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sexta-feira, 31 de março de 2017

Por que ética e política não conversam? A Educação, a educação e o diálogo como proposta

Walner Mamede

Para Rossoni e Mota (2017), à guisa de Horkheimer (2002), na sociedade atual vige uma racionalidade instrumental alienada e esvaziada de moralidade, aderente a símbolos de unidade social constitutivos de identidades coletivas e comportamentos previsíveis, alheios às diferenças individuais, à autonomia do pensamento e à autenticidade da ação. Ao mesmo tempo, o narcisismo, a individualidade e a impessoalidade passam a ser as grandes regentes das relações humanas, criando uma sensação de não-pertencimento a qualquer lugar, na medida em que não há o reconhecimento de si a partir do outro e sim a partir do símbolo unificador, ideologicamente, estabelecido em favor de grupos específicos, monetariamente, interessados e apoiados por uma mídia descomprometida com os anseios sociais amplos e múltiplos, inclusive, para além do pluralismo, na esteira do que propõem Mol, Law e Hassar (1999) ao discutir o conceito de política ontológica na constituição do espaço público.

Nesse contexto, ocorre a construção de consensos pautados em meias verdades, a supressão da diversidade, o esfacelamento das comunidades e a deslegitimação de interesses comuns, o que fomenta o medo, a insegurança, o desamparo e a consequente imobilidade, sendo apresentado o símbolo unificante como motor teleológico e referência para a reconfiguração do coletivo e do pertencimento, ainda que as diferenças sejam maiores que as pretensas semelhanças induzidas pelo símbolo. Isso conduz à massificação e aniquilamento do indivíduo (Benjamin, 2000), que persegue necessidades alheias como sendo suas, e constitui uma comunidade artificial e incompleta (Bauman, 2001), engendrada em torno do narcísico, da violência e da crueldade (Birman, 2006), cujo conteúdo moral é fragilizado por forças internas e externas de dissolução e pela ausência do outro como contraponto ao eu: internas, pela pressão exercida a partir das diferenças camufladas; externas, em razão das inúmeras pressões de cooptação sofridas a partir de outros grupos de interesse; sendo dirigida ao símbolo e não às pessoas, a convicção mantenedora da unidade produz condutas pautadas na máxima “os fins justificam os meios”, já que o fim último é a defesa do símbolo imbuído de valor moral, e a ética deixa de ser o fio condutor, o que inviabiliza a busca do bem comum e a própria política, particularmente, quando esse fim é monetizado e conduzido pelas relações de consumo que doutrinam a construção da subjetividade nos tempos atuais (Benjamin, 2000; Birman, 2006; Rossoni e Mota, 2017).

Derivando da concepção trazida por Arendt (2010), com a monetização do fim, poderíamos falar de um totalitarismo dissimulado por meio de ferramentas da democracia, não um totalitarismo de Estado, mas de grupos econômicos que colocam o Estado a seu serviço e aliciam indivíduos a aderirem aos seus valores, ascendidos ao status de valor moral, como caminhos de passagem obrigatória ao alcance de suas necessidades individuais, à semelhança dos alistamentos encontrados na Teoria Ator-Rede (Latour, 2012). Essa perspectiva compromete o diálogo coletivo, que questiona o consenso na busca do bom senso (Cavazza, 2008) por meio de um processo dialético (Cindra, 1995), e distancia a democracia vivida da democracia almejada, como nos coloca Chauí (1986), radicalizando discursos que permanecem distantes da necessária relativização. Nesse aspecto, a Educação e a educação possuem papel central, pois têm o potencial de blindar o cidadão contra a manipulação e de o instrumentalizarem para o debate fundamentado e consciente. E, aqui, não falamos de qualquer Educação, mas daquela perspectiva trazida por Terci (2016), na contramão da propaganda e dos agendamentos comportamentais orientados pela ideologia do consumo e da submissão, que manipulam a opinião, implementam uma produção em série da subjetividade e que, escapando aos canais midiáticos convencionais, adentraram nossas escolas travestidos de educação.
Para Rossoni e Mota (2017), o descaso com o bem comum, progenitor de uma conduta corrupta, antiética e antipolítica no Brasil, seja no público, seja no privado, não tem suas raízes em Governos específicos, em uma espécie de personificação mítica do Mal, ou na contemporaneidade, como fazem crer as incursões da mídia de massa no tema.

Abordagens dessa monta produzem discursos de ódio e estigmatizações, além de concepções superficiais sobre o fenômeno que, em síntese, é sociológico e não se solverá nos muitos e mal amarrados instrumentos legais, sem a participação efetiva de uma Educação e uma educação verdadeiras, como propõe Terci (2016). Ao contrário, ainda que elementos da pós-modernidade tenham acentuado o fenômeno, conforme apontam Rossoni e Mota (2017) e Gomes (2008), tal descaso é tributário de princípios e valores implantados em nossa sociedade e que remontam ao Período Colonial, particularmente, com a instalação da Côrte Portuguesa no país. Um comportamento naturalizado nas relações sociais cotidianas e legitimado pelo discurso da “natureza humana” que, apesar de existente, precisa ser relativizado e se curvar ao crivo da razão na direção de hábitos que sigam além de uma ética utilitarista narcisista que, diferente do Utilitarismo de Benthan (1789), busca o prazer pessoal em detrimento do coletivo em nome do direito a uma individualidade que rompe os laços do sujeito com a sociedade.

Referências
Arendt, H. (2010). A condição humana (11th ed.). Rio de Janeiro: Forense Universitária.
Bauman, Z. (2001). Modernidade líquida. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.
Benjamin, W. (2000). Rua de mão única. (Obras escolhidas II). São Paulo, SP: Brasiliense.
Bentham, J. (1789). An introduction to the principles of morals and legislation. London: T. Payne and Son at the Mews-Gate, pp. 335. Accessed in Jan2015, from http://www.koeblergerhard.de/Fontes/BenthamJeremyMoralsandLegislation1789.pdf.
Birman, J. (2006). Arquivos do mal-estar e da resistência. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.
Cavazza, N. (2008). Psicologia das atitudes e das opiniões. São Paulo, SP: Loyola.
Chauí, M. (1986). Conformismo e resistência. São Paulo, SP: Brasiliense.
Cindra, J. L. (1995). Sobre uma visão dialética do mundo. Rev. Principius, (39):56-60.
Gomes, L. (2008). 1808: Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil. São Paulo, São Paulo: Planeta do Brasil.
Horkheimer, M. (2002). Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.
Latour, B. (2012). Reagregando o Social: Uma introdução à Teoria do Ator-Rede. Salvador/Ba-Bauru/SP: EDUFBA/EDUSC.
Mol, A.; Law, J. & Hassar, J. (1999). Ontological Politics: a word and some questions. In J. Law & J. Hassard (Org.). Actor Network Theory and After. Blackwell/The Sociological Review.
Rossoni, A.C.G.; Mota, R.F. (2017). A corrupção no contexto atual da mídia. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, Londrina, 8(1): 02-21.
Terci, C.F.H. (2016). Propaganda e educação na sociedade cosmeticamente mediada. 248 f., il. Tese (Doutorado em Educação)—Universidade de Brasília, Brasília.

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