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segunda-feira, 26 de maio de 2014

Ciência e Religião: relações espúrias

Por Walner Mamede





O Presente texto é uma crítica a afirmações polêmicas do afamado cientista indiano Amit Goswami em entrevista ao Roda Viva, no vídeo que pode ser encontrado no endereço https://youtu.be/e-aDYAezrps e que se encontra aqui anexo. Nele o cientista estabelece conexões entre conceitos científicos e conceitos religiosos, trazendo elementos da Física Quântica. Conforme o Roda Viva "Amit Goswami, considerado um importante cientista da atualidade...tem instigado os meios acadêmicos com sua busca de uma ponte entre a ciência e a espiritualidade. Ele vive nos EUA, é PhD em física quântica e professor titular da Universidade de Física de Oregon. Há mais de 15 anos está envolvido em estudos que buscam construir o ponto de união entre a física quântica e a espiritualidade. Já foi rotulado de místico pela comunidade científica, e acalmou os críticos através de várias publicações técnicas a respeito de suas idéias. Em seu livro "O Universo Auto-Consciente" ele procura demonstrar que o universo é matematicamente inconsistente, e sem existência de um conjunto superior, no caso Deus. E diz que se esses estudos se desenvolverem, logo no início do terceiro milênio, Deus será objeto da ciência e não mais da religião". Acerca de suas afirmações, seguem minhas considerações.

Afirmar que o processo criativo não se dá por vias racionais não é o mesmo que aceitar sua origem em Deus ou dizer que deuses existem. Não foi isso que Einstein quis dizer isso ao se referir à origem não meramente racional da Teoria da Relatividade, nem ao menos é o que ele quer dizer quando afirma algo utilizando o nome de Deus. Einstein não está fazendo uma apologia ao Deus transcendente, sobrenatural, mas a apenas utilizando o conceito cultural de forma retórica, para se fazer entender e congregar sob esse conceito o que a Ciência chama de “acaso”, “probabilidade”, “refutabilidade” em decorrência do próprio método indutivo que a sustenta na produção de seu conhecimento.

Além disso, Amit parte do pressuposto de que, por não ser material, a mente ou “consciência quântica” pertencem ao transcendente, reintroduzindo uma metafísica sobrenatural na Ciência e justificando-a a partir daí, como se o fato de cientificizar o misticismo fosse fazer dele uma verdade. Ao contrário, a Ciência não lida com verdades absolutas, esse é o campo da Religião. Trazer algo para o campo da Ciência é dizer “olha, estou afirmando isso, mas, em alguma medida, eu posso estar, redondamente, enganado”. A Ciência reconhece isso em seus postulados. Se isso não pode ser dito acerca de um conhecimento qualquer, não pode ser tido como científico. E Goswami, quando estabelece seus pressupostos de “consciência quântica” e “causação descendente” para explicar as ocorrências no mundo material, se omite, completamente, a respeito de hipóteses alternativas que explicariam tão bem ou melhor as mesmas ocorrências, à semelhança da Religião. 

Podemos contra-argumentar que a Ciências, muitas vezes, faz o mesmo, mas quem disse que por ser científico algo é verdade? Ao contrário, a epistemologia que teorias como a do ator-rede traz mostra que todas as postulações científicas estão carregadas de negociações políticas entre cientistas e não-cientistas para serem aceitas como verdade (ainda que temporária) e superarem suas hipóteses concorrentes. Então, ao contrário do que o senso comum (e incluo aí a percepção que o próprio Goswami possui de “Ciência”) acha, ingenuamente, conhecimento científico não é sinônimo de “verdade” ou “realidade” e sim, apenas, uma possibilidade dessa “verdade”.

Apesar de se apresentar como não-dualista, ao afirmar que a “consciência humana dança com a consciência cósmica” (ou Deus) para determinar as ocorrências no mundo material, Amit me lembra as postulações de Descarte para justificar o salto entre a mente e Deus na busca da verdade. Além disso, Amit parte da Física Quântica e tece uma teoria religiosa dizendo que ainda é sobre Física Quântica que está falando, mas não é e isso precisa ficar claro, pois é um uso leviano de conceitos científicos em uma retórica mística, que traz certo conforto, mas que está longe de ser Ciência (apesar de isso não ser demérito).

Para finalizar, enfatizo a necessidade de estarmos atentos aos usos indevidos do conceito de "Ciência" com o fito de se legitimar este ou aquele conhecimento, escorando-se no status dessa área do conhecimento humano na atualidade e, portanto, lançando-se mão de uma espécie de "argumento de autoridade" que, longe de trazer benefícios, nos leva a comprar felídeos por leporídeos!

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