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terça-feira, 3 de março de 2009

O Tamanho do Crime: uma postura anti-revolucionária?


*O texto "O Tamanho do Crime", postado por Olavo de Carvalho em seu site <http://www.olavodecarvalho.org/semana/090219dc.html>, propõe uma interpretação das mortes ocorridas historicamente ao longo dos inúmeros movimentos civilizatórios, particularmente, aqueles ocorridos no séc. XX, como resultado de posturas revolucionárias, aparentemente, desnecessárias. Abaixo poderá ser avaliado o referido texto acompanhado de comentários que buscam evidenciar as lacunas e a fragilidade da argumentação empreendida. Degustem-no e deem sua propria contribuição ao debate.





O tamanho do crime

Autor: Olavo de Carvalho
Comentários: Walner Mamede Júnior
“O estudo mais completo já empreendido sobre assassinatos em massa no mundo é o do professor de Ciência Política da Universidade do Havaí, Rudolph J. Rummel, que lhe rendeu o Lifetime Achievement Award da American Political Science Association em 1999. O essencial da pesquisa é resumido em Never Again: Ending War, Democide & Famine Through Democratic Freedom (Coral Springs, FL, Lumina Press, 2005), e os dados completos estão no site http://www.hawaii.edu/powerkills. Rummel substituiu ao conceito de “genocídio”, que lhe parece muito vago, o de “democídio”, com o qual designa especificamente a matança de populações civis por iniciativa de governos. Resenhando os episódios de democídio documentados desde o século III a.C. até o fim do século XIX, ele chega a um total aproximado de 133.147.000 vítimas, destacando-se aí, como supremos assassinos em massa, os imperadores chineses (33.519.000 mortos em 23 séculos) e os invasores mongóis na Europa (29.927.000 mortos entre os séculos XIV e XV).
Quando a pesquisa chega ao século XX e entram em cena os governos revolucionários, as taxas de assassinato em massa sofrem um upgrade formidável, subindo para 262 milhões de mortos entre 1900 e 1999 – quase o dobro do que fôra registrado em toda a história universal até então. Desses 262 milhões, nem tudo, é claro, foi obra de governos revolucionários, mas a diferença entre eles e seus concorrentes é significativa. Todos os colonialismos somados (Inglaterra, Portugal, etc.) mataram 50 milhões de pessoas, das quais pelo menos 10 milhões foram assassinadas por um só governo proverbialmente cruel, o do Rei Leopoldo da Bélgica. O império japonês, por seu lado, matou aproximadamente 5 milhões, quase todos na China."* 

*Comentário: Percentualmente, qual o significado disso quando comparado às mortes em países e épocas menos populosos? 

“Vejam agora o desempenho dos governos revolucionários: China, 76.702.000 mortos entre 1949 e 1987; URSS, 61.911.000 mortos entre 1917 e 1987; Alemanha nazista, 20.946.000 mortos entre 1933 e 1945; China nacionalista (Kuomintang) 10.075.000 mortos entre 1928 e 1949 (o Kuomintang, embora inimigo dos comunistas, era também um governo revolucionário, responsável pela destruição da mais antiga monarquia do mundo). Às sete dezenas de milhões de vítimas do governo comunista chinês devem se acrescentar 3.468.000 civis assassinados pelo Partido Comunista de Mao Dzedong nas áreas sob o seu controle antes da tomada do poder sobre toda a China, o que eleva o desempenho do comunismo chinês a nada menos de 80 milhões de mortos* – equivalente à metade da população brasileira.” 

*Comentário: Essas mortes provocadas por Mao Dzedong ocorreram antes de sua ascensão ao poder, portanto não podem ser consideradas “mortes por governo revolucionário”. Além disso, o regime contra o qual ele (e essa pergunta se estende a todas as outras revoluções) lutava era responsável por quantas mortes, por quanto sofrimento e, historicamente, que benefícios sua revolução proporcionou? O que deve ser levado em conta não são as mortes simplesmente, mas os benefícios que elas trouxeram. Encarar de forma diferente nada mais é que um religiosismo/moralismo ingênuo. 

“Governos revolucionários em áreas menores também não se saíram tão mal, comparativamente à modéstia de seus territórios: Camboja, 2.035.000 mortos entre 1975 e 1979; Turquia, 1.883.000 mortos entre 1909 e 1918; Vietnam*, 1.670.000 mortos entre 1945 e 1987 (quase o dobro do total de vítimas da guerra, que renderam aos EUA tantas críticas da mídia internacional); Polônia, 1.585.000 mortos entre 1945 e 1948; Paquistão, 1.503.000 mortos entre 1958 e 1987; Iugoslávia sob o Marechal Tito (tão louvada como alternativa de “socialismo democrático” à brutalidade soviética), 1.072.000 mortos entre 1944 e 1987; Coréia do Norte, 1.663.000 mortos entre 1948 e 1987; México, 1.417.000 mortos entre 1900 e 1920 (especialmente cristãos**).”
*Comentário: Observe que o maior contingente de mortes nesse caso foi causado pela interferência dos EUA (um país que, aos olhos do autor, não é considerado revolucionário e parece ser inocente, inclusive, nas guerras do Golfo e do Iraque), em decorrência de seus interesses econômicos na área.
**Comentário: Cristãos cujos princípios são responsáveis por preconceitos, posturas ingênuas acerca da existência, por conflitos e por dificuldades de discernimento como o caso do Presidente Bush que por fundamentalismo religioso velado vê todo mulçumano como inimigo potencial, declarando guerra contra um fictício terrorismo universal e sendo responsável por milhares de mortes e pela decadência econômica dos EUA. Ainda, se enveredarmos pelo lado da religião, basta consultarmos os registros da ONU para verificarmos que os 25 países mais desenvolvidos do mundo são os menos religiosos com maior número de ateus e melhor IDH e os 50 menos desenvolvidos são os mais religiosos e onde mais se morre. Além disso, o cristianismo e outras religiões são os grandes responsáveis por grande parte dos conflitos da humanidade. Por que, então, dar tanta importância à morte dos cristãos?! A essa postura está subjacente um preconceito do autor em relação a outros modos de vida e de crença, o que por si já compromete a isenção e seriedade do “artigo” e isso, vindo de um autor que acusa Darwin de preconceito por conta de questões pontuais em suas postulações, é, no mínimo, hipocrisia (diga-se de passagem, Darwin apenas fez um provável prognóstico pelo método indutivo, algo comum em ciência).
“O total sobe a aproximadamente 205 milhões de mortos. Tudo ao longo de um só século. As duas guerras mundiais somadas mataram 60 milhões* de pessoas, entre combatentes e civis. A Peste Negra, de 541 até 1912, matou 102 milhões. Nada, absolutamente nada no mundo se compara ao instinto mortífero dos governos revolucionários. A promessa de um “outro mundo possível” transformou-se no mais letal pesadelo que a humanidade já viveu ao longo de toda a sua história. Aristóteles já dizia que a essência da tragédia política é quando o perfeito se torna o inimigo do bom**, mas ele se referia somente a casos individuais. Ele não poderia prever que um dia sua definição teria uma confirmação sangrenta em escala mundial, arrastando povos inteiros para os pelotões de fuzilamento, as câmaras de gás e a vala comum”***

*Comentário: Nesse caso não podemos atribuir os números aos governos revolucionários, mas aos governos, no geral, que desejavam dominar territórios e envolveu uma grande variedade de países com modelos político-econômicos diferentes.
**Comentário: atentemos para o significado de ‘perfeito’ e ‘bom’. Estes são conceitos morais e adstritos a um contexto histórico, cultural e geográfico, portanto, não aplicável de forma absoluta a todas as situações, precisando ser relativizado e é, justamente, essa relativização que causa conflitos entre povos distintos. Em termos aristotélicos, ‘perfeito’ estaria relacionado à completude do ser, à ausência do excesso e da própria ausência, à não-necessidade de movimento, já que esse está relacionado à mudança gerada pela busca (de algo que falta, de abandono do excesso, do equilíbrio, em si) e quem é perfeito não possui faltas, nem excessos, é a medida ideal, portanto não pode mudar e não pode se movimentar, pois, assim, perderia sua condição de perfeito, o que ocorre a todo aquele que não é eterno, infinito, absoluto, portanto, a tudo que existe, daí a relatividade do conceito; e ‘bom’ só pode ser quem é perfeito, pois, caso contrário, possuirá em sua essência o ‘não-bom’ ou ‘ a ausência do bom/bem convivendo com o bom/bem’ o que gera movimento de um sobre o outro em distintos momentos, comprometendo a perfeição. Caberia, ainda, definirmos o que significa ser “bom” e como não há um conceito universal de bondade não podemos utilizá-lo como medida de referência para justificar a culpa pela ocorrência de tragédias políticas ou não. Fazer isso seria adotar uma visão unilateral e condenar as demais à marginalidade. Ainda que possamos abstrair um conceito ideal de bondade como medida de referência, este jamais será materializado na prática. Apenas conseguiríamos uma bondade real próxima da ideal, nunca idêntica e, justamente, nessa pequena diferença entre o real e o ideal poderão residir as discordâncias entre o que é e aquilo que deveria ser aos olhos de uns e de outros.
***Comentário: A ingenuidade do autor o leva a desconsiderar o aumento populacional explosivo ao realizar comparações numéricas tão mecanicistas entre as diversas épocas da história e regiões geográficas, além de leva-lo a transitar entre o quantitativo e o qualitativo, indistintamente. Os números por si nada dizem se destituídos de contexto, de sua qualidade. Ademais, qualquer medida pressupõe uma referência ideal para que possa ser julgada. Ao condenarmos o número de mortes ocorridas ao longo da história, precisamos estabelecer o que deveria ser considerado como medida ideal de mortes. Ao que parece a defesa realizada é a de que o número perfeito de mortes causadas por conflitos, fome e doenças deveria ser zero. Portanto, como tudo o que é perfeito, este número jamais poderia ser alcançado, senão por indivíduos, igualmente, perfeitos, o que nos leva à idéia de eternidade do ser, algo impensável em se tratando de nossa existência terrena. Poder-se-ia alegar que, então, deveremos buscar nos aproximar ao máximo de tal perfeição, mas qual seria a medida de aproximação aceitável? Para responder a isso devemos buscar subsídio no contexto histórico, nos resultados conseguidos com as mortes, na relação custo-benefício desses resultados, o que parece ter sido esquecido pelo autor. Outras questões caberiam: Qual seria o modelo ideal de governo a ser considerado (para o autor parece ser o neoliberal/capitalista)? O que devemos entender por “governos revolucionários”? (não podemos nos esquecer que foi às custas de revoluções, que aconteceram ao longo da história e às custas das muitas vidas perdidas, que o modelo de vida prezado no texto existe hoje - lembremos da Revolução Francesa, p. ex.). Morte e guerra não são objetivos em si, mas uma conseqüência do aumento populacional e do desejo de liberdade e de apropriação econômica e empoderamento político, na maioria dos casos recentes fruto da visão capitalista e, mais atualmente, neoliberal. Ou vamos negar as inúmeras mortes provocadas pelas recentes guerras desencadeadas pelos EUA em busca de poder e dinheiro?!

FINALIZANDO: o discurso do autor é altamente retórico e tendencioso. Não se pode chamar de artigo um discurso político tão viciado, ingênuo e superficial como este. Ele descontextualiza as informações em benefício da sua crença, desconsiderando aspectos sutis subjacentes, propositadamente. Pode até enganar os menos atentos...!


2 comentários:

  1. Meu caro, o sr. não passa em seu próprio critério acima.

    Seu Coment.1 é uma pergunta. Ridículo! Mas respondo: Sim, é significativo sim mais de 200 milhões de mortos durante 1 século, mesmo em relação à população mundial daqui a 50 anos, digamos 10 bilhões. É pecado para encher um inferno de comunistas ateus!!!

    Seu Coment.2: Ridículo!!! "Ããhnn, não aceito colocar 3,5 milhão do MaoDzedong. Pode deixar a China com 76,5 milhões apenas...".
    E continua, mais ridículo ainda: o sr. PERGUNTA NOVAMENTE (SIC) quantas mortes o governo contra o qual ele lutava provocou ou que benefícios a revolução proporcionou. Diga você, oras, e deixe de ser superficial e intelectualóide.

    Coment.3: Ridículo! "Ããhn, pode tirar o Vietnan, porque foi a intervenção americana que provocou". Então tiremos metade de 1,6 milhão... as revoluções não são por interesses econômicos? Lutas de classes contra as desigualdades? Se interesse econômico justifica as revoluções, porque não justificariam as contra-revoluções? Que espécie de ética está subjacente ao seu comentário, inerente ao seu sistema de valores (completamente invertido, claro.)? Respondo: a de que o fim justifica os meios, mas sem divulgar explicitamente, pois é necessário culpar os interesses econômicos dos opressores para justificar as recoluções.

    Coment.4: Ridículum ridiculorum ridiculonis riculonibus ridiculierum ridiculovarum.
    O sr., movido por extremíssimo preconceito, ingenuidade e máfé contra os cristãos, agora foge do tema e tenta convencer alguém que o ateísmo causa melhoria em IDH. Jovem diletante em distorcer a verdade como todos os seus pares comunistas e ateus, repare que correlação não é relação de causa e feito. O ateísmo toma conta do mundo dos países desenvolvidos hoje... pode ser. Mas foram certamente princípios cristãos que fizeram o melhor da civilização hoje.
    E desde quando isenção era a intenção do autor? Prefiro justiça a mil isenções. Que isenção é a sua que, movido pelo ateísmo, pretende-se superior em razão de uma suposta isenção? Para o inferno com a isenção. E enfiar o sr. Darwin na contenda é fugir do tema, isso daria zero no vestibular se fosse uma redação...

    Coment.5: Ei, não precisa reproduzir conceitos de filosofia aristotélica no comentário, que provavelmente foi recortado de um site ou transcrito de algum manualeco. "o ótimo é inimigo do bom" é ditado conhecido. Cansa ter de refutar seu problematicismo que tenta emaranhar a linha de raciocínio, quando basta entender que o ideal do comunismo é um "outro mundo possível", supostamente melhor (ainda que utopicamente irrealizável) e para este mundo, "perfeito", vale a pena (benefícios???) milhões e milhões de mortes.
    Responda diretamente e simplesmente isto, meu caro, que vc concorda com milhões de mortes.

    Coment.6: Ridículo! São 200 milhões de mortos. Sua argumentação toda para tentar questionar isso, vc apresentou um único dado sequer que conteste esse número? Ou então pelomenos argumente diretamente, como exige de seus comentaristas, que vc concorda que foram 200 milhões mesmo, mas são perdas aceitáveis diante da possibilidade de construir "um outro mundo possível". Ou vc contextualiza o que diz estar descontextualizado pelo autor ou não venha com xurumelas.

    Finalizando: Coitadinhos dos menos atentos... mas felizmente está aí o comentarista para mostrar que não está sendo enganado! Óhhhh.

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  2. Flávio,

    Não me aterei muito a este debate, pois nenhum dos textos que me foram apresentados atendem os critérios necessários. Perguntas são um recurso dialógico antigo, o qual visa provocar no interlocutor a reflexão aprimorada sobre suas próprias afirmações. Esta é uma didática socrática, a qual ele próprio denominou 'arte de partejar' no diálogo 'Teeteto' de Platão. Se pergunto, é na intenção de fomentar a reflexão e a reconstrução do pensamento que, a meu ver, está equivocado, merece revisão e pode ser abordado de outro ângulo. A intenção de minha crítica é mostrar que existem dois lados de uma mesma moeda. Não é o caso de olharmos para ela, considerando apenas um dos lados verdadeiros e nos esquecendo do outro. A acusação feita pelo autor é reducionista e unilateral e leva à crença de existe apenas uma maneira de ver os fatos. Se revoluções aconteceram foi como resposta à violência de quem detinha o poder. Se a situação fosse agradável a uma maioria, se a ação opressora, repressora de uma minoria não estivesse violentando uma maioria, impondo a ela o seu lado da moeda, as revoluções não ocorreriam, diferentemente das guerras ou guerrilhas com objetivos meramente econômicos. Violência não é só aquilo que vemos explicitamente, mas, sobretudo, o que não vemos, o que está velado, o que causa pressão até se exploda. O grande problema é que a maioria das pessoas consegue perceber apenas a violência aparente, a mais óbvia, aquela que lhe explode na cara, sendo insensíveis ou incapazes de perceber as demais e tendo a impressão que tudo começou com aquilo que foi explicitado, sem se darem conta de que isso nada mais foi que uma resposta a algo que vinha de longa data.
    As relações entre IDH e religiosidade foram realizadas pela ONU, não por mim! Concordo que não dá para afirmar quem veio primeiro, o ovo ou a galinha? Ou seja, foi a religião que criou condições para o alto IDH ou sua ausência? Bem supondo que tenha sido sua ausência, provamos que ela é prejudicial ao aumento do IDH. Considerando que ela criou as condições e depois foi descartada, continuando alto o IDH, chegamos à conclusão de que ela se tornou desnecessária, obsoleta, dando lugar a algo melhor. Em qualquer dos casos ela perde!
    Quanto aos conceitos aristotélicos, recorri a eles por entender que o autor sequer os conhece, já que teceu seu argumento desconsiderando tal implicação. Independentemente de ter sido ou não ..."recortado de um site ou transcrito de algum manualeco..." (o que não foi o caso), eles existem e estão corretos, basta recorrermos à literatura para confirmar. Então fazer-se o quê, não é mesmo!?
    Para finalizar, o número de mortes também me incomoda, mas enquanto houver cobiça, desejo de poder político e econômico e a necessidade de uns uns poucos acumularem lucros e benefícios às custas de outros muitos, as mortes continuarão aumentando, seja pela guerra explícita, seja pela miséria, inclusive, com o patrocínio e incentivo de países capitalistas e neoliberais como os EUA, sendo ingenuidade e reducionismo retórico atribuir o ônus apenas aos comunistas, esquerdistas ou revolucionários, como querem Carvalho e você. Bem, acho que é isso.

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