Navegue entre as páginas

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Psicanálise e Psicologia: o que as define?

 

Interessante vídeo do Prof. Dunker, ao qual não pude deixar de fazer algumas considerações, sem a pretensão de grandes aprofundamentos teóricos ou compromissos com a forma discursiva acadêmica, como é próprio deste espaço de diálogo, mais no sentido de acrescentar do que de contestar algo. Convido você, caro leitor, a assistir ao vídeo e ler a pequena elucubração a seguir.




De forma geral, toda área de conhecimento pode lançar mão da mesma justificativa dada para a Psicanálise: "a graduação não permite um conhecimento profundo da MINHA ÁREA de especialização, pois ela, a graduação, se ocupa de explanar, em amplitude e não em profundidade, as diferentes vertentes do campo profissional ao qual está ligada. Assim, perde de perspectiva o acúmulo histórico de conhecimentos acumulados por MINHA ÁREA, que exigem maior tempo de dedicação e estudo para serem apropriados, permitindo um domínio profundo da literatura e suas práticas". Se pensarmos dessa forma, todas as vertentes da Psicologia podem se posicionar da mesma maneira.

No meu entender, a diferença não deveria ser focada na contraposição entre Psicologia e Psicanálise como cursos de formação, pois, visivelmente, a primeira estará em uma hierarquia inferior, pelo próprio propósito da graduação em relação à pós-graduação Lato ou Stricto sensu, assim como o seria Farmácia e Farmacologia, p. ex, entre tantos outros exemplos. Onde estaria a diferença primordial, então? Para além da contraposição como cursos de formação, que denuncia uma diferença de grau, poderíamos evocar o que foi dito no início do vídeo e que explicita uma diferença de natureza e origem, ainda que esta pareça ter se perdido ao longo do tempo: Psicologia como campo de estudo acadêmico, que busca a compreensão dos processos mentais, proposta por Wundt, em meados do século XIX, e Psicanálise como aplicação do conhecimento sobre os processos mentais, com fins na terapia, como proposta por Freud, em meados dos anos 90, do século XIX.

No primeiro caso, a sofisticação do conhecimento se daria pela pesquisa experimental e a reflexão filosófica acerca de um objeto, a mente, sem um compromisso terapêutico, no segundo caso, pela aplicação prática do conhecimento à pessoa, com o objetivo de solucionar um problema, eminentemente, existencial humano, por meio da terapia, ambas com aportes da Filosofia e do método científico positivista, este em franco desenvolvimento, à época. Seria impossível evitar que as duas áreas se tocassem, colidissem ou mesmo se fundissem como campos de estudo, em algum momento, definidas as especificidades metodológicas próprias de cada uma, e disputassem mercado, a partir da formação de seus profissionais, como é comum às diferentes áreas do conhecimento, inclusas as diferentes linhas da Psicologia (ou Psicanálise), entre si, as quais se diferenciam, ainda, pelo grau de formação de seus egressos.

Nesse sentido, acho difícil abordar essa questão me referindo a ambas no singular, como se existisse uma unidade teórico-metodológica e paradigmática para cada uma. No meu entender, é mais prudente e parcimoniosa a abordagem como "Psicologias" e "Psicanálises", ainda que pontos comuns existam entre as diferentes linhas no interior de cada uma, o que nos permite abordá-las, conjuntamente, como campo de estudo com um mesmo objeto, no singular. Para apimentar, ainda mais, o debate, eu diria que isso se assemelha à polêmica do pseudo-monoteísmo cristão, quando olhamos a concepção de Deus no interior de cada vertente dogmático-religiosa apoiada na Bíblia, monoteísmo que se sustenta, somente, pela negação das muitas diferenças em favor das menores semelhanças acerca desse conceito. Ao contrário da Religião, que sobrevive pela manutenção (às vzs, violenta) da tradição, à custa de uma retórica viciada e contraditória, na Ciência, precisamos reconhecer a diversidade no seio da unidade, renovando práticas e discursos, para que o conhecimento evolua, mude, ainda que tal reconhecimento exija a cisão dessa unidade.

E você? O que pensa a respeito?! Deixe sua opinião nos comentários, ainda que divirja, diametralmente, da minha.

domingo, 28 de fevereiro de 2021

Um ano de Covid-19 e permanecemos no mesmo lugar: estamos olhando para a direção certa?

 




Ainda que as morbidades sobre a saúde individual, decorrentes de uma crise econômica, apenas se manifestem frente a um descaso do Governo com medidas de mitigação das carência sociais e do Sistema de Saúde [1, 2], é difícil fechar os olhos para a possibilidade de que elas surjam, em contextos como o Brasil, como resultado da crise econômica que se avizinha derivada da crise sanitária, pela qual estamos passando, e seus protocolos erráticos, como aponta o vídeo [3]. Realizada essa consideração e excetuando-se a crítica descontextualizada que o vídeo [3] faz de uma fala de Stalin, sou forçado a concordar com ele, sendo, inclusive, muito de sua argumentação parte do artigo que publiquei [4] no início da pandemia, antes mesmo da maioria dos argumentos contrários surgirem na mídia científica ou leiga...*e eu sou de ESQUERDA!!!*.

Reafirmo, aqui, a minha "esquerdisse", para deixar claro de onde estou falando, pois, apesar de o vídeo [3] afirmar que deixou de lado questões políticas e que se ateve a uma visão técnica do assunto, ele é aberto com uma declaração, de seu autor, como conservador e com uma crítica a Stalin e se encerra, também, criticando Stalin, numa clara oposição entre Direita e Esquerda, como se o apoio ou oposição aos métodos de contenção da Covid fossem derivados da orientação política de quem fala. Se queremos superar a insanidade na qual o mundo imergiu, é preciso ter claro que esse não é o ponto de inflexão da curva. O posicionamento pró ou contra protocolos radicais de contenção tem muito mais relação com interesses político-econômicos (e não ideológico-partidários) de grupos sociais e com o desconhecimento generalizado, assim como com uma personalidade passiva, adesista e idólatra, de um lado, em oposição a uma personalidade combativa, negacionista e cética, de outro, extremos entre os quais a maioria de nós se posiciona, uns mais para um lado, outros mais para o outro.

É interessante notar que o vídeo [3] menciona a taxa de letalidade (e não de mortalidade, pois essa tende a ser até menor) por infecção (IFR), que é relativa ao nr de óbitos por nr de indivíduos infectados (mesmo os assintomáticos), uma taxa mais realista da importância do vírus. Em discursos mais sensacionalistas, é comum mencionar-se a taxa de letalidade por casos clínicos (CFR), que é o número de óbitos por doentes confirmados e que deixa de lado os casos assintomáticos, leves ou que não procuraram hospitais e postos de Saúde, o que torna o valor da taxa muito maior, mais variável e pouco confiável no que concerne à importância real do problema para a tomada de decisões pela Adm. Pública. Associado a isso, temos a omissão do debate político, midiático e científico sobre a necessária estratificação dos casos, conforme seu perfil epidemiológico, sócio-econômico, demográfico e geográfico, para a tomada de decisões técnicas. Tal negligência encaminha as decisões no sentido de ações generalizantes, que desconsideram idade, sexo, raça, condições prévias de saúde, contexto social e outras variáveis importantes na determinação das taxas de mortalidade e letalidade, subestimando ou superestimando dados de incidência e prevalência em grupos específicos, tratando uns pelos outros [4].

O Sistema de Saúde (privado, assistencial ou público, em uma sequência histórica de seu surgimento) surgiu como forma de atender as demandas da população e não o contrário. Há poucos dias circulou nas mídias uma reportagem com um médico dizendo "Os hospitais estão cheios, porque as ruas estão cheias...as pessoas precisam ficar em casa...". Oras, os hospitais, os profissionais e o Sistema de Saúde, existem, precisamente, para que possamos ter a tranquilidade necessária para viver. Sua existência apenas se justifica como instrumentos para a possibilidade de socialização e trabalho, dois elementos fulcrais para a constituição do processo civilizatório, que nos trouxe até aqui. Discussões filosóficas à parte, sobre se nosso status civilizatório está ou não adequado, nos dizer que devemos suprimir nossa convivência social, indefinidamente (pois é isso que está acontecendo e irá continuar, se não nos levantarmos em oposição), sem qualquer comprovação razoável de que isso é eficaz e efetivo [6], em um eterno ensaio-e-erro, representa negar a racionalidade e a dinâmica pela qual nos tornamos quem somos como civilização, sem apresentar alternativa melhor e negligenciando dados que já estão à nossa disposição. Ainda que existam casos de sucesso relatados sobre o lockdown [6], os indicadores para sua avaliação são, absurdamente, obscuros e os resultados contraditórios.

Tivemos tempo e, hoje, possuímos dados para o planejamento adequado da mitigação da pandemia, no entanto, continuamos no mesmo ponto de há um ano, em termos de ações sociais. Isso acaba por colocar a sociedade a serviço do Sistema de Saúde, invertendo valores e a relação, em razão da incompetência ou má índole não apenas de nossos gestores públicos e políticos, mas também dos próprios sistemas de Saúde e da Ciência, tanto no que diz respeito à gestão de recursos financeiros, humanos e materiais, quanto no que se refere à produção de conhecimentos, sistematização e análise de dados e desenvolvimento de protocolos. Diante disso, é difícil concordar, passivamente, com a forma pela qual o problema da Covid vem sendo atacado, apesar de concordar com o mérito da questão, qual seja: a Covid é uma questão de (s)Saúde (p)Pública (com letras maiúsculas e minúsculas) grave e, como tal, precisa ser mitigada, como qualquer outra doença infecciosa, mas não à custa da vida (social e biológica) do próprio hospedeiro, pois a melhor maneira de se erradicar um doença é eliminando os doentes, mas um remédio não pode ser mais danoso à vida que o mal que ele combate! Todos estamos, aparentemente, escorados em uma histórica zona de conforto paralisante, "montando quebra-cabeças", como diria Thomas Kuhn. Para finalizar, acrescento um interessante ditado popular "Está tudo tão de cabeça pra baixo que, daqui a pouco, tem poste fazendo xixi em cachorro e todo mundo achando normal!". Após um ano, temos apenas mais do mesmo!


Para aprofundar no assunto:

[1] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52330852

[2] https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2214109X19304097

[3] https://youtu.be/tu1dT0fPLkw

[4] https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/sustinere/article/view/50902/34331

[5] https://revistapesquisa.fapesp.br/o-enigma-da-letalidade/

[6] https://exame.com/ciencia/lockdown-e-perda-de-tempo-e-pode-matar-mais-diz-cientista-de-stanford/