Walner Mamede
Para Rossoni e Mota (2017), à
guisa de Horkheimer (2002), na sociedade atual vige uma racionalidade
instrumental alienada e esvaziada de moralidade, aderente a símbolos de unidade
social constitutivos de identidades coletivas e comportamentos previsíveis, alheios
às diferenças individuais, à autonomia do pensamento e à autenticidade da ação.
Ao mesmo tempo, o narcisismo, a individualidade e a impessoalidade passam a ser
as grandes regentes das relações humanas, criando uma sensação de
não-pertencimento a qualquer lugar, na medida em que não há o reconhecimento de
si a partir do outro e sim a partir do símbolo unificador, ideologicamente, estabelecido
em favor de grupos específicos, monetariamente, interessados e apoiados por uma
mídia descomprometida com os anseios sociais amplos e múltiplos, inclusive,
para além do pluralismo, na esteira do que propõem Mol, Law e Hassar (1999) ao
discutir o conceito de política ontológica na constituição do espaço público.
Nesse contexto, ocorre a
construção de consensos pautados em meias verdades, a supressão da diversidade,
o esfacelamento das comunidades e a deslegitimação de interesses comuns, o que
fomenta o medo, a insegurança, o desamparo e a consequente imobilidade, sendo apresentado
o símbolo unificante como motor teleológico e referência para a reconfiguração
do coletivo e do pertencimento, ainda que as diferenças sejam maiores que as
pretensas semelhanças induzidas pelo símbolo. Isso conduz à massificação e
aniquilamento do indivíduo (Benjamin, 2000), que persegue necessidades alheias
como sendo suas, e constitui uma comunidade artificial e incompleta (Bauman,
2001), engendrada em torno do narcísico, da violência e da crueldade (Birman,
2006), cujo conteúdo moral é fragilizado por forças internas e externas de
dissolução e pela ausência do outro como contraponto ao eu: internas, pela
pressão exercida a partir das diferenças camufladas; externas, em razão das
inúmeras pressões de cooptação sofridas a partir de outros grupos de interesse;
sendo dirigida ao símbolo e não às pessoas, a convicção mantenedora da unidade produz
condutas pautadas na máxima “os fins justificam os meios”, já que o fim último
é a defesa do símbolo imbuído de valor moral, e a ética deixa de ser o fio
condutor, o que inviabiliza a busca do bem comum e a própria política,
particularmente, quando esse fim é monetizado e conduzido pelas relações de
consumo que doutrinam a construção da subjetividade nos tempos atuais (Benjamin,
2000; Birman, 2006; Rossoni e Mota, 2017).
Derivando da concepção trazida
por Arendt (2010), com a monetização do fim, poderíamos falar de um totalitarismo
dissimulado por meio de ferramentas da democracia, não um totalitarismo de
Estado, mas de grupos econômicos que colocam o Estado a seu serviço e aliciam
indivíduos a aderirem aos seus valores, ascendidos ao status de valor moral,
como caminhos de passagem obrigatória ao alcance de suas necessidades
individuais, à semelhança dos alistamentos encontrados na Teoria Ator-Rede (Latour,
2012). Essa perspectiva compromete o diálogo coletivo, que questiona o consenso
na busca do bom senso (Cavazza, 2008) por meio de um processo dialético (Cindra,
1995), e distancia a democracia vivida da democracia almejada, como nos coloca Chauí
(1986), radicalizando discursos que permanecem distantes da necessária
relativização. Nesse aspecto, a Educação e a educação possuem papel central,
pois têm o potencial de blindar o cidadão contra a manipulação e de o
instrumentalizarem para o debate fundamentado e consciente. E, aqui, não
falamos de qualquer Educação, mas daquela perspectiva trazida por Terci (2016),
na contramão da propaganda e dos agendamentos comportamentais orientados pela
ideologia do consumo e da submissão, que manipulam a opinião, implementam uma produção
em série da subjetividade e que, escapando aos canais midiáticos convencionais,
adentraram nossas escolas travestidos de educação.
Para Rossoni e Mota (2017), o
descaso com o bem comum, progenitor de uma conduta corrupta, antiética e
antipolítica no Brasil, seja no público, seja no privado, não tem suas raízes em
Governos específicos, em uma espécie de personificação mítica do Mal, ou na
contemporaneidade, como fazem crer as incursões da mídia de massa no tema.
Abordagens
dessa monta produzem discursos de ódio e estigmatizações, além de concepções
superficiais sobre o fenômeno que, em síntese, é sociológico e não se solverá nos
muitos e mal amarrados instrumentos legais, sem a participação efetiva de uma
Educação e uma educação verdadeiras, como propõe Terci (2016). Ao contrário, ainda
que elementos da pós-modernidade tenham acentuado o fenômeno, conforme apontam Rossoni
e Mota (2017) e Gomes (2008), tal descaso é tributário de princípios e valores
implantados em nossa sociedade e que remontam ao Período Colonial, particularmente,
com a instalação da Côrte Portuguesa no país. Um comportamento naturalizado nas
relações sociais cotidianas e legitimado pelo discurso da “natureza humana”
que, apesar de existente, precisa ser relativizado e se curvar ao crivo da
razão na direção de hábitos que sigam além de uma ética utilitarista narcisista
que, diferente do Utilitarismo de Benthan (1789), busca o prazer pessoal em
detrimento do coletivo em nome do direito a uma individualidade que rompe os
laços do sujeito com a sociedade.
Referências
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Janeiro: Forense Universitária.
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Cavazza, N. (2008). Psicologia das atitudes e das opiniões.
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Chauí, M. (1986). Conformismo e resistência. São Paulo,
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Cindra, J. L. (1995). Sobre uma visão dialética do mundo. Rev.
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Horkheimer, M. (2002). Dialética
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Latour, B. (2012). Reagregando o
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Rossoni, A.C.G.; Mota, R.F. (2017). A corrupção no contexto atual da mídia. Estudos Interdisciplinares em
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Terci, C.F.H. (2016). Propaganda
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(Doutorado em Educação)—Universidade de Brasília, Brasília.
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