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terça-feira, 10 de agosto de 2010

Sobre religiosidade e espiritualidade


O texto abaixo, em tese, de um Pastor Evangélico, refere-se ao episódio envolvendo os jogadores do Santos numa visita ao Lar Espírita Mensageiros da Luz, que cuida de crianças com deficiência cerebral, para entregar ovos de Páscoa. Uma parte dos atletas, dentre eles Robinho, Neymar, Ganso e Fabio Costa, se recusaram a entrar na entidade e preferiram ficar dentro do ônibus do clube, sob a alegação de que eram evangélicos e não entrariam num local fundado e dirigido por Espíritas. Vale a pena ver o que o Pastor disse a respeito. O autor só escorrega ao final do quarto parágrafo, qdo fala de um deus com ‘D’ maiúsculo, pois essa é uma visão cristã, eminentemente, religiosa e não espiritualista como o Pastor defende. É como se, nesse momento, ele se esquecesse de sua narrativa original e desconsiderasse o deus de qualquer outra religião, afirmando a superioridade (subsumida) do deus cristão. Deus, com maiúscula, não pode ser sinônimo de verdade e perfeição em sobreposição a outros deuses. Essa é a tradição cristã. ‘Deus’ maiúsculo é o nome próprio de um deus. É uma subcategoria lingüística dentro de uma categoria maior, a saber, a de deuses. A adoção do maiúsculo foi apenas um subterfúgio cristão pela apropriação de um termo da língua e sua ressignificação conforme um objetivo ideológico bem definido: a equivalência lingüística com o intuito do convencimento/sedução. Se Deus ou deuses existem ou não, se são bons ou ruins, é outra estória. A questão é: por que não utilizar outro nome para o deus cristão em vez de simplesmente reutilizar um termo genérico (‘deus’) ressignificado com letra maiúscula (‘Deus’)? Respondo: marketing! Algo tão antigo (ainda que não com esse nome e nem tão sistematizado e consciente como hoje) qto o próprio Cristianismo e inerente ao sincretismo que garantiu a sobrevivência cristã durante os séculos em detrimento de outras religiões. Apesar disso (um pequeno deslize por ser o pastor um cristão, mas que, com certeza, o corrigiria se pudesse, pois contradiz a totalidade do texto), a mensagem é ótima e merece meus aplausos!


Reflexão para a paz


Ed René Kivitz, cristão, pastor evangélico e santista desde pequenininho.

Os meninos da Vila pisaram na bola, mas prefiro sair em sua defesa. Eles não erraram sozinhos. Fizeram a cabeça deles. O mundo religioso é mestre em fazer a cabeça dos outros. Por isso, cada vez mais me convenço que o Cristianismo implica na superação da religião, e cada vez mais me dedico a pensar nas categorias da espiritualidade, em detrimento das categorias da religião. 

A religião está baseada nos ritos, dogmas e credos, tabus e códigos morais de cada tradição de fé. A espiritualidade está fundamentada nos conteúdos universais de todas e de cada uma das tradições de fé. 

Quando você começa a discutir quem vai para céu e quem vai para o inferno, ou se Deus é a favor ou contra a prática do homossexualismo, ou mesmo, se você tem que subir uma escada de joelhos ou dar o dízimo na igreja para alcançar o favor de Deus, você está discutindo religião. Quando você começa a discutir se o correto é a reencarnação ou a ressurreição, a teoria de Darwin ou a narrativa do Gênesis, e se o livro certo é a Bíblia ou o Corão, você está discutindo religião. Quando você fica perguntando se a instituição social é espírita kardecista, evangélica, ou católica, você está discutindo religião. 

O problema é que toda vez que você discute religião você afasta as pessoas umas das outras, promove o sectarismo e a intolerância. A religião coloca de um lado os adoradores de Alá, de outro os adoradores de Yahweh, e de outro os adoradores de Jesus. Isso sem falar nos adoradores de Shiva, de Krishna e devotos do Buda, e por aí vai. E cada grupo de adoradores deseja a extinção dos outros, ou pela conversão à sua religião, o que faz com que os outros deixem de existir, enquanto outros, e se tornem iguais a nós, ou pelo extermínio, através do assassinato em nome de Deus, ou melhor, em nome de um deus, com d minúsculo, isto é, um ídolo que pretende se passar por Deus. 

Mas quando você concentra sua atenção e ação, sua práxis, em valores como reconciliação, perdão, misericórdia, compaixão, solidariedade, amor e caridade, você está no horizonte da espiritualidade, comum a todas as tradições religiosas. E quando você está com o coração cheio de espiritualidade, e não de religião, você promove a justiça e a paz. Os valores espirituais agregam pessoas, aproximam os diferentes, fazem com que os discordantes no mundo das crenças se dêem as mãos, no mundo da busca de superação do sofrimento humano, que a todos nós humilha e iguala, independentemente de raça, gênero, e inclusive religião. 

Em síntese, quando você vive no mundo da religião, você fica no ônibus. Quando você vive no mundo da espiritualidade, que a sua religião ensina – ou pelo menos deveria ensinar, você desce do ônibus e dá um ovo de páscoa para uma criança que sofre a tragédia e a miséria de uma paralisia mental.

2 comentários:

  1. Olá Weber!

    Tive a mesma impressão a esse respeito, contudo, ainda que não seja do Pastor, o conteúdo é interessante. Apesar de eu não ser religioso, acredito que atitudes como a efetuada pelos jogadores, merecem ser expurgadas da sociedade. Apenas por isso resolvi publicar o texto, além do quê, ele é polêmico e pode dar um debate interessante. Obrigado pela lembrança da autoria, algo que eu deveria ter mencionado com ênfase na introdução.

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  2. Utilizam o Deus com d maiúsculo porque a doutrina afirma que o Deus cristão é o unico Deus, verdadeiro e perfeito, e todos os outros deuses são ídolos que tentam se passar por tal.
    A adoção do maíusculo foi um sinal de respeito, de afirmação da fé. Como a visão é monoteísta, o termo em questão se refere apenas a um indivíduo, o que agrega a ele o valor de nome, logo é possivel a adoção do D maiúsculo. Ao afirmar Deus com D maiúsculo, ele nega automaticamente a existencia de outros deuses, conforme diz a doutrina cristã. Vale lembrar que, apesar de respeitar as outras religioes, ele como cristão nao as aceita como corretas, tampouco concorda com as outras idéias. Ele apenas respeita.
    Ele defende a visão espiritual conforme o que prega o cristianismo, entao nao vejo contradição no texto dele.

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