Navegue entre as páginas

domingo, 28 de fevereiro de 2021

Um ano de Covid-19 e permanecemos no mesmo lugar: estamos olhando para a direção certa?

 




Ainda que as morbidades sobre a saúde individual, decorrentes de uma crise econômica, apenas se manifestem frente a um descaso do Governo com medidas de mitigação das carência sociais e do Sistema de Saúde [1, 2], é difícil fechar os olhos para a possibilidade de que elas surjam, em contextos como o Brasil, como resultado da crise econômica que se avizinha derivada da crise sanitária, pela qual estamos passando, e seus protocolos erráticos, como aponta o vídeo [3]. Realizada essa consideração e excetuando-se a crítica descontextualizada que o vídeo [3] faz de uma fala de Stalin, sou forçado a concordar com ele, sendo, inclusive, muito de sua argumentação parte do artigo que publiquei [4] no início da pandemia, antes mesmo da maioria dos argumentos contrários surgirem na mídia científica ou leiga...*e eu sou de ESQUERDA!!!*.

Reafirmo, aqui, a minha "esquerdisse", para deixar claro de onde estou falando, pois, apesar de o vídeo [3] afirmar que deixou de lado questões políticas e que se ateve a uma visão técnica do assunto, ele é aberto com uma declaração, de seu autor, como conservador e com uma crítica a Stalin e se encerra, também, criticando Stalin, numa clara oposição entre Direita e Esquerda, como se o apoio ou oposição aos métodos de contenção da Covid fossem derivados da orientação política de quem fala. Se queremos superar a insanidade na qual o mundo imergiu, é preciso ter claro que esse não é o ponto de inflexão da curva. O posicionamento pró ou contra protocolos radicais de contenção tem muito mais relação com interesses político-econômicos (e não ideológico-partidários) de grupos sociais e com o desconhecimento generalizado, assim como com uma personalidade passiva, adesista e idólatra, de um lado, em oposição a uma personalidade combativa, negacionista e cética, de outro, extremos entre os quais a maioria de nós se posiciona, uns mais para um lado, outros mais para o outro.

É interessante notar que o vídeo [3] menciona a taxa de letalidade (e não de mortalidade, pois essa tende a ser até menor) por infecção (IFR), que é relativa ao nr de óbitos por nr de indivíduos infectados (mesmo os assintomáticos), uma taxa mais realista da importância do vírus. Em discursos mais sensacionalistas, é comum mencionar-se a taxa de letalidade por casos clínicos (CFR), que é o número de óbitos por doentes confirmados e que deixa de lado os casos assintomáticos, leves ou que não procuraram hospitais e postos de Saúde, o que torna o valor da taxa muito maior, mais variável e pouco confiável no que concerne à importância real do problema para a tomada de decisões pela Adm. Pública. Associado a isso, temos a omissão do debate político, midiático e científico sobre a necessária estratificação dos casos, conforme seu perfil epidemiológico, sócio-econômico, demográfico e geográfico, para a tomada de decisões técnicas. Tal negligência encaminha as decisões no sentido de ações generalizantes, que desconsideram idade, sexo, raça, condições prévias de saúde, contexto social e outras variáveis importantes na determinação das taxas de mortalidade e letalidade, subestimando ou superestimando dados de incidência e prevalência em grupos específicos, tratando uns pelos outros [4].

O Sistema de Saúde (privado, assistencial ou público, em uma sequência histórica de seu surgimento) surgiu como forma de atender as demandas da população e não o contrário. Há poucos dias circulou nas mídias uma reportagem com um médico dizendo "Os hospitais estão cheios, porque as ruas estão cheias...as pessoas precisam ficar em casa...". Oras, os hospitais, os profissionais e o Sistema de Saúde, existem, precisamente, para que possamos ter a tranquilidade necessária para viver. Sua existência apenas se justifica como instrumentos para a possibilidade de socialização e trabalho, dois elementos fulcrais para a constituição do processo civilizatório, que nos trouxe até aqui. Discussões filosóficas à parte, sobre se nosso status civilizatório está ou não adequado, nos dizer que devemos suprimir nossa convivência social, indefinidamente (pois é isso que está acontecendo e irá continuar, se não nos levantarmos em oposição), sem qualquer comprovação razoável de que isso é eficaz e efetivo [6], em um eterno ensaio-e-erro, representa negar a racionalidade e a dinâmica pela qual nos tornamos quem somos como civilização, sem apresentar alternativa melhor e negligenciando dados que já estão à nossa disposição. Ainda que existam casos de sucesso relatados sobre o lockdown [6], os indicadores para sua avaliação são, absurdamente, obscuros e os resultados contraditórios.

Tivemos tempo e, hoje, possuímos dados para o planejamento adequado da mitigação da pandemia, no entanto, continuamos no mesmo ponto de há um ano, em termos de ações sociais. Isso acaba por colocar a sociedade a serviço do Sistema de Saúde, invertendo valores e a relação, em razão da incompetência ou má índole não apenas de nossos gestores públicos e políticos, mas também dos próprios sistemas de Saúde e da Ciência, tanto no que diz respeito à gestão de recursos financeiros, humanos e materiais, quanto no que se refere à produção de conhecimentos, sistematização e análise de dados e desenvolvimento de protocolos. Diante disso, é difícil concordar, passivamente, com a forma pela qual o problema da Covid vem sendo atacado, apesar de concordar com o mérito da questão, qual seja: a Covid é uma questão de (s)Saúde (p)Pública (com letras maiúsculas e minúsculas) grave e, como tal, precisa ser mitigada, como qualquer outra doença infecciosa, mas não à custa da vida (social e biológica) do próprio hospedeiro, pois a melhor maneira de se erradicar um doença é eliminando os doentes, mas um remédio não pode ser mais danoso à vida que o mal que ele combate! Todos estamos, aparentemente, escorados em uma histórica zona de conforto paralisante, "montando quebra-cabeças", como diria Thomas Kuhn. Para finalizar, acrescento um interessante ditado popular "Está tudo tão de cabeça pra baixo que, daqui a pouco, tem poste fazendo xixi em cachorro e todo mundo achando normal!". Após um ano, temos apenas mais do mesmo!


Para aprofundar no assunto:

[1] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52330852

[2] https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2214109X19304097

[3] https://youtu.be/tu1dT0fPLkw

[4] https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/sustinere/article/view/50902/34331

[5] https://revistapesquisa.fapesp.br/o-enigma-da-letalidade/

[6] https://exame.com/ciencia/lockdown-e-perda-de-tempo-e-pode-matar-mais-diz-cientista-de-stanford/