Walner Mamede
No contexto brasileiro atual, vemos um desmonte de todo o processo histórico que qualificou, minimamente, a Educação a partir do processo de redemocratização nacional. A atual gestão do Ministério da Educação não reconhece o valor de políticas inclusivas ou distributivas como, por exemplo, o Fundef e seu herdeiro, o Fundeb, ameaçando sua existência por meio dos inúmeros cortes orçamentários prometidos para a Educação, sob o discurso de enxugamento das despesas do Estado. Fazer frente a isso é um papel, não exclusivo, mas sobretudo dos sindicatos. Contudo, existe força e legitimidade dessa instância de negociação, na atual conjuntura política brasileira?
No Brasil, os sindicatos, como instância de
negociação, sofreram considerável redução de sua força desde os anos 80,
particularmente de meados dos anos 90 em diante. Desde então,
gradativamente, os sindicatos têm sido acusados de não serem mais
representativos dos interesses da classe ou, mais recentemente, de terem sido
cooptados pelas estruturas do Governo, em um ato de “peleguismo”. Isso
compromete o poder de barganha próprio dos sindicatos e torna-os suscetíveis às
pressões externas, enfraquecendo seu poder de veto aquilo que, em tese, vai
contra os interesses da classe que representa. Durante as negociações do
Fundef, essa característica foi fundamental para sua rápida aprovação, pois os
sindicatos não se constituíram como oposição significativa, seja por sua
adesão, seja por sua omissão velada, havendo poucas exceções, como foi o caso
de São Paulo, onde houve articulações contrárias em decorrência do entendimento
de que seria injusto redistribruir a verba de regiões mais ricas para as mais
pobres, por caracterizar uma espécie de parasitismo destas em relação àquelas.
Contudo, ainda que tenha havido
focos (esparsos, é verdade) de oposição sindical no Brasil, esta manifestação
de poder está muito distante daquela encontrada em outros países latinos, como, por exemplo, no México, onde o sindicalismo
possui forças para fazer frente às propostas do Governo Central. Esse
enfraquecimento sindical no Brasil não sobreveio gratuitamente e desconexo de
interesses. De forma geral a classe patronal possui particular interesse nesse
aspecto. Além de ser algo desejável pela “flexibilização” das relações entre
patrão e empregado, seu aspecto mais imediato e perceptível, possui o
“benefício” de incentivar a instalação de multinacionais em território
nacional, haja vista que o capital estrangeiro mantém maior interesse em
mercados cujo controle das relações de emprego sejam mais frouxas.
Podemos perceber um paradoxo
interessante quando da criação do Fundef: se, de um lado, a força sindical moderada
é que preserva a qualidade das relações laborais para seus associados,
tornando-as mais justas e exercendo pressões contrárias à exploração de mercado
e ao atendimento de interesses particulares, por outro é justamente a crença de
que seu enfraquecimento irá criar possibilidades de modernização, aquecimento
econômico e expansão do estoque de vagas no mercado, pela redução de custos
trabalhistas e pelo aporte de capital estrangeiro não-especulativo, que acabou
contribuindo para a rápida aprovação de uma política de equidade (ainda que
parcial, pela visão fragmentada da Educação) como foi o Fundef, pois a partir
dessa crença foram engendradas estratégias insidiosas a priori que dilapidaram o poder sindical e este não pode fazer
frente a pontos cruciais de uma proposta que não conseguia perceber a Educação
de forma sistêmica, como caberia a uma política educacional mais equalizadora. A despeito disso, o tempo demonstrou a necessidade de se ampliar o escopo de tal política e o Fundeb foi instituído, abarcando toda a Educação Básica e mais somente o Fundamental.
Inobstantemente, em um momento em que se coloca em xeque a suficiência das fontes orçamentárias e estratégias necessárias para uma maior qualificação da Educação no Brasil, o Governo Federal se posiciona na contramão da evolução das discussões, que se processaram ao longo dos últimos 30 anos, retrocedendo quase meio século nas concepções que alavancaram a Educação no Brasil. O fundamento das oposições vigentes no nível Federal da Administração Pública e suportadas por uma maioria considerável de leigos no assunto, tanto no nível da gestão, quanto no da população, é o de oposição aos pressupostos freireanos, marxistas/comunistas que, segundo eles, "dominaram as escolas e impuseram um modelo de educação doutrinário-ideológico avesso ao seu real papel, que consistiria simplesmente em 'ensinar a ler, escrever e fazer conta'", sendo as disciplinas de humanidades, como Sociologia e Filosofia, desnecessárias e um entrave para tal intento.
Oras, primeiro é necessário se perguntar o que significa "ler" para esses ilustres senhores-leitores-de-Olavo-de-Carvalho, segundo, seria importante ensinar-lhes o que significa marxismo, comunismo e freirianismo (para além da reduzida e deturpada visão olavista), pois é evidente seu entendimento distorcido de tais conceitos, inclusive, é patente seu desconhecimento (ou negligência) da realidade das escolas brasileiras e de sua história, bem como de qualquer fundamento político, pedagógico e psicológico da aprendizagem. No entanto, são eles, com o apoio de 40% da sociedade mais ignorante no assunto e, por isso, seus eleitores, que estão ditando as normas de conduta social e política e, sobretudo, definindo o perfil educacional e profissional e a concepção de cidadania de nossos filhos, netos e bisnetos (quiçá sejam barrados por uma população mais sábia, no futuro, e parem por aí). Se os sindicatos perderam força e a população está completamente descrente acerca de sua própria força de mobilização, seja por sua fragmentação ideológica, seja pelo receio das represálias características dos regimes totalitários, fica a pergunta: como faremos frente a tamanha ignorância e aos estragos que seus portadores estão implementando no cenário nacional?! Os avanços de 30 anos serão jogados por terra em 4, e sua recuperação terá um custo social, político e econômico inimaginável!!!