relação à nossa:
- Motociclista é aquele que anda de moto (por lá, “mota”), por razões profissionais ou não, ou seja, todo mundo que cavalga um cavalo de aço.
- Motard é o motociclista que gosta de andar de moto por lazer e dos convívios e encontros.
- Mototurista é o motociclista que tem preferência por viajar de moto para conhecer novos lugares.
- Motoqueiro é o motociclista arruaceiro e contador de histórias e bravatas sobre suas aventuras e arruaças, com um código de conduta pouco ético.
Como podemos ver, coincidência ou
não, “motoqueiro” possui um sentido pejorativo semelhante ao que é, inadequadamente,
utilizado no Brasil, por motivos que desconheço. Talvez, esses motivos sejam bem parecidos
aos nossos, dada a proximidade de Portugal em relação à França, país de origem
da palavra “cocota”, como já vimos, e “motoqueiro” tenha chegado ao Brasil sob
influência de nossos irmãos lusitanos, vai-se saber...mas isso é história pra
outro post!
*Importante mencionar a influência da Guerra do Vietnã sobre o surgimento dos Outlaw Motorcycle Clubs e seus badboys bikers. Os veteranos da guerra passaram a ser, altamente, discriminados pela população americana. Isso instigou vários a aderirem a esses motoclubes, expressando a visão que a população fazia deles, ao mesmo tempo, ampliando o efetivo dos mc e fortalecendo a imagem de "maus" que seus integrantes possuíam.