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segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Sobre o PT e a Constituição de 88

Walner Mamede

Algumas coisas precisam ficar claras quanto ao posicionamento contrário do PT acerca da Constituição Federal de 88 à época de sua promulgação. Antes disso, alguns pressupostos precisam ser ditos:

-Primeiro, não faço defesa ao PT e sim à ideologia que fundamentou sua criação e, há muito, foi abandonada, na prática, apesar de estar presente de forma fragmentada no discurso, inclusive, pasmem, da direita!

-Segundo, há que se lembrar que o PT era (com ênfase no "era") um partido de esquerda e voltado à causa popular e trabalhista e que seus votos seguiram à risca seus preceitos ideológicos de defesa do social e da classe trabalhadora, algo louvável e que não ocorre hoje. Curiosamente, os partidos de direita adversários (já que o PT se "endireitou"), hoje, nadam de braçada manipulando tal contradição histórica do PT: ora acusando-o de comunista e esquerda radical contrária ao desenvolvimento nacional, ora retratando-o como hipócrita, pelego e "caviar", por abandono à sua militância de esquerda. Ora essa! Pelo princípio da contradição, é impossível que o PT seja as duas coisas ao mesmo tempo, sejamos racionais! Contudo, esse "discurselho" raso e retórico convence fácil os menos aptos e cria oposição não apenas ao PT, mas a toda possibilidade de um governo de esquerda, sem que se tenha, de fato, elementos contra a verdadeira esquerda, mas tão somente contra o PT que não mais representa essa tradição ideológica.

-Terceiro, hoje, a oposição política não é ideológica, ela não existe por divergência quanto ao que seria melhor para o país e sim quanto ao que será melhor para o partido (qualquer que seja), em outras palavras, busca-se o poder pelo poder e caga-se (com o perdão da palavra!) para como isso se reflete sobre o Brasil e nós, seu povo. Prova disso é o pedido de impeachment, sem o menor fundamento legal ou constitucional, que mina a imagem internacional do Brasil e eleva o Risco Brasil, reduzindo investimentos internacionais: não houve dolo comprovado da presidência em ato de lesa pátria, apesar de seus inúmeros tropeços administrativos e da enorme insatisfação popular. A oposição usa isso para manipular a opinião pública e a boiada segue sob o som do berrante.

Dito isso, partamos para o principal:

A Constituição de 88, à época de sua promulgação, se tornou uma colcha de retalhos com predominância dos ideais da direita, não atendendo ao que a esquerda desejava para o país e seus trabalhadores. A exemplo, a esquerda lutava por 40 horas semanais de trabalho (a Constituição impôs 44h); por dois terços a mais de férias do que estava na Constituição; por 100% de acréscimo sobre a hora trabalhada na hora extra (a Constituição impôs só 50%, menos do que já era vigente à época em alguns casos); por melhores condições para a reforma agrária (a Constituição ofertou menos que o Estatuto da Terra, do Marechal Castelo Branco); por aproximação dos militares aos civis em termos de direitos (na Constituição, militares continuaram com regalias e como uma classe à parte, com direitos especiais, que remetiam à Ditadura); por definição clara dos termos para estabilidade no emprego e do aviso prévio (a Constituição colocou isso como artigo a ser regulamentado a posteriori); por obtenção de um texto constitucional finalístico e com um todo coerente (a Constituição foi aprovada com aprox 200 artigos para serem regulamentados e que dão problemas até hoje); por definição de normas claras a favor do trabalhador e da democracia (a Constituição foi aprovada com um grande número de princípios gerais, sem garantia de que sua regulamentação se daria a favor do povo). Deem uma olhada no discurso pronunciado à época sobre tal assunto em http://noblat.oglobo.globo.com/discursos/noticia/2008/11/por-isso-que-pt-vota-contra-texto-da-constituicao-138367.html.

Para a esquerda da época, nomeadamente o PT, a Constituição promoveu avanços importantes, mas estava muito aquém do que poderia promover e deixou muito a desejar para o trabalhador e cidadão comum, mantendo a essência do poder latifundiário, industrial e militar em seu texto. Pois, segundo o próprio Lula, não basta uma democratização social onde se ausenta uma democratização do capital e da distribuição de renda, onde a diferença econômica e a soberania patronal permanece intacta. Por esse motivo, em nome do povo e da verdadeira democracia, a esquerda votou contra a Constituição e não pelos motivos que se têm veiculado nas diferentes mídias atuais (Facebook, sites, blogs, emails, Whats app, etc). É necessário que tenhamos esse discernimento para diferir o PT de hoje da esquerda histórica, o PT de hoje do PT de ontem, a direita da esquerda, sob o risco de, ao direcionarmos nossos votos e nossas críticas contra o PT (e, portanto, contra uma esquerda "endireitada"), o fazermos contra toda a ideologia de esquerda e fortalecermos os preceitos neoliberais do capital que, por princípio, não têm condições mínimas de, verdadeiramente, reduzirem diferenças sociais e econômicas, a não ser em seus discursos esvaziados de sentido e coerência, pois é da diferença, da injustiça social e do individualismo que o Capitalismo Neoliberal retira o alimento para sua existência, digam o que disserem seus defensores!

Muito poderia ser dito, ainda, sobre o posicionamento do PT acerca da eleição de Tancredo, que postergaria o debate sobre as Diretas Já tão desejado pelo povo brasileiro, da "coalizão" proposta por Itamar, que foi mero artifício da direita para impor seus ideais, e do calote da dívida externa, que poderia dar ao Brasil a liberdade e o fôlego necessários para negociá-la segundo seus próprios termos e sem as pressões e imposições dos EUA, entre diversos outros disparates expostos em sites como http://www.averdadesufocada.com/index.php/voc-sabia-especial-89/3934-0710-um-resgate-da-histria-do-pt. Mas vou deixar isso para os que, motivados pelo texto acima, procurarão refletir sobre o conteúdo falacioso de tais acusações, as quais são feitas de forma anacrônica e fora do contexto em que se deram as decisões políticas, desconsiderando motivações e inúmeras variáveis que não se reduzem ao que em tais críticas está, muito superficialmente, exposto. Variáveis que, entre outras coisas, representavam o compromisso do PT com o trabalhador e com o povo brasileiro e que, talvez, esteja ausente dos interesses atuais desse partido que já foi, para mim, um forte referencial político, mas que, hoje, não mais me representa.