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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A Ciência explica a paixão, o casamento e a separação?

‘Amor: início, meio e fim’. Li essa matéria na Super Interessante (n. 278, maio/2010; p. 46-55) e achei super interessante! Na verdade, já havia lido outros vários estudos que têm sido realizados nessa direção, desde a comparação entre o chimpanzé, o gorila e o ser humano, quanto ao comportamento de acasalamento, até o registro de imagens do cérebro durante situações românticas. Essa matéria, especificamente, aborda a questão do ponto de vista dos hormônios, realizando links da Biologia com a Antropologia e a Psicologia em um estudo empírico suportado por análise estatística sobre a relação entre o homem e a mulher, realizado em mais de 37 países (mais de 10 mil pessoas), incluindo o Brasil, por diferentes instituições de pesquisa. Como os próprios pesquisadores alertam, não somos ‘robôs biológicos’, portanto as conclusões, apesar de abrangentes e com probabilidades altíssimas de ocorrerem com a grande maioria de nós, não podem ser analisadas à revelia dos princípios materializados na concepção da Curva de Gauss, onde os extremos, apesar de constituírem exceções mais raras, são passíveis de ocorrência. Ou seja, em alguns momentos, aspectos como a cultura e os valores pessoais, bem como a variabilidade biológica e a racionalização da conduta podem interferir nos resultados e respostas de alguns indivíduos às situações postas, pois, como tudo o que é científico, isso é também probabilístico. Curioso é perceber que grande parte do que está explícito nesta matéria em termos científicos vem sendo afirmado há várias gerações pelo senso comum na forma de ditos e costumes populares. Disso depreendemos que tais conclusões não são tão estapafúrdias quanto alguns possam achar em função dos preconceitos que existem contra as incursões da Biologia nesse terreno. Assim, seguem-se alguns tópicos que resumem o conteúdo da reportagem, mas que não exime da necessidade de lê-la integralmente ou mesmo buscar outras fontes de consulta:
1.       Mulheres dizem que ‘tamanho não é documento’. Depende tamanho de quê! Se for da conta bancária, importa e muito! Mulheres tendem a se sentir mais atraídas por homens bem sucedidos financeiramente, pois conferem a sensação de segurança, capacidade de manutenção da prole e proteção da parceira, indicando serem bons provedores.
2.       Para o homem a beleza e a juventude da mulher são essenciais e isso é explicado biologicamente: a mulher, quando vê o homem, aciona regiões cerebrais relacionadas com a atenção, motivação e memória, já o homem, ao ver uma mulher, aciona áreas de processamento visual (Área Fusiforme). Isso, talvez, explique porque, para a mulher, um homem que transmita a sensação de segurança e acolhimento tenha primazia no momento de constituir uma família.
3.       Homens muito bonitos geram insegurança na mulher, pois a facilidade que têm de atrair a atenção do sexo oposto lhes confere um comportamento menos monogâmico, preferindo relacionamentos menos duradouros. Ainda que sejam fiéis durante a relação, preferem contatos mais fugazes (estratégias de reprodução de curto prazo) e isso compromete a confiança feminina de que ele é uma boa opção para a manutenção da prole pelo tempo necessário.
4.       Homens com traços masculinos muito marcantes geram o sentimento de virilidade, força e saúde, portanto, genes mais aptos a garantir a sobrevivência da prole -, por isso atraem a atenção da mulher quando sua intenção é um relacionamento menos duradouro (mero acasalamento para coleta de material genético). Contudo, para a constituição familiar, homens com traços mais suaves são preferidos, pois geram o sentimento de segurança e acolhida necessários à manutenção da prole e proteção da fêmea. Isso se deve ao teor de testosterona. Homens com traços marcadamente masculinos possuem mais testosterona e, portanto, são menos acolhedores e mais agressivos, dominadores e infiéis (já que este hormônio é o responsável pelo tesão). Se, ainda, vivêssemos era primitiva, tais espécimes masculinos seriam os reprodutores que espalhariam seus genes em maior quantidade, enquanto os menos ‘trogloditas’ seriam os provedores da família, garantindo a sobrevivência da prole, ainda que não fosse biologicamente sua. Lembremos que o casamento e a fidelidade conjugal são comportamentos bem recentes na história da humanidade e decorrentes de valores morais nada relacionados com a biologia de reprodução da espécie.
5.       Quanto melhor o sistema de saúde de um país, mais as mulheres preferem homens com traços mais suaves (não confundir com afeminados). Isso se explica pelo fato de que elas não precisam se preocupar com a qualidade do material genético coletado, já que o sistema de saúde é capaz de garantir a saúde da prole e a menor incidência de problemas de saúde coletiva. Assim, o ambiente deixa de ser uma preocupação à sobrevivência da prole, sendo necessário apenas um bom provedor, o que é conseguido com homens cuja aparência é menos masculina (talvez resida nisso o fato de ‘machões’ estarem saindo de cena e dando lugar aos metrossexuais).
6.       Relacionamentos em que as mulheres são bonitas e os homens nem tanto tendem a ser mais estáveis e duradouros. Como, para o homem, a beleza é fundamental, e ele está recebendo algo que preza muito, seu esforço para agradar a mulher e mantê-la ao seu lado é maior, nisso, a mulher recebe o que mais valoriza, atenção e segurança, o que estabiliza a relação e torna-a mais duradoura. Também, mulheres com maior nível de instrução (ou mais inteligente) que o homem produzem a admiração necessária à dedicação do homem à manutenção da relação.
7.       O sentimento de tesão, paixão e amor (desejo de laços românticos estáveis e duradouros) são independentes e podem ocorrer de forma simultânea direcionados a pessoas diferentes. O tesão tem relação com os níveis de testosterona, a paixão com dopamina e o amor com vasopressina (homem) e ocitocina (mulheres). Ou seja, você pode amar sua esposa (ou esposo), se apaixonar pela amiga (ou amigo) e ter o maior tesão na vizinha (ou vizinho) sem que um sentimento comprometa o outro ou seja falso. Apesar de ocorrência independente, um pode levar ao outro. Se transamos com uma pessoa, nossos níveis de dopamina e vasopressina/ocitocina aumentam e estabelecemos uma relação entre tais aumentos e a pessoa com quem estamos, o que induz sentimentos de paixão e desejo de romance em relação a ela, se existirem outras afinidades e não formos determinados em romper tais sentimentos, a confusão está feita. A situação é equivalente à dependência química (na qual há envolvimento de dopamina). A pessoa que provoca o aumento de dopamina é vista como uma promotora de bem-estar (como uma droga): o núcleo acúmbens, no cérebro, é ativado na busca do sentimento de recompensa/prazer que a outra pessoa provoca e nos tornamos dependentes, às vezes, compulsivos. Portanto, sexo 100% livre de afeto é, biologicamente, impossível.
8.       O cheiro (imperceptível de forma consciente) é o grande atrativo para a permanência da relação. Ele indica afinidades imunológicas e uma pessoa sempre procura na outra esse odor que indica ser o sistema imunológico dela complementar ao seu, o que garante maior variedade genética à resistência a doenças. É a famosa ‘coisa de pele’ que o senso comum já conhece.
9.       A adoção da postura bípede obrigou a mulher a carregar o filhote nos braços, dificultando sua defesa contra predadores e a obtenção do próprio alimento. Para garantir a sobrevivência de seu material genético, o homem teve que assumir a posição de defensor de ambos. Como era difícil defender mais de uma mulher ao mesmo tempo, a monogamia se impôs como recurso de sobrevivência. A manutenção da posição bípede era incompatível com o crescimento contínuo da caixa craniana humana, pois a pélvis não podia crescer proporcionalmente. Assim, o nascimento do bebê humano passou a ocorrer de forma prematura, o que o deixava dependente da mãe por um período maior que as outras espécies e obrigava o homem a se manter por perto durante mais tempo. A manutenção dessa situação era garantida pelo aumento dos hormônios relacionados com o amor, que deixam as pessoas mais tranqüilas e seguras quando estão próximas uma da outra, estendendo a vida do homem em 7 anos e a da mulher em 2. Estabelecia-se o núcleo familiar pai-mãe-filho. Apesar disso, a monogamia era provisória e, no momento em que a criança adquiria certa independência (em torno dos 7 anos), os hormônios masculinos já estavam em alta e ele já poderia procurar outra fêmea da espécie para copular. Cabe lembrar que monogamia não implica, necessariamente, fidelidade sexual, mas lealdade com o compromisso de manter uma única fêmea e seu rebento.
10.   A ‘crise dos sete anos’ existe e tem um objetivo reprodutivo da espécie. O número de separações aumenta a partir do 3o ano de relacionamento e atinge seu pico no 7o ano. A essa altura, 50% dos casais têm relacionamentos extraconjugais, seja pelo lado do homem, seja da mulher (passageiros ou duradouros, com ou sem a presença de sexo, pode-se acrescentar). As taxas hormonais, alteradas pela segurança e tranqüilidade obtidas no núcleo familiar, tendem a se restabelecer e ‘empurram’ o olhar do casal ‘para fora’. O objetivo da mamãe-natureza era garantir que, num primeiro momento, houvesse a proteção da fêmea e seu filhote pelo macho e, em um segundo momento, quando mãe e filho fossem capazes de se defender e buscar seu próprio alimento, que o macho se libertasse para espalhar seus genes e a fêmea para receber os genes de outro macho, perpetuando a espécie. O primeiro momento duraria, aproximadamente, 7 anos. O ciúme surgiria como um sinal de alerta de que a fêmea estaria prestes a ser enxertada com material genético de outro macho ou que o macho estaria negligenciando sua família (e, portanto, comprometendo a alimentação e segurança que deveria prover) em detrimento de outra fêmea. Por isso, para o homem atual (ciúme = ativação do Hipotálamo e da Amígdala) é mais difícil aceitar uma traição sexual, enquanto para a mulher (ciúme = ativação do Sulco Temporal Posterior Superior) é mais difícil aceitar o envolvimento emocional de seu parceiro com outra. O homem percebe a intenção sexual existente entre a parceira e o adversário, já a mulher percebe a intenção afetivo-emocional que paira no ar entre ambos. Não que ambos não tenham dificuldade de aceitar as duas situações, mas, simplesmente, uma é mais inaceitável que outra.
11.   A rotina é essencial à manutenção da espécie humana. Graças a ela fazemos filhos, formamos uma família, enriquecemos e até vivemos mais. Após o nascimento do filhote, os níveis de testosterona do homem caem até 33%. A proximidade com a família (abraços carinhosos na mulher e brincadeiras com a criança) força ainda mais essa queda. É a forma que a natureza encontrou de tornar o homem mais dócil e menos propenso à ‘caçada sexual’ extra-lar para que ajude na criação da prole. Isso garante a manutenção da família, mas tem o efeito colateral de reduzir o desejo sexual do homem em relação à sua parceira: a paixão se esvai.
12.   A familiaridade construída em relação à pessoa amada produz uma monotonia prejudicial à relação. Não há mais o que descobrir, não há mistério, não há novidade, portanto, não há paixão. A distância física da outra pessoa, a inovação, a erotização, a aventura podem manter ou reacender a paixão, pois isso ativa o sistema de recompensa do cérebro e também aumenta os níveis de testosterona, garantido vitalidade à relação. Também, o excesso de expectativa que depositamos sobre a outra pessoa tende a produzir frustrações ao longo do tempo e isso desgasta a relação. Culturas nas quais os casamentos são arranjados apresentam índices de satisfação matrimonial superior, pois o amor nasce pequeno e cresce com o tempo (o oposto do que ocorre no Ocidente), não gerando frustrações a partir de expectativas pré-concebidas.
13.   A dor da separação é uma espécie de síndrome de abstinência. Quando nos apaixonamos por alguém, nosso cérebro recebe doses maciças de Dopamina. Se a relação dura o suficiente, a Vasopressina (no homem) e a Ocitocina (na mulher) passam a ser os grandes condicionadores do comportamento em relação à pessoa amada. O prazer gerado por tais hormônios produz uma dependência (tipo de vício) da pessoa em relação ao objeto (no caso, a outra pessoa) que provoca sua liberação no corpo. No momento em que o relacionamento é rompido unilateralmente, a pessoa que não era favorável ao rompimento se sente como um viciado que tem seu acesso às drogas obstruído e age como tal, fazendo promessas de bom comportamento para obter a pessoa amada de volta e conseguir o estímulo necessário de sua região cerebral relacionada com a sensação de recompensa e prazer. Após um tempo, o corpo se habitua à ausência de tais hormônios nos níveis em que estavam e a pessoa se conforma com a situação ou mesmo sente raiva (ódio e amor se relacionam com a Ínsula e o Putâmen, sendo que o ódio possibilita maior capacidade de planificação das ações e tem a função de nos empurrar para frente) da outra pessoa e direciona sua atenção para outras coisas que lhe proporcionem prazer (um outro relacionamento, muitas vezes, é o remédio mais procurado). Via de regra, a dor da separação é menos duradoura do que imaginamos que será e nos reerguemos rápido. Nossa capacidade de recuperação de dores emocionais é tanta que estudos mostram que, após um ano, tetraplégicos e ganhadores na loteria podem ter o mesmo nível de felicidade que tinham antes da ocorrência do fato.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Sobre religiosidade e espiritualidade


O texto abaixo, em tese, de um Pastor Evangélico, refere-se ao episódio envolvendo os jogadores do Santos numa visita ao Lar Espírita Mensageiros da Luz, que cuida de crianças com deficiência cerebral, para entregar ovos de Páscoa. Uma parte dos atletas, dentre eles Robinho, Neymar, Ganso e Fabio Costa, se recusaram a entrar na entidade e preferiram ficar dentro do ônibus do clube, sob a alegação de que eram evangélicos e não entrariam num local fundado e dirigido por Espíritas. Vale a pena ver o que o Pastor disse a respeito. O autor só escorrega ao final do quarto parágrafo, qdo fala de um deus com ‘D’ maiúsculo, pois essa é uma visão cristã, eminentemente, religiosa e não espiritualista como o Pastor defende. É como se, nesse momento, ele se esquecesse de sua narrativa original e desconsiderasse o deus de qualquer outra religião, afirmando a superioridade (subsumida) do deus cristão. Deus, com maiúscula, não pode ser sinônimo de verdade e perfeição em sobreposição a outros deuses. Essa é a tradição cristã. ‘Deus’ maiúsculo é o nome próprio de um deus. É uma subcategoria lingüística dentro de uma categoria maior, a saber, a de deuses. A adoção do maiúsculo foi apenas um subterfúgio cristão pela apropriação de um termo da língua e sua ressignificação conforme um objetivo ideológico bem definido: a equivalência lingüística com o intuito do convencimento/sedução. Se Deus ou deuses existem ou não, se são bons ou ruins, é outra estória. A questão é: por que não utilizar outro nome para o deus cristão em vez de simplesmente reutilizar um termo genérico (‘deus’) ressignificado com letra maiúscula (‘Deus’)? Respondo: marketing! Algo tão antigo (ainda que não com esse nome e nem tão sistematizado e consciente como hoje) qto o próprio Cristianismo e inerente ao sincretismo que garantiu a sobrevivência cristã durante os séculos em detrimento de outras religiões. Apesar disso (um pequeno deslize por ser o pastor um cristão, mas que, com certeza, o corrigiria se pudesse, pois contradiz a totalidade do texto), a mensagem é ótima e merece meus aplausos!


Reflexão para a paz


Ed René Kivitz, cristão, pastor evangélico e santista desde pequenininho.

Os meninos da Vila pisaram na bola, mas prefiro sair em sua defesa. Eles não erraram sozinhos. Fizeram a cabeça deles. O mundo religioso é mestre em fazer a cabeça dos outros. Por isso, cada vez mais me convenço que o Cristianismo implica na superação da religião, e cada vez mais me dedico a pensar nas categorias da espiritualidade, em detrimento das categorias da religião. 

A religião está baseada nos ritos, dogmas e credos, tabus e códigos morais de cada tradição de fé. A espiritualidade está fundamentada nos conteúdos universais de todas e de cada uma das tradições de fé. 

Quando você começa a discutir quem vai para céu e quem vai para o inferno, ou se Deus é a favor ou contra a prática do homossexualismo, ou mesmo, se você tem que subir uma escada de joelhos ou dar o dízimo na igreja para alcançar o favor de Deus, você está discutindo religião. Quando você começa a discutir se o correto é a reencarnação ou a ressurreição, a teoria de Darwin ou a narrativa do Gênesis, e se o livro certo é a Bíblia ou o Corão, você está discutindo religião. Quando você fica perguntando se a instituição social é espírita kardecista, evangélica, ou católica, você está discutindo religião. 

O problema é que toda vez que você discute religião você afasta as pessoas umas das outras, promove o sectarismo e a intolerância. A religião coloca de um lado os adoradores de Alá, de outro os adoradores de Yahweh, e de outro os adoradores de Jesus. Isso sem falar nos adoradores de Shiva, de Krishna e devotos do Buda, e por aí vai. E cada grupo de adoradores deseja a extinção dos outros, ou pela conversão à sua religião, o que faz com que os outros deixem de existir, enquanto outros, e se tornem iguais a nós, ou pelo extermínio, através do assassinato em nome de Deus, ou melhor, em nome de um deus, com d minúsculo, isto é, um ídolo que pretende se passar por Deus. 

Mas quando você concentra sua atenção e ação, sua práxis, em valores como reconciliação, perdão, misericórdia, compaixão, solidariedade, amor e caridade, você está no horizonte da espiritualidade, comum a todas as tradições religiosas. E quando você está com o coração cheio de espiritualidade, e não de religião, você promove a justiça e a paz. Os valores espirituais agregam pessoas, aproximam os diferentes, fazem com que os discordantes no mundo das crenças se dêem as mãos, no mundo da busca de superação do sofrimento humano, que a todos nós humilha e iguala, independentemente de raça, gênero, e inclusive religião. 

Em síntese, quando você vive no mundo da religião, você fica no ônibus. Quando você vive no mundo da espiritualidade, que a sua religião ensina – ou pelo menos deveria ensinar, você desce do ônibus e dá um ovo de páscoa para uma criança que sofre a tragédia e a miséria de uma paralisia mental.